SESSÃO N.º 8 DE 16 DE JANEIRO DE 1897 57
sil, se elle é a nossa melhor colonia commercial? Ninguem pense, porém, em fazer dos Açores uma colonia de exploração commercial.
Rejeitemos o projecto! A intenção não foi má, mas ha de ser má a interpretação, e este é o grande mal, o perigo do projecto, e por isso peço que elle se retire da apreciação da camara, que não appareça mais, que não vamos abrir um abysmo entre os Açores e o continente. Eu não sei o que pensam os açorianos a nosso respeito, mas o que sei é que os nossos sentimentos para com elles são da mais completa fraternidade.
Os açorianos são portuguezes livres; nada lhes falta para o ser; não são colonos, e no emtanto nós vamos fazer uma scisão entre o continente e os Açores. Pois nós não temos tido para com elles as considerações que temos e podemos ter para com qualquer districto? Pois os açorianos não têem todos os direitos que tem todo o cidadão portuguez? Querem boa administração? Que isso seja um estimulo para nós. Venha ella, e façamol-a para elles e para nós.
E não se diga que é preciso fazer uma tentativa, um ensaio. Não façamos tentativas d'esta ordem, que é um caso grave, e tão grave, que o proprio governo deverá ter estado sob uma pressão que não justifica este infeliz projecto.
um ensaio? diz o relatorio do governo. Pois póde lá haver tentativas, vacillações, em problemas d'esta ordem?
Mas é que a nossa politica tem sido sempre assim - empyrica. Malfadada politica que nos tem arrastado cegamente e tantas boas intenções tem sacrificado!
Nós com este projecto vamos alargar aos açorianos os direitos de autonomia administrativa, parecendo até certo ponto que elles podem porventura gerir melhor do que nós os seus redditos! Nem mais, nem menos. Pois precisamos dar provas publicas de bons administradores! Se o não fizermos decairemos no conceito dos povos e estarão perdidas as nossas esperanças de reorganisação.
Só administrando bem nos podemos salvar; administrando bem, distribuiremos e produziremos a riqueza publica por melhores processos, enriqueceremos, abrir-se-nos-ha o credito no estrangeiro, e então poderemos lançarmo-nos nos mercados do mundo em concorrencia com os povos mais cultos e mais ricos.
Todas as conclusões d'este projecto são no sentido de que é preciso que os delegados do governo nos Açores sejam homens de uma competencia administrativa a mais vasta, a mais pratica e a mais reconhecida.
Diz o governo, no seu relatorio, que a distancia a que ficam os Açores e a dificuldade de communicações justificam o projecto. Ora essa? Essa dificuldade, que afinal não existe hoje, com o cabo submarino e com os transportes rapidos, só serviriam para provar que os governadores civis dos Açores deveriam ter poderes mais largos.
Digamos a verdade toda. Foi preciso acalmar irritações. Foi isto!
Mas o que se concluo, é que os açorianos não se achavam bem; e creio que está isso reconhecidamente sabido, porque lá lhes pareceu que lhes delapidava a metropole a sua riqueza insular, e que era precisa melhor administração.
E o que se faz então por parte da metropole?!
A metropole, tendo muito interesse em ser-lhes agradavel, dá-lhes este presente e julga-os muito capazes de se administrarem por si e sob um regimen de excepção mais liberal do que o da metropole.
Ora um regimen de excepção poderia ser applicado e com beneficos resultados, mas a uma colonia cujo desenvolvimento fosse devidamente reconhecido, e tal regimen não seria mais livre do que o permittido aos districtos continentaes.
Mas aqui não se trata de um regimen colonial; os Açores estão encorporados na metropole, têem iguaes direitos!
Se Angola pedisse um regimen mais livre é mais independente; se pedisse para não haver ali um governo militar junto com o civil mas sim uma administração baseada n'um regimen mais liberal do que actualmente ali existe, muito bem. É uma justa conquista das colonias passarem a ter direitos iguaes aos da metropole mas votar para os Açores uma organisação administrativa reconhecendo-se-lhes superiores dotes de administração, maiores condições de adiantamento do que as nossas, é um absurdo politico.
Ora no relatorio diz-se que isto é um ensaio! E se os resultados para o governo não corresponderem ás esperanças?! Poderá emendar o erro?
Qual será no futuro o governo que poderá, sem grave offensa para os açorianos, negar-lhes este systema de administração, uma vez concedido.
Pois agora ainda podemos reconsiderar e reconsideremos por Deus e pelo nosso decoro.
Tenho dito.
O sr. Teixeira de Sousa (relator):- Não lhe parece exacta a affirmação do sr. Carneiro de Moura, quanto aos pedidos dos açorianos. Segundo se lê no relatorio do decreto dictatorial que serviu de base ao projecto em discussão, elles não pediam apenas boa administração, pediam tambem o restabelecimento das juntas geraes de districto com as mesmas attribuições que essas corporações tinham antigamente, ou com attribuições ainda mais amplas. E n'esta parte foi satisfeito o pedido d'aquelles povos.
Não vê no projecto os perigos da scisão com que o sr. Carneiro de Moura se mostrou preoccupado. S. exa. deve saber muito bem que a lei que permittiu a creação de municipios autonomos, não deu em resultado essa scisão entre os povos regidos por esse systema e os povos regidos pelo systema geral. A realidade dos factos não corresponde ás previsões do sr. Carneiro de Moura.
A questão das distancias é que embaraça a administração nos Açores. D'aqui veiu a necessidade de se restabelecerem as juntas geraes, alargando-se as suas attribuições. E se é isto um regimen de excepção, o sr. Carneiro de Moura foi quem produziu o mais valioso argumento em favor d'ella, desde que, pelo seu lado, aventou a idéa de se ampliarem as attribuições dos delegados do governo.
Apresenta ainda o orador outras muitas considerações em defeza do projecto, e conclue, repetindo que não vê n'elle os perigos a que o illustre deputado se referiu.
(O discurso será publicado na integra, em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
O sr. Carneiro de Moura: - Pedi novamente a palavra para esclarecer o meu pensamento e responder ao illustre relator do projecto.
Eu insisto no meu pensamento, porque é um caso de convicção minha, aliás deixaria passar a replica como um caso de expediente parlamentar.
Disse o sr. relator que eu mesmo tinha reconhecido a necessidade de um regimen de excepção para os Açores, fatiando em attribuições especiaes dos governadores civis açorianos. Fallei por hypothese, mas ainda assim não envolvia diferenças praticas.
Junto ao representante do poder central ha o que se chama «corporações administrativas», havendo, portanto, a distinguir a parte popular e a representação do poder executivo.
No nosso regimen ha o governador civil, que representa o poder executivo, e os corpos collectivos, que são as corporações administrativas com differentes nomes, ou sejam commissões districtaes ou juntas geraes de districto.
Quaes são as differentes funcções d'estas duas entidades? N'uma d'ellas existe a acção do poder central, para dar unidade e cohesão administrativa. N'outra, os eleitos do povo reunidos para deliberar dentro da esphera da acção que a lei lhes marca, representam as franquias po-