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SEPARATA — NÚMERO 70

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2. O enquadramento legal e a questão da qualificação da relação laboral com as plataformas

O debate sobre o enquadramento do trabalho através de plataformas digitais tem ocorrido em todo o mundo,

dando origem a intervenções de natureza muito diferente, seja pelas autoridades locais, seja através de

contratação coletiva, seja por parte dos tribunais (com decisões que criam jurisprudência, nomeadamente

relativamente à qualificação da relação contratual), seja por via de leis gerais aplicáveis a uma parte das

plataformas (como as de transportes ou de entregas), ou ao conjunto dos trabalhadores que prestam atividade

através de plataformas digitais.

Ao nível das soluções locais, elas passaram essencialmente pela regulamentação da atividades de

plataformas como a Airbnb, como aconteceu em Paris, Barcelona ou Berlim, ou pelo estabelecimento de

«compromissos éticos» com as plataformas de entregas, como sucedeu em Bolonha, Itália, no caso da

assinatura de uma carta entre o sindicato local de estafetas, as três principais confederações sindicais, a câmara

municipal e as plataformas locais de entrega de refeições ao domicílio (Sgnam e MyMenu). Em Lisboa, chegou

a ser aprovada uma proposta do Bloco de Esquerda para o desenvolvimento de uma plataforma pública de

entregas, de utilização gratuita, e com contratos de trabalho estabelecidos pela autarquia, que teria o efeito de

estimular os mercados locais e servir, entre outros, os munícipes com menor mobilidade, nomeadamente no

fornecimento de frescos. Contudo, como se sabe, o poder local não tem competências legais sobre a regulação

do trabalho nem qualquer poder para intervir na questão fundamental, que é qualificação da natureza contratual

do trabalho desenvolvido com as empresas que operam as plataformas digitais.

Nalguns países, particularmente na Alemanha e nos países nórdicos, onde por razões históricas relacionadas

com os sistemas de relações laborais nacionais os níveis de sindicalização são extremamente elevados, houve

acordos coletivos que conseguiram a definição do estatuto de trabalhador subordinado com algumas

plataformas. Na Suécia, foi assinada uma convenção coletiva entre a plataforma Bzzt e o sindicato dos

trabalhadores dos transportes. Na Dinamarca, foi assinado um acordo coletivo com uma plataforma de serviços

de limpeza em residências privadas. Na Áustria, os trabalhadores de entregas ao domicílio de uma aplicação

(no caso, a Foodora) formaram recentemente uma comissão de trabalhadores com o apoio de um sindicato que

representa os trabalhadores dos transportes e dos serviços. Na Alemanha, o mesmo aconteceu na Deliveroo,

com o apoio do sindicato dos trabalhadores da alimentação e da restauração. E o IG Metall, uma das grandes

forças sindicais alemãs, lançou com outros sindicatos, designadamente austríacos, uma página na Internet para

os trabalhadores das plataformas (www.faircrowdwork.org), conseguindo também que oito plataformas sediadas

na Alemanha assinassem um compromisso para respeitar as normas salariais locais.

Foi através de decisões jurisprudenciais, contudo, que o processo de reconhecimento de direitos dos

trabalhadores das plataformas parece ter ido mais longe. Destacam-se, nesta qualificação das relações laborais

como trabalho subordinado ao qual tem de corresponder um contrato de trabalho por conta de outrem, as

decisões no Reino Unido e do Estado espanhol, embora também haja decisões importantes e interessantes em

Itália.

Em 2016, no Reino Unido, um grupo de motoristas da Uber intentou uma ação judicial contra a empresa,

tendo conseguido o reconhecimento, aplicável a 40 000 motoristas da Uber, de que estes não eram

trabalhadores independentes. Na sentença do tribunal londrino, datada de 28 de outubro de 2016, destacavam-

se os seguintes argumentos: Os motoristas estabelecem um contrato com uma pessoa cuja identidade

desconhecem, mas que é do conhecimento da plataforma; o destino do serviço só é do conhecimento do

motorista após este ter aceitado a realização da tarefa; a rota é também alheia ao contrato entre cliente e

motorista, sendo determinada pela plataforma; os preços são determinados pela plataforma e não pelo

trabalhador, bem como o pagamento, que é feito pela plataforma. Na sequência de uma batalha judicial intensa,

em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal do Reino Unido deliberou a favor dos trabalhadores, determinando

que a Uber é responsável por garantir aos condutores proteção social no trabalho, incluindo salário mínimo e

pagamento de férias.

Em Itália, por exemplo, o Tribunal de Palermo, no final de 2020, qualificou também um estafeta da Glovo

como trabalhador subordinado. Em fevereiro de 2021, seguindo as mesmas orientações, a inspeção de trabalho

italiana determinou que as plataformas de distribuição de comida deveriam fazer contratos de trabalho e

reconhecer a relação de subordinação jurídica a mais de 60 mil estafetas.

No mesmo sentido foi a decisão do Supremo Tribunal de Espanha, datada de 25 de setembro de 2020, que