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O Sr. Presidente (José Vera Jardim): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos. Como sabem, hoje é o último dia de audições, estando marcadas a do Sr. Ministro da Justiça, que já está presente, e a do Dr. Mário Soares.
Sr. Ministro da Justiça, começo por, em meu nome pessoal e em nome de todos os Srs. Deputados, agradecer a sua disponibilidade para vir prestar o seu depoimento a esta Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Tivemos ocasião de lhe enviar os vários projectos - que são, naturalmente, do seu conhecimento - da revisão constitucional e pretendíamos ouvi-lo sobre um conjunto de problemas apresentados por vários partidos nesta Comissão Eventual.
Refiro-me, em especial, aos problemas do artigo 7.º da CRP, relacionados, por um lado, com o Tribunal Penal Internacional e a ratificação do Estatuto de Roma e, por outro lado, com uma proposta relativa à criação de um "espaço de liberdade, de segurança e de justiça". Por outro lado, também por ser do âmbito da sua competência, gostaríamos ainda de o ouvir sobre uma proposta do Partido Popular relativa a uma alteração ao artigo 34.º da CRP, que pretende autorizar a entrada no domicílio durante a noite, verificando-se certos pressupostos.
Era sobre estas matérias, em especial, que gostaríamos de ouvir o seu depoimento. Mais uma vez, muito obrigado pela sua disponibilidade.
Assim, vamos começar por ouvir uma exposição inicial do Sr. Ministro da Justiça, a que se seguirá uma ronda de perguntas por parte dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (António Costa): - Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Creio que, quanto à questão da ratificação do Estatuto de Roma, que prevê a criação do Tribunal Penal Internacional, o conjunto dos projectos resolve o essencial do problema, que já tinha sido, aliás, objecto de bastante reflexão no quadro parlamentar, com base num relatório do Sr. Deputado Alberto Costa. Portanto, sobre o TPI não tenho nada de especial a dizer. Penso que os projectos resolvem o problema que tinha sido identificado e permitem a ratificação do Estatuto de Roma.
Quero, contudo, a propósito da criação do "espaço de liberdade, de segurança e de justiça", dizer algo mais. Na sequência dos Tratados de Maastricht e Amesterdão, a criação deste espaço é hoje um dos objectivos centrais da construção da União Europeia, e é - todos temos consciência disso - um objectivo essencial, após a eliminação dos controlos internos de fronteira. Não é possível termos um mercado interno, não é possível termos uma moeda única, não é possível termos um território sem controlo interno de fronteiras, sem que exista este espaço de liberdade, de segurança e de justiça.
Ora, o conteúdo deste espaço de liberdade, de segurança e de justiça já é hoje conhecido, na sequência do Conselho Europeu de Tampere de 1999 e, na sua concretização, é possível antever alguns pontos de conflitualidade com o dispositivo constitucional português. É sobretudo assim, tendo em conta a doutrina fixada no relatório do Deputado Alberto Costa, a propósito do Tribunal Penal Internacional.
Assim, a exemplo do que já acontece com a existência de uma norma de habilitação geral relativamente à construção da União Económica e Monetária, creio que a Constituição carece de uma norma de habilitação geral relativamente à construção do espaço de liberdade, de segurança e de justiça, visto que isso pressupõe pormos em comum o exercício de um conjunto de poderes soberanos, quer de natureza legislativa - veja-se a harmonização do Direito Penal, que não passará necessariamente (estou mesmo convencido que passará pouco) pelo recurso a instrumentos que prevejam a transposição posterior em cada uma das ordens jurídicas, podendo passar por instrumentos de aplicação directa - quer de natureza judicial -, e veja-se que isso está a acontecer no que diz respeito ao desenvolvimento futuro tanto do EuroJust como da rede judiciária europeia. Portanto, penso que é preciso uma norma geral, a exemplo daquela que foi introduzida na penúltima revisão constitucional para a construção da União Económica e Monetária.
Como já o disse em sede de 1.ª Comissão, e repito aqui, temos uma questão específica que tem a ver com o princípio da execução directa das decisões judiciais e que coloca problemas em matéria de buscas e mandatos. Em particular, o artigo 33.º colocar-nos-á questões relativamente à entrega de cidadãos, sejam nacionais ou originários de outros Estados membros, a outros Estados membros para efeito do exercício da jurisdição penal.
A resolução deste problema tem tudo a ver com a forma como classifiquemos doutrinariamente estas "entregas". Houve quem, a propósito do TPI, sustentasse a ideia de que, verdadeiramente, só temos a extradição, quando se trata de transferir alguém de uma ordem jurídica para outra ordem jurídica e que, no âmbito do TPI, estando perante uma única grande e global ordem jurídica internacional, a entrega de alguém ao Tribunal que tem competência nessa ordem jurídica não extraditava para uma outra ordem jurídica. Tudo se passava dentro do âmbito da mesma grande ordem jurídica internacional. Foi esta, creio, a posição sustentada pelo Dr. Souto Moura, a propósito do Tribunal Penal Internacional, já que entendia que não se estava perante uma extradição mas perante uma mera entrega, uma mera circulação dentro da mesma ordem jurídica; uma mera transferência de um detido no Algarve para julgamento em Bragança e, portanto, não haveria problemas de conflitualidade com o artigo 33.º da CRP. Esta doutrina não foi consagrada maioritariamente, nem pelos juristas, em geral, nem pela Assembleia da República, em particular.
Ora, não o tendo sido para o Tribunal Penal Internacional, vejo com dificuldade que possa, agora, ser adoptada relativamente ao espaço de liberdade, de segurança e de justiça. Portanto, isso coloca-nos numa rota de colisão com o artigo 33.º da CRP, pelo menos em dois domínios.
Por um lado, a entrega de nacionais portugueses. Na última revisão já se abriu a possibilidade para um catálogo de crimes, e não antevejo que o desenvolvimento do espaço de liberdade, de segurança e de justiça seja restritivo àquele catálogo de crimes. Portanto, colocar-se-á, no futuro, o problema da entrega de um cidadão