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SESSÃO DE 24 DE MARÇO DE 1885 899

E desde já declaro á camara que serei sóbrio nas leituras, não porque eu não precise d'ellas para justificar as minhas palavras, mas porque leituras mal feitas, como as que posso fazer, não poderão mais que enfastiar a assembléa.
Eis o trecho a que me refiro; é do relatorio e projecto de proposta de lei para a organisação da reserva do exercito, elaborado pela commissão nomeada por portaria de 13 de dezembro de 1869:
«A nossa organisação de 1807 dividia o reino em vinte e quatro districtos ou brigadas de ordenanças, dentro de cada um dos quaes se recrutava um regimento de linha e dois de milicias, pensamento modificado depois pelo augmento no numero dos corpos, mas que, renovado de alguma sorte, facilitaria immensamente a composição e a instrucção militar para o caso que se nos apresenta. Hoje, subjugado pela consideração do despender pouco, torna-se mais sensivel a falta de quadros militares, com distribuição regular por toda a superficie do paiz, em correspondencia ás divisões administrativas, ou á densidade da população. Se existissem esses quadros permanentes, seria facil extremar dentro d'elles os homens mais propensos para a ordem e para a tranquillidade publica, que pelo seu interesse e conselho, bem como por sua cooperação armada, contribuissem para a manutenção da paz interior. Formariam estes a parte sedentaria da milicia.
«D'estes mesmos quadros se extrahiriam os que, no vigor da idade, na actividade sua consequente, e na ambição de gloria, formassem na epocha do recrutamento os contingentes de recrutas, e, com os sobrantes, a segunda reserva do exercito, destinada ao preenchimento successivo das vacaturas occorrentes, e a levantar o mesmo exercito ao maximo estado de guerra.
«A esses quadros voltariam, preenchidos que fossem os tres annos de serviço, os soldados licenciados para a primeira reserva, levando-lhes a noticia e o exemplo da instrucção e da educação militar, facilitando-lhes outrosim a instrucção do soldado com a sua concorrencia aos exercicios.
«Todos estes elementos que poderiam, nos quadros que a commissão imagina, constituir secções diversas, contrahiriam entre si como que uma solidariedade moral e de honra, com o corpo de linha para cuja existencia contribuissem. Ainda hoje muitas povoações se blasonam dos feitos da guerra peninsular pelos corpos que recrutavam especialmente no seu districto.»
Isto differe muitissimo do que expoz o sr. Cypriano Jardim, a quem estimo pelos seus merecimentos, mas que me impressionou tristemente pela doutrina que apresentou, porque com ella só mostrou representante de idéas antiquadas e obsoletas, que nenhum homem moderno póde já admittir.
A idéa que s. exa. apresentou de que o soldado se vae perder no que chamou por ironia, mas sem querer de certo offender o pobre militar, as delicias de Capua da familia, já não é do nosso tempo.
Emquanto o soldado não tiver a noção bem clara, não do que sejam as delicias do Capua, mas do que seja a familia e o lar, tambem não póde ter a noção do que seja defender a patria.
Por esse elemento primordial é que ha de começar a comprehender os altos deveres que lhe incumbem.
E não ha perigo nenhum, a historia o mostra, em que o soldado sirva na sua região. N'este paiz a lingua que se falla é a mesma em todo o territorio; não ha de provinda para provincia divisão de castas, nem espirito de desinteligencias ; não se dá aqui o que succede na Allemanha com a Alsacia e Lorena, o que occorre na Russia com o Caucaso ou com a Polónia; não ha nenhuma d'essas causas de excepção á regra geral, e que são apresentadas por Von der Goltz.
Quando n'este paiz não ha recrutamento regional, quando elle não está dividido para as funcções militares, como está dividido administrativa, ecclesiastica e judicialmente, emquanto nós estivermos n'estas circumstancias é uma illusão querer mobilisar rapidamente o exercito.
Tem-se querido trazer para aqui o que tem succedido algumas vezes, quando em paz plena se tem chamado as reservas.
Effectivamente este bom povo cumpre tão bem os seus deveres, e é por isso tão merecedor de que se olhe com mais amor pelos seus interesses, que não faltou; compareceu a cumprir mais esta obrigação, embora não podesse convencer-se da necessidade de tal exigencia. Mas isto é um chamamento com praso mais largo para a apresentação; não é uma mobilização para entrar immediatamente em campanha, como se fará mister quando o inimigo nos ameaçar.
É necessario estudar de antemão o problema da mobilisação, que é funcção de espaço e de tempo; que n'um dado momento cada um saiba sem hesitação para onde, por onde, e como ha de ir reunir-se ao seu corpo; emquanto isto não for assim não ha organisação militar.
Esta organisação despresou os principios fundamentaes da constituição dos exercitos modernos, a divisão regional.
Esta organisação póde ter tido outros fins, mas não nos habilita a defender o paiz no momento em que mais carecermos do exercito.
Se não ha mobilisação equivale a não ter exercito, porque todos sabem que é impossivel ter nas fileiras permanentemente todos os soldados que hão de formar a força do pé de guerra.
E para que a mobilisação se não ha soldados?
Não ha soldados, nem póde havel-os, porque nós estabelecemos as remissões.
Eu não venho para aqui dar pretexto para o sr. presidente do conselho explicar as suas contradicções, nem venho tambem accusal-o por isso; venho simplesmente, auctorisando-me com as suas opiniões sobre este assumpto, que hão de ser sempre as mesmas, e nem podem ser outras, affirmar que nós desde o momento em que estabelecemos as remissões não temos soldados, e por consequencia não podemos ter exercito.
Não nos illudamos, as remissões, com mercancia ou sem ella, são na phrase do sr. Fontes em 1873 a negação da ordem, a negação da organisação do exercito e a negação da existencia do proprio exercito. (Apoiados.)
Commentou depois s. exa. esta sua opinião, e eu vou fazer tambem meu o seu commentario, se s. exa. m'o permitte, apenas mudando o tempo dos verbos, e os algarismos; e direi: quando a camara votar 12:000 homens de contingente, o governo não poderá apurar nem 6:000; quando disser ao governo que promova os meios de termos um exercito verdadeiramente organisado, á altura das circumstancias do paiz, um exercito compativel com as posses, da população, o governo por mais que queira não o poderá conseguir com a actual lei da remissão; esta dá-lhe dinheiro, mas não lhe dá soldados.
Poderá apresentar-se algum argumento que se contraponha a este?
Qual é a base fundamental d'esta organisação? A primeira base?
Eu que não quero maguar ninguem, porque o meu respeito é igual para com todos, qualquer que seja a situação em que estejam collocados, não posso todavia deixar de dizer a v. exa. com magua, que quando se quer organisar o exercito é triste ter de declarar que a primeira base é o estabelecimento das remissões, a que o sr. Fontes chamou tão justificadamente a negação da boa ordem, a negação da organisação do exercito e até da existencia do próprio exercito. (Apoiados.)
O sr. ministro da guerra affirmava que, havendo as remissões, debalde o parlamento votava os contingentes, porque