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APPENDICE Á SESSÃO DE 9 DE JUNHO DE 1890 590-A

O sr. Dias Ferreira (sobre a ordem): - Em cumprimento da prescripção do regimento tomo a liberdade de ler á assembléa as propostas que mando para a mesa.
{Leu.)
Sr. presidente, pedi a palavra sobre a especialidade em rasão de não ter podido inscrever-me sobre a generalidade, por haver principiado o debate, quando tomei assento n'esta aseembléa, e ser já tão larga a inscripção que eu não podia alimentar a esperança de me caber a palavra.
Não vou, porém, discutir as disposições especiaes dos decretos, nem mesmo todos os principaes pontos. Deixo esse trabalho aos illustres oradores que se me seguem no debate.
Tocarei apenas os assumptos capitaes, que representam a politica geral do governo, e começo por declarar que respeito profundamente o systema governativo dos srs. ministros, posto que seja a antithese do que eu seguiria em iguaes circumstancias, porque respeito todas as opiniões e todas as convicções sinceras.
O ministerio entende que para manter as instituições politicas que nos regem e o governo monarchico representativo, fundado na carta constitucional e nos respectivos actos addicionaes, precisa de estabelecer grandes restricções em todas as franquias populares que devemos ao direito publico moderno.
Crê o ministerio que não póde já ser respeitado o systema representativo em toda a sua plenitude, nem manter-se a devida ordem na vida constitucional do paiz sem manietar o direito de reunião, o direito de representação theatral, e a liberdade de imprensa, sem levantar suspeitas e, fazer ameaças á instituição do jury, e sem adoptar providencias que no processo correcional deixem a inviolabilidade do cidadão á mercê ou ao capricho de um homem só.
Eu, respeitando aliás, como me cumpre, todas as opiniões e todas as convicções, reputo essencialmente ligados ás excellencias e prosperidade do systema representativo os direitos amplissimos de reunião e de publicação, em todas as suas variadas e multiplices manifestações.
Nem com similhante declaração eu dou novidade á camara, porque todos sabem que são estas as doutrinas que tenho sempre sustentado durante a minha vida parlamentar, e que largamente as desenvolvi na discussão do ultimo acto addicional á carta e da ultima reforma penal.
O respeito profundo pelo exercicio pleno e liberrimo d'estes direitos, alem de ser um dever impreterivel, como homenagem ao governo do povo pelo povo, é elemento absolutamente indispensavel para resolver com vantagem as questões, que estão assoberbando a fazenda e a administração.
Alem de ser crime de lesa liberdade, é grandissimo erro politico restringir a intervenção do paiz nos negocios publicos. O que é indispensavel é chamal-o á vida activa, e dar-lhe a maior parte na apreciação dos problemas sociaes, que mais prompta solução estão reclamando.
O primeiro dos nossos males vem da indifferença do paiz pelos negocios publicos. Mas conhecendo, como conheço este mal, não quero limitar-me a jeremiadas e lamentações sobre as ruinas de Jerusalém, sobre a anemia politica de que está affectado o povo portuguez; e nem eu posso dirigir censuras a uma situação que não posso julgar, porque n'esta casa sou representante e não representado.
Em cumprimento, porém, da minha obrigação e em nome dos meus principios, não posso deixar de dizer, d'este logar, á nação, que não deixe tocar nas suas liberdades e nas franquias populares, se não quer ver-se privada dos meios indispensaveis, para resolver as difficuldades com que lucta, e que assumem já um caracter da mais alta gravidade.
Conte o povo comsigo, emquanto não for rigoroso e severo na escolha dos seus mandatarios.
Hoje a vida do parlamento é mais espectaculosa do que real. Em Portugal, á proporção que as difficuldades se aggravam, augmenta a tendencia para as esconder ou illudir.
No que demanda mais prompto remedio por estar inspirando maiores perigos é que quasi ninguem falla.
Tem-se discutido n'este largo debate politico mais ou menos todos os decretos dictatoriaes nas suas linhas geraes, e até em disposições as mais secundarias. Mas não se tem posto em relevo a nossa questão fundamental, a questão de fazenda, que continua a ser a primeira de todas.
Merece louvores o sr. ministro da fazenda por ter annunciado de modo claro ao paiz que a situação do thesouro reclama os mais serios cuidados, para todos ficarem certos da gravidade da nossa situação financeira, e para os que podem e devem collaborar na solução de tão difficil problema, se adormecerem nas delicias de Capua, não possam depois queixar-se de serem resolvidas tumultuariamente as difficuldades.
Mas não se resolve a questão financeira sem a questão politica, isto é, sem se associar o paiz ao trabalho e ás resoluções dos altos poderes do estado, dando ao povo amplissima liberdade para as manifestações do pensamento.
Largos annos de experiencia nos devem ter desenganado de que perderemos o tempo, emquanto confiarmos só nos esforços parlamentares. A doença é já tão grave que nem os esforços de todos a poderão debellar sem remedios violentos.
Mas o que preoccupou especialmente os srs. ministros foi a necessidade de manter intemeratas e illesas todas as prerogativas da corôa, todas as joias da corôa, como na rhetorica antiga se dizia.
Não repararam em que no estado actual de civilisação e progresso não ha meio de salvar os esplendores da corôa, senão afastando-a das contendas politicas, e dando por completo aos cidadãos a gerencia dos negocios publicos. Não ha verdadeiro governo liberal sem deixar amplissimo ao povo o direito de fallar e de escrever, e a faculdade de reunir-se para fazer saber aos altos poderes do estado o seu parecer e a sua vontade sobre os seus interesses.
O governo, porém, arrancou ao paiz o direito de discutir pacificamente nas reuniões populares os negocios publicos.
D'ora ávante não poderá o povo, que é dono, discutir em reunião sem licença e permissão da auctoridade, que é seu delegado estipendiado.
Os direitos estrangulados pelos decretos da dictadura são os mais importantes das instituições modernas. Desde que a liberdade de imprensa e de theatro fica nas mãos do governo, desde que o direito de reunião fica, em definitiva, inteiramente dependente do poder executivo, e desde que o jury é exautorado nos documentos officiaes, e excluido do julgamento dos crimes que mais directamente prendem com a liberdade humana, o governo representativo desappareceu!
Privado o povo d'estes valiosissimos direitos, que nos resta do governo representativo? Só o nome!
As providencias contidas nos decretos dictatoriaes poderão favorecer a restauração do governo absoluto. Mas são absolutamente incompativeis com o regimen liberal.
Não influem nas minhas considerações quaesquer resentimentos por ter sido estrangulado nas providencias dictatoriaes o decreto de minha iniciativa sobre direito de reunião.
Desgraçado decreto! Foi o decreto sobre direito de reunião o mais infeliz de quantos eu publiquei, porque outros, como o do direito de associação, foram desde logo condemnados a vil garrote, e suppliciados sem mais demora, e o decreto sobre direito de reunião escapou para viver na agonia mais terrivel, na lucta mais cruciante, sempre victima de tractos crueis, porque os governos que se me seguiram, ou de frente, e á má cara, ou insidiosa e dissimuladamente, lhe negaram sempre execução; e, se porventura consentiam no comicio, era este logo perturbado,

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