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SEPARATA — NÚMERO 5

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conferindo à «vítima o direito de indemnização» e subsumindo-o, do ponto de vista contraordenacional, a uma

contraordenação muito grave, «sem prejuízo da eventual responsabilidade penal prevista nos termos da lei».

A mencionada norma do Código do Trabalho parece lançar o mote para a necessidade de uma formulação

similar e correlacionada no Código Penal português, nomeadamente para a eventual criação de uma norma

autónoma, tal como já se verifica noutros ordenamentos jurídicos, como é o caso do Código Penal Francês e

Espanhol.

É essencial ressalvar que está em causa a violação de direitos fundamentais das vítimas, como o direito ao

livre desenvolvimento da personalidade e o direito à integridade pessoal, que incluem a liberdade e

autodeterminação sexual (artigos 25.º e 26.º da Constituição da República Portuguesa), bem como o direito ao

trabalho, (artigo 58.º, n.º 1) e o direito à igualdade de oportunidades na escolha da profissão (artigo 58.º, n.º 2).

O assédio sexual condiciona o acesso ao emprego, à manutenção do emprego ou promoções profissionais

e cria um ambiente de trabalho hostil e intimidatório.

De igual modo, o assédio sexual nos locais de trabalho assume contornos de gravidade superior ao

praticado noutros contextos, na medida em que a vítima vive dependente, para a sua sobrevivência económica

e da sua família, da manutenção do seu posto de trabalho, o que leva a que, na maioria das vezes, estas

vítimas não se defendam nem apresentem a devida queixa.

Pretende-se, todavia, que se estenda, tal como faz o Código Penal Espanhol, o assédio sexual às relações

laborais, docentes ou de prestação de serviços, não se limitando, evidentemente, o assédio sexual no trabalho

à existência ou não de um contrato de trabalho ou da existência de subordinação jurídica, bem como a

situações de trabalhadores e trabalhadoras liberais e prestadores de serviços, e ainda nas relações de

docentes e alunos e alunas, chamando desta forma à colação a conhecida existência de assédio sexual nas

universidades.

É de conhecimento público e patente no Relatório Anual de Segurança Interna de 2020, que os crimes

contra a liberdade a autodeterminação sexual afetam maioritariamente vítimas do sexo feminino. Todavia,

importa lembrar que a forma como são transmitidos os casos e percecionadas as vítimas condiciona, de

sobremaneira, as denúncias dos casos pelas vítimas, onde se inclui também o sexo masculino.

A violência de género, em todas as suas formas, tem vindo a ser uma preocupação reiterada do PAN,

tendo já defendido, no passado, que a legislação portuguesa se encontrava desajustada em matéria de crimes

sexuais e que era premente a adequação da lei nacional ao disposto na Convenção de Istambul, ratificada por

Portugal em 2013.

Para o efeito, o PAN elaborou um projeto de lei para alterar o Código Penal (Projeto de Lei n.º 1047/XIII/4.ª)

para que o sexo sem consentimento fosse considerado crime de violação, endurecendo a moldura penal para

que os violadores cumpram pena de prisão efetiva e ainda para que a coação sexual e a violação se

tornassem crimes públicos, ou seja, não dependentes de queixa das vítimas para que o processo seja iniciado,

à semelhança do que já acontece para crimes como a violência doméstica.

O constrangimento causado pelo crime na vítima, o receio de voltar a enfrentar o agressor, a exposição

pública da sua intimidade perante as autoridades públicas e policiais e o receio da revitimização associada ao

processo, levam a que, nestes casos, as vítimas acabem por optar pelo silêncio e impunibilidade do agressor à

denúncia do crime e impulso do processo penal.

Entende-se que a atribuição de natureza pública aos crimes sexuais, no presente caso, o crime de assédio

sexual, reforça a proteção da vítima e contribui para a redução deste tipo de crimes.

Relembre-se que o processo penal acarreta aspetos negativos com forte impacto psicológico que não

devem ser ignorados, dos quais se destaca a sujeição da vítima a um penoso processo de revitimização.

Assim, qualquer alteração legal que atribua natureza pública aos crimes contra a liberdade sexual deverá

evitar cair no erro de fazer prevalecer cegamente o interesse comunitário na persecução penal sobre a

vontade da vítima, tendo em conta estes aspetos negativos associados ao procedimento criminal e prever,

conforme defendeu a APAV1, uma válvula de escape, através da qual se possa dar voz à vítima e valorar a

sua vontade.

Tendo em conta o anteriormente exposto, o PAN propôs que todos os crimes contra a liberdade sexual, à

exceção do crime de importunação sexual de pessoas maiores de idade, passem a ter natureza pública.

Assim, no crime de assédio sexual, em linha com o que defendeu a APAV, prevê-se que nos procedimentos

1 APAV (2018), Contributo da APAV referente ao Projeto de Lei n.º 1047/XIII/4.ª (PAN), página 10.