2018
o parlamento é o fiscal das liberdades publicas, e tem a peito o bem do paiz.
A epocha dos tyrannetes, se a houve, acabou. N'um paiz em que está arraigado o amor á liberdade, onde as instituições liberaes tem raizes tão fundas, os tyrannetes que apparecessem afogar-se-íam no ridiculo, e nós não feriamos mesmo a coragem para os desprezar, para lhes atirar uma gargalhada ou escarneo.
«É inutil, disse o illustre orador, porque em quatro mezes nada se póde fazer.» S. ex.ª, que considera o tempo como o primeiro capital, e que o tem aproveitado tão bem, sabe que quatro mezes para os homens de boa vontade, para os homens que querem, que sabem, e que podem fazer alguma cousa n'este paiz, esse periodo é bastante para se fazer muita cousa boa, muita cousa util.
Estou persuadido de que para esta reforma não ha governo nenhum que se não rodeie de todas as intelligencias, de todas as experiencias, de todos os homens de boa vontade, que ainda crêem no futuro do seu paiz, e que estão dispostos a contribuirem com a sua experiencia, com a sua intelligencia, e com as suas luzes para se conseguir o bem da terra natal.
Em quatro mezes, com o concurso de todos os homens que querem, e que sabem, póde fazer-se alguma cousa, muita cousa util, muitas reformas, de que temos urgente necessidade.
A inutilidade pois da proposta não se póde sustentar. Nem o illustre deputado com a sua voz auctorisada, com a sua opulenta eloquencia, com o prestigio do seu grande nome, não só de orador mas do grande litterato, procurou convencer a camara da inutilidade da auctorisação, e menos de que era prejudicial. Os actuaes ministros, alguns reliquias venerandas das lutas gigantes que se travaram para a conquista da liberdade, e todos liberaes por convicção, e todos rivaes no amor da patria, não abusarão da auctorisação do parlamento, usarão d'ella para bem do nosso paiz, cujas necessidades conhecem, e a que hão de prover de remedio; nem é provavel, na ausencia da camara e no intervallo da sessão, mudança ministerial, e quando a houvesse nunca naquellas cadeiras se sentaria o absurdo, a ignorancia, a preversidade. Ninguem tema essa impossivel desgraça.
A inutilidade e o perigo d'esta proposta, já se não podem hoje pôr em duvida, porque a votação da camara sobre a generalidade do projecto foi de tal ordem, que demonstrou por 100 votos, e por consequencia eloquentemente, que ella não é inutil nem perigosa.
Do que se trata é de saber quaes hão de ser os limites da auctorisação que se pede. O governo pede auctorisação para simplificar e reduzir. Comprehende-se na simplificação e reducção, o que eu expendo na minha proposta? Comprehende-se a descentralisação dos serviços, a sua simplificação, a sua uniformidade, o poder distribuir esses serviços pelos diversos ministerios, determinar o numero d'estes, fixar as funcções de cada ministerio, fixar os quadros, supprimir e simplificar os serviços publicos tanto quanto possivel for, e conforme as necessidades da boa administração?
Se o governo, com as suas declarações, demonstrar que nos termos d'esta auctorisação se comprehende tudo que acabei de dizer, nada mais tenho a fazer do que retirar a minha proposta; mas se assim não for, a camara deve armar o governo com o poder necessario para fazer essas profundas reformas, que são necessarias á boa administração.
Não posso ser muito extenso, não só porque me parece que a camara está disposta a querer votar quanto antes o artigo em discussão, mas porque não posso fallar muito; todos veem que estou incommodado, não me é possivel levantar a voz com força, e fallar alto por muito tempo.
Todos sabem que ha entre nós uma centralisação tão absurda, que póde dizer-se que temos o despotismo administrativo. Os negocios mais pequenos e insignificantes têem de ir ás secretarias; a nomeação de um escrivão de juiz de paz, a nomeação do pobre sachrista da aldeia, aquelle pobre homem que abre os gavetões das vestimentas, que accende as velas do altar, emfim todos os negocios, ainda os mais Ínfimos, aquelles que devem estar na parochia, no municipio, no districto e nos tribunaes judiciaes, têem de vir ás secretarias!! A primeira necessidade, por consequencia, é a descentralisação de serviços.
Estará o governo auctorisado, em virtude dos termos da proposta, a descentralisar os serviços tanto quanto seja necessario, tanto quanto seja possivel, distribuindo para a parochia, para o municipio, para o districto, e para os tribunaes judiciaes, muitos dos serviços hoje agglomerados nas secretarias? Se o governo entende que nos termos da auctorisação está auctorisado a descentralisar os serviços, a minha proposta é inutil; se porventura não está, a reforma que elle fizer não póde produzir bom effeito, porque a primeira, a mais urgente necessidade a satisfazer, é descentralisar, é ver quaes os serviços que devem ficar a cargo do estado, e quaes a cargo das localidades e dos tribunaes judiciaes.
A descentralisação é o ponto capital d'onde se deve partir para se fazer a reforma, porque sem a necessaria descentralisação não póde haver administração, não póde haver reforma util, reforma como a que se precisa. Com a centralisação absurda que nós temos, póde a reforma servir para alguma cousa?
As minhas idéas sobre descentralisação são conhecidas, são as idéas do partido liberal de toda a Europa. Sem a vida local, sem a descentralisação administrativa, não póde haver o governo do paiz pelo paiz. Quando houver centralisação, ha de haver despotismo administrativo, e o despotismo administrativo é a maior desgraça que póde affligir uma nação. Sem a descentralisação não póde haver verdadeira liberdade, sem a vida local não póde haver a salva-guarda da liberdade, porque esta reside no municipio. É mister crear a vida local da parochia, do municipio, do districto, conferir-lhes largas attribuições, impor-lhe grandes deveres, organisar a sua fazenda. Para termos um systema liberal como elle deve ser, é necessaria a descentralisação; para termos simplificação e economia nos serviços é necessario descentralisa-los. É preciso acabar com a bureaucracia. Não ha hoje negocio, por mais infimo que seja, que não precise vir aos pés do generalato da bureaucracia, aos pés dos empennachados da bureaucracia, como, em phrase elegante e pittoresca, disse um dos mais elegantes oradores d'esta camara. Isto não póde continuar assim, não deve continuar assim.
Está o governo por esta proposta auctorisado a reformar e simplificar os serviços, a distribui-los pelos ministerios, a fixar mesmo o numero d'estes ministerios? Se não o está é necessario que a camara o auctorise a faze-lo. O governo se explicará, e veremos depois o que ha a fazer. O que eu não desejo, o que não deve ser, é que a camara vote uma auctorisação ao governo, e que este se veja peado, e não possa dotar o paiz com as reformas de que elle tanto carece, para poder saír das difficuldades em que está collocado.
Eu não posso estar agora a dizer aqui os defeitos de todos os serviços publicos.
Prometti ser breve, preciso se-lo, e mesmo diante de mim vejo um meu honrado collega com quem me comprometti a ser breve.
Mas, sr. presidente, permitta-me v. ex.ª que chame a attenção do governo para um dos mais importantes ramos da administração, que está atrazadissimo entre nós. Ninguem póde duvidar de que ha serviços, cuja dotação é excessiva, e outros, cuja dotação é uma verdadeira miseria (apoiados).
Sinto não ver presente o nobre ministro do reino. Queria chamar a sua attenção sobre um ramo de serviço publico, que eu desejava ver melhorado para bem d'este paiz. Refiro-me á instrucção (apoiados).
Um paiz onde apenas se gasta 221:146$215 réis, por parte do estado e dos municipios, com a instrucção primaria de ambos os sexos, sendo 16:519$160 réis a importancia dos ordenados ás mestras do sexo feminino, está n'um atrazo tal de civilisação que é uma vergonha para nós, que queremos ser um paiz civilisado. Para que não exista esta vergonha é preciso que o governo olhe com olhos de ver para este ramo de serviço. É necessario dotar largamente a instrucção popular.
No nosso paiz, para mandar ensinar latim, gastam-se uns poucos de contos de réis mais do que o que se destina para ensinar a ler e escrever aquellas que mais tarde hão de ser mães da nova geração! Isto não póde ser; isto é uma vergonha!
A sociedade está passando por uma transformação completa. A sciencia invade tudo; em todos os pontos lança luz vivificadora. As antigas classes confundem-se no todo, na unidade nacional. A democracia manifesta por toda a parte o seu poder, exerce em toda a parte a sua influencia, no governo do estado, nas industrias, em todos os progressos sociaes. A luz que guia a democracia, o guia seguro que encaminha a democracia é a instrucção.
É por isso que a instrucção primaria, descurada por muito tempo em todas as nações da Europa, é hoje em toda a parte a primeira preoccupação de todos os governos. Não ha questão que interesse mais á civilisação dos povos que é a instrucção popular. Não póde haver questão que interesse mais aos generosos e grandiosos intuitos do partido liberal, do partido progressista, que o dever, a missão, a necessidade, a urgencia de instruir o povo (apoiados).
Nunca poderá haver povo livre, verdadeiramente livre, se não estiver educado, encaminhado no exercicio, pleno da liberdade, se não estiver devidamente instruido. É por isso que a instrucção popular é a primeira preoccupação de todos os espiritos liberaes, e questão a que todas as nações, que querem caminhar na senda do progresso, prestam a mais seria attenção. E nós, que queremos ser povo livre, progressista, civilisado, que temos feito, que fazemos relativamente á instrucção do povo? Muito pouco, quasi nada. É uma vergonha!
Permitta-me v. ex.ª que eu leia uns numeros que são a vergonhosa photographia do nosso atrazo no ramo importantissimo da instrucção publica. Nós temos 2:774 escolas primarias publicas e particulares para a instrucção de ambos os sexos. As escolas publicas para o ensino primario do sexo masculino são 1:618, as escolas particulares para o mesmo fim são 405. As escolas publicas primarias para o sexo feminino são 205, e as particulares para o mesmo fim são 546.
O material das escolas é uma miseria. De 1:687 escolas inspeccionadas só em boas condições se acharam 261, em soffriveis condições 628, em más e pessimas condições todas as outras; para haver casas de escola, mesmo assim foi necessario que 853 edificios para o ensino da infancia fossem fornecidos por os pobres professores. Gastamos com estes professores o seguinte: os professores de ensino mutuo recebem do thesouro 3:901$580 réis. Os de ensino simultaneo de 1.° grau recebem 134:843$445 réis. As mestras recebem 16:519$160 réis; ao todo os seus ordenados montam a 154:454$185 réis. As despezas de expediente com missões, inspecção, jubilações, gratificações, etc. somma em 6:658$595 réis. A despeza do thesouro com a administração superior de instrucção primaria, escola normal, etc. não excede a 14:053$435 réis.
As despezas a cargo dos municipios montam a 35:580$000 réis; e, se lhe juntarmos a importancia da renda de 640 escólas e a mobilia de 800 proximamente, virá a ser a des peza a cargo do municipio 45:980$000 réis. Gastâmos pois,
estado e municipios, com a instrucção popular de ambos os sexos 221:146$215 réis!
Eis-aqui uma parte do sudario das nossas miserias no tocante a instrucção publica. Repetirei ainda um numero: os ordenados ás mestras que têem por missão ensinar as creanças do sexo feminino, as que hão de vir a ser as mães da raça vindoura, sommam em 16:519$160 réis! Não esqueçamos esta mesquinharia.
Ora, um paiz em que se gasta isto para instruir o povo, em que se gastam menos do 17:000$000 réis para educar as futuras mães de familia, é paiz que está o mais atrazado possivel n'este importantissimo ramo do serviço publico. As nações são verdadeiramente grandes, são realmente grandes por o seu grande capital intellectual, e o primeiro obreiro que cria esse capital é o professor; a primeira officina d'esse grande, d'esse verdadeiro capital que engrandece as nações, é a escola (apoiados). Se as nações pequenas se querem tornar grandes e respeitadas, cuidem de augmentar o seu capital intellectual. Se as nações pequenas querem ser respeitadas, e correr parelhas, e rivalisarem, e avantajarem-se ás nações civilisadas, derramem a luz onda houver trevas de intelligencia, dêem vista aos cegos de espirito (porque quem não sabe é como quem não vê), derramem a instrucção a mãos cheias, abram a escola em toda a parte onde houver ignorancia. Ha na alma das creanças innocencia e ignorancia; regulem uma e extirpem outra, se quizerem progresso e civilisação.
A Belgica gastava em 1860 1.200:000$000 réis com a instrucção primaria. A Suissa tem talvez as melhores escolas da Europa. A instrucção é gratuita n'uns cantões, auxiliada por o governo em outros, e em outros por corporações; a Suissa tem uma escola por 400 habitantes, quando nós temos uma escola por 2:000 habitantes.
A Hollanda com 3.300:000 habitantes tem quasi 3:000 escolas, e conta mais de 300:000 alumnos todos os annos. A Prussia, antes do seu inesperado engrandecimento, tinha perto de 25:000 escolas, frequentadas por quasi 3.000:000 de alumnos, e que custava áquella nação perto de réis 7.000:000$000. Vi no relatorio de mr. Jourdain os progressos espantosos que tem feito em França a instrucção primaria. De 1829 a 1866 se abriram em França 38:803 escolas, 32:000 cursos de adultos, e 3:700 salas de asylo.
A população nas escolas primarias cresceu mais de 3.000:000 de individuos, nas salas de asylo 400:000, e nos lyceus e collegios 24:000. Em toda a parte progresso, adiantamento na instrucção popular; entre nós atrazo e miseria!
Peço ainda licença para ler uns numeros que são a nossa vergonha; custa-me a le-lo, mas hei de faze-lo; é mister dizer a verdade, ainda que me doa, e nos faça subir o rubor ás faces.
Nós tinhamos em 1864 2.182:870 habitantes do sexo feminino. D'estes eram creanças, de 7 a 15 annos, 369:453. Sabe v. ex.ª quantas d'essas creanças aprendiam a ler a palavra escripta, e a exprimir o pensamento por escripto? Frequentavam as escolas só 22:546! Ficavam nas trevas da ignorancia 346:907 creanças do sexo feminino.
Tinhamos n'esse anno 2.005:540 habitantes do sexo masculino. D'estes eram creanças, de 7 a 15 annos, 388:081, e as escolas eram frequentadas por 76:710 alumnos do sexo masculino. Ficavam sem saber ler nem escrever 311:370 creanças.
Das 757:534 creanças, de 7 a 15 annos, de ambos os sexos, que tinhamos em 1864, ficaram sem saber ler o enorme numero de 658:278! Isto é a maior vergonha para um paiz livre.
Uma voz: — Isso não é verdade.
O Orador: — Não é verdade? É então mentira a estatistica de instrucção primaria feita pelo sr. Rocha? São então mentira as estatisticas officiaes? Prouvera a Deus que o fossem.
Uma voz: — E as escolas particulares?
O Orador: — As escolas particulares são frequentadas por pouco mais de 25:000 creanças do ambos os sexos. Parece ao illustre deputado impossivel que estes factos se dêem no nosso paiz? Envergonha-se de que tenhamos esta miseria de instrucção? Tambem eu, e por isso peço ao illustre deputado, que una a sua voz auctorisada á minha humilde voz, e empenhemo-nos todos, parlamento e governo, para que se instrua ainda muito o povo portuguez (apoiados), para que se abra a escola em toda a parte (apoiados). Façamos com que, onde houver uma freguezia, onde houver um templo, aonde os parochianos vão orar, haja ao pó um outro templo, o templo da instrucção e da luz (apoiados); façamos com que aonde houver um altar, diante do qual os parochianos ajoelhem, haja ao pé e defronte um outro altar, a banca do professor, diante do qual todas as creanças da parochia, todas sem excepção, vão aprender a ler a palavra escripta, a exprimir o seu pensamento por escripto, vão aprender a ser bons filhos, bons paes, bons cidadãos (apoiados). Em toda a parte onde houver a igreja matriz, onde os fieis se congreguem, haja o outro templo, a escola, onde se reunam todas as creanças para aprenderem para saberem os seus deveres, para se elevarem de ignorantes a instruidos, para saberem presar os seus direitos, para saberem cumprir os seus deveres do cidadãos do uma nação, livre (apoiados). E junto da escola do sexo masculino a escola do sexo feminino.
Quem ignora a poderosissima influencia da mulher na familia, quem desconhece a acção importantissima, incontestavel, da mulher sobre as creanças? Não deixemos a pobre filha do povo nas trevas da ignorancia; ella ha de ser mãe da raça futura; que saiba formar a alma e coração de seus filhos, que saiba ser mãe; abramos em toda a parte a escóla para as meninas (apoiados).
Somos pobres? Embora. As nações são como os individuos; o pae de familia previdente, honrado, honesto, ami-