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SESSÃO N.º 24 DE 6 DE JUNHO DE 1908 5

invocar contra essa lei que o Sr. Hintze Ribeiro disse, textualmente, ser: «a inutilidade mais frisante que ha muito tempo vem ao Parlamento». Essa autoridade é a do Sr. Campos Henriques, o illustre Ministro da Justiça, a quem estou dirigindo este aviso previo. Quando o nobre estadista rompeu o debate na Camara dos Pares contra a lei em discussão, pronunciou esta frase: «o Parlamento poderá votá-la tal qual, mas ella não ficará na nossa legislação!» (Apoiados).

Como Deputado, e decerto interpretando neste momento as aspirações da imprensa de todos os partidos e de todo o país, peço ao Sr. Ministro da Justiça que respeite a promessa do Digno Par Campos Henriques, o qual, na moção de ordem que apresentou na Camara Alta, afirmava que esta lei «offende e contraria a nobreza e indole da instituição do Ministerio Publico, não garantindo devidamente o exercicio da liberdade de imprensa, nem respeita, como é indispensavel, o direito de defesa dos accusados».

Prevejo, Sr. Presidente, a resposta que o Sr. Ministro da Justiça dará á minha reclamação. Dir-me-ha que as intenções do Governo são as de que se revogue a lei, que ha de ouvir as corporações interessadas, e que assim se desempenhará do compromisso que foi tomado ha um anno. Mas eu, Sr. Presidente, vou já ao encontro dessa resposta, prevenindo o Governo de que ella me não satisfaz. Porque, as circunstancias variaram enormemente desde então, porque a imprensa foi gravemente offendida na vigencia d’essa lei e do decreto que lhe appensaram, e exige, e tem direito a uma satisfação formal e immediata, que tem de ser a revogação simples da lei de 13 de abril, regressando-se ao statuo que ante, e até que se promulgue, como todos desejam, e é urgentissimo, uma nova lei inspirada nas praticas democráticas do espirito moderno.

E quanto ás bases dessa nova lei, Sr; Presidente, desejo eu desde já contraditar uma opinião expressa ha dias pelo Sr. Presidente do Conselho e que muito me sobresaltou.

Manifestou-se S. Exa. na Camara dos Dignos Pares contra a intervenção do jury nos processos de imprensa.

Eu desejo saber o que pensa a tal respeito o Sr. Ministro da Justiça, e desde já protesto contra quaesquer intenções de se restringir na nova lei a intervenção do jury nos julgamentos.

Sem quebra de respeito pelo illustre Presidente do Conselho, Sr. Presidente, direi que o julgo mais autorizado em questões relativas á defesa nacional, sobre a qual escreveu um excellente livro, do que nas de direito publico, visto ser quasi uma blasphemia em face desse direito o que o chefe do Governo defendeu! Crimes de imprensa, exceptuados os de injurias e de diffamação contra particulares, são delictos de opinião, e estes julgam-se pelos representantes dessa opinião — os jurados, e não os juizes togados.

Podia eu. Sr. Presidente, citar aqui a opinião de Daguit, um dos mais notaveis publicistas modernos da França. Podia invocar outras opiniões scientificas estrangeiras e nacionaes, e entre estas a desse grande jurisconsulto e eminente liberal que foi o Dr. Levy Jordão, que teve uma interferencia directa na discussão da lei de 1866, e na qual disse que nos países livres o direito commum é o julgamento perjurados — e o parecer do Dr. Dias Ferreira, que, para o Sr. Ferreira do Amaral, foi sempre, como para todos, grande autoridade.

Prefiro, porem, invocar os precedentes. E estes ensinam ao Sr. Presidente do Conselho que desde 1820 a intervenção do jury nas causas da imprensa foi reconhecida em Portugal em todos os periodos essencialmente liberaes, e até acatada nos mais impetuosos movimentos reaccionarios.

Organizava o jury especial a lei de 1840, e nem sequer a chamada lei das rolhas de 1850 se atreveu a supprimi-lo. O movimento reaccionario mais caracteristico hão foi o de Costa Cabral: mas o que se fez a partir de 1890 e de que a lei ditatorial de Lopo Vaz contra a imprensa é claramente o ponto de partida.

O jury terá defeitos, mas não comprehendo que, dando-se essa garantia aos crimes communs, d’ella se privem os delictos do pensamento.

Não é a magistrados, Sr. Presidente, que julgam em face da letra da lei, e não identificados com o espirito da sua época, que ha de entregar-se a decisão sobre taes delictos. Elles pertencem á sociedade, esta que os julgue, condemne ou absolva! Se a instituição do jury não é perfeita, remodelem-na; se é preciso elevar o seu nivel intellectual faça-se um recenseamento mais apurado e não se esquivem ás altas funcções de jurados cidadãos mais illustrados e mais independentes. (Apoiados).

Eu não peço, Sr. Presidente, o jury especial ou de classe para a imprensa, como o defendia no seu projecto de 1890 o abalisado jurisconsulto Sr. Visconde de Carnaxide, porque não desejo reclamar privilegios. Mas, embora fique o jury commum, o que não pode é recusar-se essa garantia a jornalistas e concedê-la aos assassinos, aos ladrões, aos accusados pelos crimes mais infamantes!

E, dito isto, Sr. Presidente, exhorto a Camara a que se nobilite rasgando depressa e no uso da sua soberania a lei monstruosa de 13 de abril. Essa lei, se não é formalmente ditatorial, foi-o na sua essencia. Consubstancia a ditadura, preparou-a. Urge que desappareça!

A imprensa depois do que fez tem o direito de esperar do Parlamento uma satisfação ampla e completa. Não pode ficar de pé ainda durante meses a ignominia do gabinete negro, que humilha a magistratura do Ministerio Publico e colloca a imprensa numa situação degradante, á espera de uma lei nova.

Uma lei nova, Sr. Presidente?! Mas quantos meses leva a estudar e a discutir? Ouve o Governo os jornalistas? Deve fazê-lo. Mas essa consulta é morosa, e o estado actual da sessão legislativa não permitte esperar que venha a tempo uma proposta de lei assim organizada. E comtudo a imprensa não pode ficar sob tal vexame! Foi uma injuria que lhe lançou ás faces a vida velha! Tem a vida nova de resgatá-la! (Apoiados).

A imprensa tem o direito de experimentar a sinceridade dos poderes publicos, que tanto lhe pedem e d’ella tanto dependem! (Apoiados).

Eram sinceros os progressistas, quando, só por exigencias do seu connubio com o Governo liberticida, revogaram a lei do Sr. Beirão?
Pois eu, Deputado, tenho a offerecer-lhes um excellente ensejo de reconhecer a sua sinceridade pedindo-lhes que votem, a titulo provisorio, o regresso á lei do Sr. Beirão, á sua lei de 1898!
Estavam os regeneradores animados de boa fé quando combateram. a lei de 13 de abril? Pois dêem os seus votos para que essa lei desappareça já, e voltemos por agora á lei de 1898, até que se faça outra sinceramente democrática, verdadeiramente moderna!

É com estes fundamentos que vou ter a honra de apresentar o seguinte

Projecto de lei

Artigo 1.° É restabelecida,, provisoriamente, para todos os effeitos, a lei de 7 de julho de 1896, que ficará regulando o exercicio do direito de expressão do pensamento pela imprensa, considerando-se eliminado o seu artigo 39.º, que autorizava a prohibição, em determinados casos, da circulação ou exposição de qualquer impresso ou numero1 de um periodico.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 6 de junho de 1908,= O Deputado, J. A. Moreira de Almeida.

(Muitos apoiados da esquerda. — Vozes: — Muito bem).

(O orador não reviu).