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que eu agradeça cordealmente a s. ex.ª a urbanidade e amisade com que me honrou; e bem assim o generoso e franco apoio que prestou á maior parte do dito meu projecto; apoio que com muito gosto aceito.
O illustre deputado, que encetou o debate, disse que = o fim principal do meu projecto era pôr a administração d'estes depositos debaixo da direcção immediata das camaras municipaes e juntas de parochia (o que é uma verdade), e que não tinha duvida em annuir a esta disposição =. Se o illustre deputado annue a esta disposição, claro é que approva os tres primeiros artigos do projecto, e que eu nada tenho a dizer a tal respeito.
O mesmo illustre deputado, continuando a fallar, disse que = elle, apesar de eu lhe ter explicado a instituição destes celleiros, divergia alguma cousa da minha opinião, e que era por essa rasão que tinha pedido a palavra para fazer algumas considerações sobre alguns artigos do projecto, e mandar para a mesa algumas emendas =.
É verdade que eu a pedido de s. ex.ª lhe expliquei aqui mesmo a instituição d'estes celleiros, seus fins humanitarios e philanthropicos, e as leis por onde se regulam; mas tambem é verdade que s. ex.ª me não comprehendeu, o que não deve admirar, porque uma breve e succinta explicação feita a quem não conhece a instituição não é, nem pôde ser sufficiente, é sem duvida aqui está a rasão da sua divergencia.
Dadas estas explicações, vou combater a primeira emenda, ou antes o additamento que s. ex.ª mandou para a mesa e é o artigo 4.° aonde s. ex.ª propõe que depois da palavras = para obras publicas = se acrescente = para creação de cadeiras de instrucção primaria =.
Sr. presidente, este additamento parece-me desnecessario, porque as cadeiras de que trata o additamento ou são publicas ou particulares; se são publicas desnecessario é o additamento, porque pelo § 14.º do capitulo 1.° do titulo 4.° da carta constitucional esse direito pertence ao poder legislativo, e hoje por delegação ao poder executivo; se são particulares, tambem é desnecessario, porque não ha hoje municipalidade, nem junta de parochia que não tenha cadeira de instrucção primaria, pedindo-a e fornecendo casa, mobilia e utensilios para ellas; e se isto 6 verdade, como é, de que serve o additamento? De nada, rasão por que voto contra elle.
É ao artigo 5.° o segundo additamento, e é o seguinte: «Administração dos celleiros particulares é a mesma do parecer, acrescentando = debaixo da immediata fiscalisação do administrador do concelho, o qual por aquelle serviço deverá receber uma gratificação, que será arbitrada pelo governo, e tirada dos acrescimos dos mesmos celleiros =. Este additamento tambem o julgo desnecessario, porque não ha pessoa alguma que ignore hoje, que todos os estabelecimentos publicos e particulares estão debaixo da tutella do governo, que elle exerce nos districtos pelos seus governadores civis, e nos concelhos pelos seus administradores.
Mas ainda ha mais outra rasão, e é que a fiscalisação que o illustre deputado quer dar aos administradores do concelho está decretada no artigo 7.° do projecto.
Se o illustre deputado tivesse estudado o projecto, e tivesse combinado os seus artigos uns com os outros, conhecer a inutilidade do seu additamento, e para o convencer d'esta verdade eu vou ler o citado artigo. E quaes serão as disposições d'este decreto que não estão em opposição com este projecto? São as contidas no artigo 6.º e seu § unico, que tambem vou ler. E não será isto mesmo que o illustre deputado quer? Sem duvida, e se é o additamento é desnecessario. Julgo ter provado a inutilidade tanto do primeiro como do segundo additamento; agora vou combater os dois artigos apresentados pelo mesmo sr. deputado que encetou a discussão.
O artigo 1.°, sob o n.° 6.°, é o seguinte: «Os juros que pelo adiantamento do trigo têem a pagar os lavradores nunca excederá a 5 por conto, tanto nos publicos como nos particulares». Este artigo não póde ter applicação aos celleiros publicos, porque pelo alvará de 20 de setembro de 1779 os juros de todos os celleiros publicos foram reduzidos, a pedido das camaras a 5 por cento, e é ainda o juro que se recebe; logo só poderá ser applicado aos celleiros particulares. Esta questão é muito grave, porque vae atacar interesses de terceiro e direitos adquiridos.
Poderemos nós approvar a reducção proposta? O § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional, garantindo a propriedade, responde negativamente. Mas haverá algum caso em que as côrtes possam decretar a expropriação da propriedade do cidadão? Ha, mas só e unicamente quando o bem publico, legalmente verificado, exigir o uso e emprego da propriedade do cidadão, sendo elle previamente indemnisado do valor d'ella. E haverá n'esta reducção a utilidade publica? Não, porque a reducção aproveita a meia duzia de concelhos, e a indemnisação grava a nação toda. Esta rasão só parece-me bastante para o artigo ser rejeitado.
O artigo 2.º, sob o n.° 7.°, é o seguinte: «Quando nos celleiros publicos ou particulares houver recolhimento de dois annos, visto não haver necessidade de distribuição por falta de procura dos mesmos, serão os do anno anterior vendidos, e o capital dado a juro de 5 por cento para beneficio da lavoura».
Este artigo tambem não pôde ser approvado, quanto aos particulares, porque ataca o direito de propriedade, como eu já demonstrei; e, quanto aos publicos, tambem não pôde ser approvado, porque ataca pela base a instituição d'estes celleiros; ataca a lei que os creou, ataca a vontade dos actuaes possuidores, e ataca finalmente os fins phylanthropicos e humanitarios d'estes depositos, como eu vou demonstrar. Ataca pela base a instituição d'estes estabelecimentos, porque lhes muda a natureza, fazendo de montes agrarios ou monte pios bancos ruraes, o que não póde ser, porque são instituições differentes. Ataca a lei que os creou, porque só creou depositos de trigo e não de dinheiro; e tanto isto é verdade que o Senhor D. Sebastião, no regimento que deu ao celleiro de Evora, que foi o primeiro que se fundou no reino, mandou emprestar aos seus fundadores 2:000 cruzados do cofre dos orphãos d'esta cidade, para comprarem trigo para augmentar o fundo do deposito; e ordenou que se emprestasse aos lavradores trigo por trigo; e que, nos annos de escassez, se vendesse ao povo por preços commodos e rasoaveis, e que o producto da venda fosse empregado na futura colheita na compra de trigo para, diz o regimento, não diminuir o fundo do celleiro. Ataca a vontade dos actuaes possuidores, porque a maior parte das camaras, aonde ha estes celleiros, têem pedido a esta camara a approvação deste projecto; e não são as camaras interessadas que têem pedido a approvação do projecto, mas igualmente a têem pedido as juntas geraes dos districtos de Evora e Portalegre. Ataca, finalmente, os seus fins phylanthropicos e humanitarios, porque, passando o artigo que combato, com o andar dos tempos, o fundo d'estes depositos se converteria em dinheiro, e passaria para os agiotas e negociantes; e a lavoura e o povo ficariam sem trigo e sem dinheiro. É por todas estas ponderosas rasões que eu voto e peço á camara que vote contra o artigo.
O artigo 6.° do projecto auctorisa as juntas geraes, logo que este projecto seja lei do estado, a fixarem, á vista das estatisticas que lhe serão apresentadas, a quantidade de trigo que deve constituir o fundo de cada um dos respectivos celleiros, e as camaras municipaes e juntas de parochia, precedendo proposta e auctorisação do conselho de districto, a venderem o excedente e os acrescimos para obras publicas, etc.
Esta auctorisação é para evitar derramas e os grandes depositos, para se não perder o trigo.
Esta medida não é nova. Em 1829, a pedido da camara municipal de Mourão, ordenou-se que o capital d'este celleiro fosse reduzido a trezentos moios, e que o excedente, assim como os acrescimos, deduzidas as despezas obrigatorias, fosse vendido, e o seu producto applicado para obras publicas, etc. Em 1847 foi a camara municipal de Evora auctorisada pelo conselho de districto a vender dezoito moios para calçadas e estradas; a mesma auctorisação foi dada a outras Camaras. Eis-aqui está prevenido o desejo do meu nobre amigo, porque sendo approvado este artigo, como espero, acabam para sempre as derramas.
Concluindo, peço á camara a approvação do projecto.
Foi approvado o artigo 1.º
Entrou em discussão o Artigo 2.°
O sr. Castro Ferreri: — Eu tinha mandado para a mesa duas emendas, e pedi a v. ex.ª que as reservasse para serem consideradas ou votadas quando se discutissem os differentes artigos a que ellas dizem respeito. Portanto pedia a v. ex.ª que se não esquecesse de as apresentar em occasião opportuna.
O sr. Presidente: — Já foram lidas e admittidas para serem consideradas nos logares respectivos.
Seguidamente foram approvados os artigos 2.°, 3.º e 4.°, ficando prejudicada a emenda offerecida a este ultimo artigo pelo sr. Castro Ferreri. Entrou em discussão o Artigo 5.º
O sr. Castro Ferreri: — Julgo que o nobre deputado e meu amigo, o sr. Rojão, que é relator deste projecto, concordou comigo em algumas disposições que ahi vem; portanto eu desejo que s. ex.ª diga se as adopta ou não.
Eu mandei essas emendas para a mesa com o intuito simplesmente, não de contrariar o projecto, mas de o melhorar, segundo a minha fraca intelligencia. A minha substituição não tinha por fim senão pôr os celleiros communs e particulares debaixo da fiscalisação do administrador do concelho, e ahi parece-me dizer-se que os celleiros particulares ficassem debaixo da inspecção o fiscalisação de uma junta privativa, da qual ninguem quer ser por ter responsabilidade e ser gratuita. Ora se o administrador tem um onus, é claro que deve ter uma remuneração, que deve ser convenientemente arbitrada pelo governo, e tirada dos remanescentes que existirem n'esses celleiros.
Parece-me que o illustre deputado concordará com o que acabo de expor; portanto peco lhe que se queira explicar sobre este objecto, e se entender que isto póde contrariar o projecto ou se póde de alguma maneira prejudicar a sua intenção, aliás muito louvavel, de melhorar aquelles estabelecimentos, eu não tenho duvida nenhuma em o retirar. Mas parece-me que o fim, que eu proponho, não é senão dar maiores garantias aos pequenos lavradores, isto é, aquelles que, por assim dizer, careçam de se soccorrerem a esses celleiros.
O sr. Rojão: — Eu já disse que julgava desnecessario o additamento offerecido a este artigo pelo illustre deputado; porque ninguem ignora que todos os estabelecimentos publicos e particulares estão debaixo da tutella do governo, que elle exerce nos districtos pelos seus governadores civis, e nos concelhos pelos seus administradores.
O sr. Castro Ferreri: — Eu ouvi as explicações do nobre relator, mas parece-me que ha engano na maneira com que me respondeu, ou então que não me comprehendeu.
Ouvi dizer que os celleiros communs são administrados por uma junta especial, e que o governo tem superintendencia sobre todas estas juntas; n'isto não ha duvida. Mas isso é generico, e eu dizia que era melhor que a administração especial fosse exercida pelo administrador do concelho, e não por uma junta gratuita, que se recusa a fazer esse serviço, visto que é responsavel por todos os generos que entram n'aquelles celleiros, e é gratuito. A generalidade da inspecção, já se vê, é a auctoridade administrativa, mas ha uma junta que fiscalisa, e que dispõe de todos os generos que existem nos celleiros; a minha substituição era para que em vez d'essa junta fosse a auctoridade administrativa quem administrasse e fiscalisasse. Não era só a superintendencia, era ao mesmo tempo a direcção e a administração d'estes celleiros.
Portanto já se Vê que ha uma differença entre ser uma junta gratuita, que se recusa a esse serviço, ou ser a auctoridade administrativa a quem incumbisse a sua administração, remunerando-se portanto por esse serviço.
Mas eu não faço questão d'isto. Se o illustre deputado entende que o modo por que está redigido o artigo é mais conveniente do que o que eu propunha, eu não tenho duvida nenhuma em acquiescer a isso.
O sr. Frederico de Mello: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta que vou ler na conformidade do regimento (leu).
Vae assignada por mim e pelo meu nobre amigo e collega, o sr. Abranches.
O que me levou a apresentar esta proposta é que me parece de toda a justiça que, quando nas execuções de fazenda os delegados do procurador regio têem uma percentagem e uma garantia por esse serviço, sejam remunerados tambem estes trabalhos.
O sr. Castro Ferreri: — Retiro a minha substituição, visto que o sr. relator entende que é mais conveniente para o bem geral a fórma que se acha estabelecida. Foi retirada.
Art. 5.° — approvado.
O sr. Presidente: — Está agora em discussão o additamento, do sr. Castro Ferreri, a este artigo.
O sr. Rojão: — Eu não posso acceder a esse additamento, porque emquanto aos celleiros publicos, no alvará de 20 de setembro de 1769 está marcado o juro de 5 por cento, que é o que recebem agora; e emquanto aos particulares, bem sabe a camara que isso é uma questão grave que vae ferir interesses de terceiro e direitos adquiridos.
Essa reducção vae mesmo de encontro ao § 21.° do artigo 145.° da carta constitucional, que garante o direito de propriedade. É verdade que esse paragrapho permitte a expropriação por utilidade publica legalmente reconhecida, com previa indemnisação; mas pergunto eu — na reducção proposta pelo illustre deputado haverá utilidade publica? Eu digo que não; pelo contrario ha prejuizo, porque o beneficio d'essa reducção aproveita só a meia duzia, e o prejuizo da indemnisação vae gravar o maior numero.
O sr. Casal Ribeiro (sobre a ordem): — Eu requeria a v. ex.ª que, visto estar presente o sr. ministro da fazenda, entrassemos na discussão da minha moção, dada por v. ex.ª para a primeira parte da ordem do dia. Creio que v. ex.ª mesmo declarou que este projecto entrava em discussão por não estar presente o sr. ministro da fazenda.
Vozes: — Em se terminando este projecto, que está a acabar. O sr. Frederico de Mello: — Pedi a palavra para declarar que a minha intenção, quando ha pouco mandei uma proposta para a mesa, foi para que ella se inserisse no logar que a commissão julgasse conveniente.
O sr. Rojão: — A commissão aceita a idéa, salva a redacção.
O sr. Castro Ferreri: — Eu retirarei tudo menos este additamento, porque trata se de usura e eu sou inimigo de toda a usura, e muito mais sendo usura em prejuizo dos pobres e dos desgraçados.
Não posso comprehender como os que receberam generos dos celleiros publicos não hão de pagar mais de 5 por cento, e aquelles que os receberem dos celleiros particulares hão de ser condemnados a pagar mais.
Segundo sou informado os que recebem generos de celleiros particulares pagam 8, 10 e 12 por cento, revertendo isto a favor dos herdeiros dos instituidores primitivos. Entendo que esta usura não deve continuar.
Se os celleiros são estabelecidos para proteger aquelles que menos meios de fortuna têem, a camara não póde deixar de consignar precisamente o preço do juro, que não deve ser superior a 5 por cento, porque do contrario o individuo que carecer de meios para fazer a sementeira, ou mesmo para o grangeio, terá que pagar 10 e 12 por cento, e comtudo a terra não lhe produzir o necessario para pagar esse juro e a compensação das suas fadigas e trabalhos.
Eu desejava que n'este caso o juro fosse ainda inferior a 5 por cento. Nem eu vejo que isto possa atacar o direito de propriedade. Pois a usura é propriedade? A usura é contra a propriedade, é um abuso da lei, é um abuso da miseria e da desgraça, é um abuso do forte contra o fraco.
Portanto sinto poder ser vencido pela maioria da camara, mas não retiro esse additamento, e desejo que o juro seja em generos ou em dinheiro, tanto nos celleiros publicos como nos particulares, não possa exceder a 5 por cento; a camara porém póde resolver o que julgar conveniente.
O sr. Rojão: — Se a camara quer reduzir o juro emquanto aos celleiros particulares, eu aceito, mas parece-me que o não póde fazer, porque isso vae atacar a fé dos contratos.
O alvará de 1769, que já citei, tratando de reduzir os juros, diz: «Esta reducção não tem applicação aos celleiros particulares, porque esses juros são filhos de contratos e os contratos devem ser garantidos». Agora se a camara os quer reduzir, eu aceito.
É uma usura, diz o illustre deputado. Mas o povo tem meio de acabar com essa usura; é não ir aos celleiros onde essa usura tem logar, mas sim aquelles que se prestem a receber um juro mais rasoavel. Eu entendo que, sem offensa da lei e dos contratos, não póde reduzir-se o juro emquanto aos celleiros particulares.
Foi rejeitado o additamento do sr. Castro Ferreri.
Artigo 6.° — approvado.