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SESSÃO N.° 14 DE 5 DE FEVEREIRO DE 1902 3

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Queiroz Ribeiro para realizar o seu aviso previo, annunciado na sessão de l5 de janeiro ao Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Queiroz Ribeiro: - Chega-lhe, finalmente, a palavra para poder trocar as suas impressões com o Sr. Ministro da Justiça, acêrca das suas reformas sobre officios de justiça e extincção dos arbitradores judiciaes; e chega-lhe exactamente na occasião em que a Camara deve estar anciosa por ouvir a palavra brilhante do Sr. Deputado José de Alpoim, que, por uma apreciavel cortesia parlamentar, se encontra presente, apesar de alanceado por uma pungentissima dor, que muito recentemente o feriu.

Será, por isso, tão breve quanto a importancia do assumpto de que vae occupar-se lh'o permitia.

A necessidade de uma reorganização judiciaria completa de ha muito que vem sendo affirmada, e ha já bastante tempo tambem que o partido a que tem a honra de pertencer, quiz satisfazer a essa necessidade, trazendo o Sr. Beirão ao Parlamento uma proposta de lei sobre o assumpto, que é um trabalho completo e que muito honra aquelle illustre estadista.

Note-se que S. Exa., apesar da sua reconhecida competencia, veiu ao Parlamento pedir a sua collaboração; mas o Sr. Campos Henriques fez exactamente o contrario, e, felizmente que não reformou tudo, porque do mal, o menos:

Os decretos a que vae referir-se, e que constitue o assumpto do seu aviso previo, encontram-se publicados no Diario do Governo de 4 de dezembro.

Basta uma simples leitura para se avaliar da sua importancia.

Começará pelo primeiro, o decreto que se refere aos officios de justiça, na parte que respeita á criação do conselho disciplinar.

O Sr. Ministro da Justiça, querendo imitar o Sr. Beirão, que criou o Supremo Conselho da Magistratura, criou um conselho disciplinar dos officios de justiça, sem se lembrar de que as razões que militam a favor do primeiro, não subsistem em relação ao segundo, porque a categoria dos empregados a que se refere, é bem differente. Se no primeiro caso, essa criação se justifica, porque diz respeito aos magistrados judiciaes, funccionarios que pela missão elevada que tem a cumprir, devem estar cercados de todo o prestigio, no segundo já não succede o mesmo, porque as faltas commettidas pelos empregados que são subalternos, não affectam em nada a collectividade.

E se a criação d'esse conselho era escusada, as penalidades estabelecidas, pela forma por que S. Exa. o fez, são injustificaveis.

A pena de suspensão, que já existia, applicavel a esses funccionarios, quando delinquissem, foi aggravada, não só porque S. Exa. lhe tirou o effeito suspensivo, privando-o de recursos para recorrer, como porque estabeleceu que, á terceira suspensão, fossem demittidos.

Alem d'estas penas ha ainda a de advertencia e censura que teem de ser registadas em livro especial e communicadas ao presidente da Relação respectiva, o que já de si é grave; mas mais grave é ainda pelas confusões que estabelece com as pessoas que as podem applicar, confundindo completamente as funcções do delegado do Ministerio Publico com as do juiz de direito.

E mais gravo ainda que tudo isto, é que o conselho disciplinar condemna nas mesmas penas que o delegado e o juiz de direito, de onde resulta um conflicto de competencia.

São verdadeiras barbaridades juridicas que elle, orador, desejaria ver aclaradas ou expurgidas do decreto.

Entre as attribuições conferidas aos officiaes de justiça, o Sr. Campos Henriques dá-lhes a de poderem prender, dentro das suas repartições, aquelles que perturbem a ordem.

Uma tal attribuição pode dar logar a incidentes desagradaveis, porque comarcas ha, e elle orador, conhece uma, em que o official de justiça é ao mesmo tempo official de barbeiro, e é na loja que elle desempenha parte das suas funcções.

Ora, como este official gosta um pouco da pinga, é de genio bastante assumado e um politico faccioso, uma tal atribuição pode levá-lo a commetter arbitrariedades que de certo não concorrerão para o lustre da corporação dos officiaes de justiça, que o Sr. Ministro, com a sua criação do conselho disciplinar, procurou conseguir.

Outra disposição curiosa se encontra neste decreto; é aquella em que se diz que os escrivães da Relação são brigados a fazer tudo quanto os superiores lhe mandarem.

Isto parece á primeira vista uma superfluidade; mas não é, desde que, como se diz em outro artigo, as funcções d'esses empregados são as designadas na lei, o que leva a crer que é a outra ordem de obrigações que essa disposição se refere.

E agora vou notar uma contradição.

O Sr. Campos Henriques, que tanto se indignou com a reforma do notariado, publicada pelo Sr. José de Alpoim porque ella ia cercear os interesses dos escrivães, desdobrou os officios dos escrivães do crime em Lisboa e Porto e creou uns logares especiaes para o registo criminal.

Mais ainda, S. Exa. condemnou essa reforma, porque punha de parte a pratica, para só attender á theoria, e na sua reforma procede pela mesma forma, com a aggravante de se referir a empregados que exercem funcções de maior responsabilidade e de dispensar lhes os dois annos de pratica, que se exigiam para o notariado.

A proposito, como nota curiosa, cita o orador o facto de em uma comarca em que o Sr. Campos Henriques foi juiz, o escrivão ter feito uma escriptura de hypotheca de um cevado.

Refere-se depois o orador ao facto de, no artigo 36.°, n.° 5.°, o Sr. Ministro da Justiça ter substituido a palavra «alienações» pela palavra «razões», o que, a seu ver, é anti-juridico, e ainda aponta outro, o de ter S. Exa. determinado, ao tratar da forma como os officiaes de justiça devem andar vestidos, que fora do tribunal elles possam usar o uniforme que for estabelecido.

Mas, se na elaboração d'este decreto S. Exa. foi pouco cuidadoso, no outro, em que extinguiu a classe dos arbitradores judiciaes, commetteu um verdadeiro crime.

Diz S. Exa., no relatorio d'esse decreto, que as funcções dos arbitradores são importantes e complexas, e que os que existiam careciam das habilitações necessarias.

Sendo assim, o que parecia é que S. Exa. deveria exigir-lhes mais habilitações; mas não fui isto o que fez; supprimiu-os, e isto por que não offereciam garantias sufficientes, porque restringiam a liberdade das partes e porque saiam caros!

Como é que esses arbitradores não offereciam garantias se eram examinados pelo juiz, pelo delegado e pelo conservador?

Não serão de confiança esses funccionarios.

Em que restringiam elles a liberdade das partes? Com tal paixão pela liberdade, o Sr. Ministro chegará talvez a retroceder até a resurreição dos juizes de vintena.

O facto de serem nomeados pelas partes, é que não offerece garantias, nem para elles, nem para a boa administração da justiça.

Tambem não é exacto que as suas funcções representassem um encargo grande para as partes, um ataque ao patrimonio das viuvas e dos orphãos, como S. Exa. diz no seu relatorio, porque os salarios que percebiam eram insignificantes.

Nos pequenos inventarios a nomeação dos louvados pelas partes representa, pelo contrario, um encargo maior, porque tem a satisfazer o custo do mandato, que é em