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português para efeitos de julgamento em outro Estado membro da União Europeia, em conflito com o n.º 3 do artigo 33.º da Constituição.
Temos, depois, uma outra dificuldade que resulta de a generalidade dos países da União Europeia prever, ainda que formalmente, a existência de pena de prisão perpétua. Os únicos que não prevêem são Portugal, Espanha e creio que a Irlanda. No entanto, mesmo com a Espanha não é difícil de antever que um dia alguém suscite que a aplicação de cúmulos jurídicos que podem ir às centenas de anos é, no fundo, a aplicação de sanções com natureza equivalente à prisão perpétua, atendendo a que a esperança de vida, mesmo para os mais optimistas, não poderá abarcar as centenas de anos. Portanto, alguém, algum dia, há-de suscitar a questão da proibição relativa à pena de prisão perpétua relativamente a regimes penais que prevêem cúmulos ilimitados.
Quanto à pena de morte, a questão não se coloca, visto que nenhum dos Estados membros a prevê, actualmente, mas temos este problema relativamente à prisão perpétua.
Na última revisão constitucional procurou resolver-se este problema da extradição para países que prevêem a pena de prisão perpétua, admitindo a extradição, desde que nos sejam dadas garantias que essa pena não é aplicável. Como todos recordarão, essa norma decorreu de uma situação muito particular que se vivia, com alguma frequência, com um Estado com quem Portugal mantém relações diplomáticas, mas que não pode ser verdadeiramente considerado um Estado de direito, pelo menos como o concebemos. Relativamente a esse Estado era, de facto, concebível e possível, porque não assenta no princípio da separação de poderes, conferir garantias a Portugal, quanto à não aplicação de uma determinada sanção. No entanto, essas garantias, verdadeiramente, não são praticáveis nos países democráticos e nos países onde vigora o Estado de direito, porque governo algum pode dizer a outro governo que um juiz num determinado processo não vai aplicar aquela sanção e só aplicará aquela outra sanção.
Assim, temos o paradoxo de esta norma - que criámos para garantia dos direitos fundamentais - só ser verdadeiramente exequível onde esses direitos fundamentais não são respeitados, porque nos países onde são respeitados, em bom rigor, essa garantia não pode ser dada. Mas tem-se contornado a situação com uma interpretação muito criativa do que é que constituem as garantias.
Recordo-vos que, há cerca de um ano, quando se colocou a questão da extradição de um cidadão francês para França - um serial killer que incorria na pena de prisão perpétua -, a Ministra francesa escreveu uma carta dizendo que, no caso concreto, o Ministério Público não deduzia acusação pedindo a pena de prisão perpétua. A verdade é que esse acto da Ministra foi impugnado perante a jurisdição administrativa francesa, com invocação de usurpação de funções, visto que, obviamente, o Governo não pode dar garantias de quais são as penas que os tribunais aplicam ou não aplicam. As garantias só podem ser as que resultam da lei.
A jurisprudência nacional tem entendido como boas as "cartas de conforto" que os Ministros da Justiça vão enviando explicitando as razões pelas quais consideram que não será aplicável aquela medida. Nem sequer os próprios tribunais podem, nesta fase em que é pedida a extradição, dar garantia se a pena é ou não aplicada, porque, pela natureza das coisas, a própria medida da pena só é definível pelo tribunal no termo do julgamento. Ora, a extradição é, habitualmente, um mecanismo pré-sentencial e, portanto, o próprio tribunal não está em condições de dizer ou de se autolimitar no exercício do seu poder.
Tem-se entendido também, por exemplo relativamente à Bélgica, como sendo garantias os conhecimentos de natureza empírica sobre a aplicação efectiva da pena de prisão perpétua. Tem sido entendido, por exemplo, que é extraditável para a Bélgica alguém indiciado por um crime para o qual está prevista a pena de prisão perpétua, visto que a Bélgica prevê no seu ordenamento jurídico uma revisão periódica da pena de prisão perpétua quando ela tenha sido aplicada. Ora, há cerca de 40 anos que não é aplicada nenhuma pena de prisão perpétua e o tempo de duração média das penas de prisão na Bélgica é claramente inferior ao tempo de duração média das penas de prisão em Portugal. A jurisprudência tem concedido extradição para a Bélgica com base nestas informações, que têm sido transmitidas pelo Sr. Ministro da Justiça da Bélgica.
Estes são alguns casos de que eu me recordo deste ano e meio… - ao Sr. Presidente da Comissão, que teve um mandato bastante mais extenso e tem uma memória mais rica, possivelmente ocorrem outros exemplos -, mas a verdade é que vivemos sempre numa situação que é de difícil praticabilidade nos Estados democráticos. E um paradoxo relativamente ao qual é preciso meditar é o facto de termos um sistema de garantias que só é exequível onde os direitos fundamentais não são respeitados, onde o Presidente da República garante que "a este senhor não é aplicada a pena", e nós sabemos que os juízes, atentos e obrigados, cumprirão a decisão do Sr. Presidente da República.
Claro que já vi ilustres constitucionalistas sustentarem que nenhum destes problemas se põe porque, no fundo, apenas se trataria de celebrar um acordo internacional, caso a caso, que entraria em vigor em cada uma das ordens jurídicas e, portanto, teria o valor próprio das convenções internacionais em cada uma ordens jurídicas e, tal como as convenções internacionais, obrigariam os tribunais.
Com certeza, todos temos a noção de que não é, obviamente, praticável a celebração de convenções internacionais caso a caso, até porque em vários Estados essas convenções internacionais estão mesmo sujeitas a reserva da posição parlamentar. Eu duvido, por exemplo, que em Portugal pudéssemos celebrar essa convenção internacional sem que a mesma fosse devidamente aprovada, para ratificação, por parte da Assembleia da República.
Portanto, como podem antever, não se trata propriamente de um sistema prático, trata-se, sobretudo, de um sistema totalmente incompatível com o princípio da criação de um espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça, que implica um reconhecimento da competência, da legitimidade e da plena aceitação dos sistemas judiciários e jurídicos de cada um dos Estados membros da União Europeia. Nós estamos a falar de uma União que é fundada, nos termos dos Tratados, com base num património comum, que resulta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da Carta dos Direitos