2021
ao governo todos estes attritos, todos estes embaraços, todas estas difficuldades.
Antes porém de a ler devo com toda a franqueza fazer aqui uma consideração.
Todos estes inconvenientes em que hoje nos encontrámos com referencia aos serviços publicos não se póde dizer que sejam do ministerio passado, ou de outro qualquer ministerio privativamente. Todos estes inconvenientes vem já de muito longe, de muitos annos atrás; vem desde 1834 até hoje; e querer acabar com elles de repente, de hoje para ámanhã, é impossivel e muito perigoso, perigosissimo. E se o governo quizer acabar com elles de subito, encontrará necessariamente na pratica esses perigos, que não são pequenos.
Não póde ser. Esta reducção, esta reforma a fazer nos serviços publicos deve ser morosa, muito pensada e não precipitada, de hoje para ámanhã, porque, prescindindo mesmo da grande injustiça que se vae fazer a muitos funccionarios publicos, receio muito, sr. presidente, que, reformando-se com precipitação, os serviços publicos fiquem antes prejudicados do que melhorados, em vez de simplificados confundidos, e por consequencia em vez de economias teremos desperdicios.
A idéa portanto que consignei na minha emenda é a seguinte.
A proposta de lei do governo reduz-se, no seu effeito positivo e real, a isto: o governo fica prohibido de despachar nem mais um empregado alem daquelles que o mesmo governo designar, que ficam compondo os quadros novamente formados,
Mas então, dir-se-ha, o que se ha de fazer aos outros? Atura-los como se têem aturado até hoje, porque teem direito igual aos que ficam no quadro.
Uma voz: — Não póde ser.
O Orador: — Não póde ser? Póde ser; assim como tem sido, póde ser d'aqui em diante. Eu me explico, e torno com o mesmo exemplo de ha pouco. Ha uma repartição que tem 300 empregados, 200 é que são os necessarios para o novo quadro, 100 ficam fóra. Muito bem. Os empregados que na actualidade existem continuam prestando os mesmos serviços, ou aquelles que o governo entender e for possivel. Não quero supranumerarios nem excedentes, ficam os mesmos, não se acrescenta mais nenhum aos 200 do novo quadro, e o resto fica para preencher as vagas, que só se podem e devem preencher depois de vagarem 101. Permitta-me a camara que use d'este termo, hoje muito em uso — é a reforma da caldeirinha.
Uma voz: — É morosa.
O Orador: — É morosa. Creiam v. ex.ª e a camara que não é tão morosa como parece, infelizmente para elles; em menos de meia duzia de annos temos esses logares vagos, creia-o a camara. Isto é mais moral, mais justo e igual.
Portanto notem v. ex.ª e a camara, que desde o momento em que o governo disser que em uma repartição existem 300 empregados, que 200 hão de servir no quadro e os outros 100, João, Pedro, Martinho, etc. hão de ser supranumerarios, hão de ser addidos, sabe v. ex.ª o que acontece? É que esses empregados addidos não trabalham com aquella consciencia e boa vontade que de certo trabalhavam quando eram do quadro; o serviço ha de ser feito de má vontade. Sobretudo o que ha de actuar sobre elles é a mudança de ministerios, que quasi sempre se está repetindo no nosso paiz, porque infelizmente não ha ministerio persistente entre nós. Ainda ha mais alguma cousa — ha o receio de não serem despachados para os quadros aquelles que devem ser, mas aquelles que tiverem empenhos, que tiverem grande patronato. Esta é que é a verdade.
Ora, não se sabendo quem são os excedentes, quem são os supranumerarios, e sabendo-se que as vagas irão sendo preenchidas por estes, logo que morrerem 101, muito bem; mas tudo que não for isto ha de causar grandes difficuldades ao governo, grandes atritos.
(Interrupção)
Eu bem sei que a economia é de dinheiro, e que o governo não a tira tão rapidamente, mas é mais igual, é mais justa e equitativa; porque não me admira nada que os empregados substitutos e excedentes se revoltem tambem contra a iniquidade que sobre elles se póde e ha de fazer pesar.
Mando para a mesa uma emenda ao artigo 2.°, que é a seguinte (leu).
Notem v. ex.ª e a camara, que não são precisos muitos annos para que os quadros das repartições sejam reduzidos ao numero sufficiente. Se n'uma repartição ha muitos empregados, póde não os haver em outra, e por isso os logares não hão de estar vagos por muito tempo, porque estes empregados hão de espreitar aonde ha logares vagos para requererem ser n'elles providos.
Permitta-me ainda a camara que eu diga agora duas palavras que só a mim respeitam.
Quando eu uma vez aventei aqui uma idéa para se reduzirem os ordenados dos funccionarios publicos a 50 por cento, por um anno sómente, levantou-se todo o mundo contra mim. É preciso primeiramente que se saiba que, quando eu aqui disse que os empregados publicos de certo vencimento para cima, deviam ter uma deducção de 50 por cento por um anno, nunca tive a idéa de que effectivamente isto fosse avante, porque era necessario julgar de mim muito mal para supporem que eu acreditasse fosse isto avante, porque infelizmente a maioria que está aqui é de funccionarios publicos, e desde esse momento a proposta não seria aceitavel. Mas a minha idéa era outra; era pedir muito para poder conseguir pouco ou alguma cousa.
É preciso que a camara saiba, e o governo deve sabe-lo, que no nosso paiz voga a idéa, não sei se erronea se verdadeira, quero crer que erronea, de que os empregados publicos são uns parasitas, que todo o rendimento e todo o imposto que o paiz paga é comido pela classe do funccionalismo, sobretudo pelos empregados publicos de Lisboa, sem prestar serviços.
É incontestavel que nas provincias se diz isto altamente e em toda a parte. Não digo que esta seja a verdade, digo mesmo que é uma persuasão erronea que o povo tem. Mas desde o momento em que o empregado publico tiver uma deducção, não digo de 50 por cento, mas de 10, e a camara deu uma prova quotisando-se a si propria em 10 por cento no subsidio e 50 por cento na jornada, auctorisava-se o governo para poder pedir á propriedade mais alguma cousa, e para a camara votar isso.
Desde o momento em que o governo e a camara accordassem em que aos empregados publicos se deduzisse alguma cousa temporariamente até que as finanças se organisem melhor, a camara ficava auctorisada para votar e o governo para propor com menos difficuldade e odioso uma lei de imposto; e não havia perigo em propor que a propriedade pagasse mais, porque então o povo pagava.
Esta minha idéa de 50 por cento serviu para que os jornaes escrevessem algumas vezes com muito espirito e outras vezes sem nenhum.
Mas saiba v. ex.ª que já se não falla em mim felizmente; agora o thug dos funccionarios publicos é um collega meu: é o sr. Ferreira de Mello (hilaridade). Agora pelo que se vae fazer, logo que ao governo se vote o projecto em discussão, em logar de ser a camara possidonia, ha de ser o governo possidonio (hilaridade geral). Creia v. ex.ª que eu não digo nem tomo isto como termo insultante; pelo contrario tenho-o como muito honroso. Se ser possidonio é ser amigo de economias e da boa organisação do serviço publico e principalmente das nossas finanças, honro-me de ser possidonio; a camara e o governo devem honrar-se de serem possidonios (hilaridade).
Esta é a rasão por que lancei esta idéa de 50 por cento; e saiba v. ex.ª que tenho muita honra nisso.
Depois que apresentei esta proposta de deducção de 50 por cento, é facto que se apresentaram outras que elevavam essa deducção a 60 e mais por cento.
Eu é que fui a victima expiatoria, mas comprazo-me, porque ao menos já na mente do empregado publico calou a idéa de que, attentas as circumstancias em que estamos, alguma cousa temos de fazer n'este sentido; devemos concorrer todos, sem excepção alguma, com o nosso obolo.
Eu em these, sr. presidente, defendo e sustento que o funccionario publico não deve pagar imposto algum. E sabe v. ex.ª porque?
Porque todo o imposto que se lance sobre a propriedade quem o paga em ultima analyse são os empregados publicos (apoiados).
Só por excepção, attentas as circumstancias precarias em que estamos, é que eu votaria uma deducção nos ordenados dos empregados; porque, repito, quando se vae lançar um imposto sobre a propriedade, quem o paga é o empregado publico.
Em regra o empregado não é proprietario. Aquillo que elle hoje compra por dois tostões, ha de compra-lo por um cruzado, depois de lançado o imposto sobre a propriedade, ou sobre qualquer artigo commercial. Se hoje paga dez ou vinte moedas de renda de casas, lançado um imposto á propriedade urbana, ha de depois pagar trinta ou mais; de sorte que é sempre o empregado publico quem vem a pagar mais, sem que todavia seja augmentado o seu vencimento.
Tenho abusado talvez da condescendencia da camara, sr. presidente, mas entendi que era necessario dizer alguma cousa a tal respeito, sobretudo depois que o sr. Ferreira de Mello me tirou a preferencia n'esta laboração de economias.
Não tendo outra occasião em que podesse dizer alguma cousa a respeito dos 50 por cento, entendi que o devia dizer agora.
Comprazo-me ainda mais, porque alguns empregados que estão n'esta casa já me disseram com a maior franqueza: antes o seu projecto dos 50 por cento, do que o do sr. Ferreiro de Mello, verificando-se assim o anexim portuguez: atrás de nós virá quem bons nos fará.
Não digo mais nada. Votaria todo o projecto se esta minha emenda fosse adoptada, porque me parece que ella tira o governo de grandes embaraços, colloca-o na posição de fazer mais justiça e de proceder com mais igualdade; mas vota-lo-hei tambem sem a minha emenda, porque não quero embaraçar o governo na senda de reformas que proclama, nem tambem que o paiz se queixe de que não auctorisámos os sr. ministros a melhorar a nossa situação financeira.
Agradeço a todos os meus collegas a benevolencia que me dispensaram e a attenção com que se dignaram escutar-me.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que o artigo 2.° do projecto em discussão seja substituido pelo seguinte:
Art. 2.° Fixados os novos quadros, continuarão os funccionarios, que ao presente existem, a prestar nas differentes repartições os mesmos serviços que até agora, e só serão preenchidas as vacaturas, que se derem n'esses novos quadros, depois que vagarem tantos logares quantos forem precisos para formar o numero excedente ao fixado nos mesmos quadros.
§ unico. Poderão comtudo esses funccionarios, dentro do numero excedente ao quadro fixado, ser providos em logares de outras repartições, se assim o requererem e isso convier ao serviço publico.
Sala das sessões, 13 de agosto de 1868. = M. E. da Motta Veiga.
Foi admittida.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Sá da Bandeira): — Como tenho de me retirar para a outra camara, pedia a v. ex.ª que, na primeira sessão, desse para ordem do dia o projecto sobre a distribuição dos contingentes para o exercito, e tambem aquelle que diz respeito á quantia pedida para as fortificações.
Por esta occasião renovo a iniciativa da proposta do governo, de 6 de julho de 1862, convertida em projecto de lei, na camara dos senhores deputados, n.° 104, de 17 de julho de 1862. É sobre o codigo penal militar.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Renovo a iniciativa da proposta do governo, de 6 de junho de 1862, convertida em projecto de lei, da camara dos senhores deputados, n.° 104, de 17 de junho de 1862. = Sá da Bandeira.
O sr. Barros e Sá: — Requeiro que a mesa seja auctorisada a nomear uma commissão especial, para dar parecer sobre o projecto do codigo penal militar, como se fez em 1862, e v. ex.ª foi illustre membro d'essa commissão.
O sr. Freitas e Oliveira: — Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha sobre o contrato celebrado entre o governo e o dr. Agostinho Lourenço, com uma emenda vinda da camara dos pares.
Decidiu-se que a mesa nomeasse uma commissão, composta de cinco membros, para dar parecer sobre o projecto de codigo penal militar.
O sr. Eduardo Tavares: — Sr. presidente, tinha feito tenção de não incommodar mais os meus collegas n'esta sessão com os meus arrazoados, porque, alem de prestar constante culto ao salutar principio das economias, estou ha muito convencido do que não é nem a garrulice impertinente nem a facilidade de fazer jorrar dos labios uma torrente de logares communs e de futilidades, só para depois ter o estulto prazer de as ver pavonear ufanas nas complacentes columnas da folha official, que póde conquistar para qualquer a attenção de uma camara tão illustrada como esta, nem os fóros, honras, distincções e qualidades de orador parlamentar.
Do que deixo dito já v. ex.ª poderá deprehender que só um motivo muito imperioso poderia compellir-me agora a quebrar esse proposito. Peço pois licença a v. ex.ª e á camara para o revelar, e para expor francamente a minha opinião sobre o importante assumpto, que n'este momento se discute n'esta casa. Esse motivo vou já dize-lo á camara.
Officialmente represento duas entidades. A primeira, e a que mais me honra, a de representante da nação; a segunda, que não me honra menos, a de funccionario do estado. Como deputado e como servidor da nação devo n'este momento fazer ouvir a minha voz, ainda que humilde e despretenciosa. Quero dizer ao meu paiz a minha opinião sobre o objecto grave que está na téla do debate (apoiados). Emmudecer n'esta conjunctura solemne seria mostrar-me indigno do logar com que me honraram os votos independentes dos meus constituintes, e da posição que occupo como empregado publico (apoiados).
Sr. presidente, antes de entrar propriamente na apreciação d'esta questão, seja-me licito declarar aqui muito terminantemente que o voto que dei favoravel á auctorisação que o governo nos pediu, quando se votou na generalidade, não significa de maneira alguma uma confiança cega no gabinete, aonde aliás estão alguns cavalheiros, que eu sempre tenho apoiado como ministros, e seguido e respeitado sempre como homens politicos; denota simplesmente o desejo de ir de accordo com a opinião publica, e revela o meu grande acatamento pela dos distinctos membros da commissão especial, nos quaes vejo cinco honrados progressistas, cujas opiniões são para mim de todo o ponto insuspeitas. Na questão dos escrupulos parlamentares, no caso de que se trata, eu não podia ir mais longe do que os meus illustres collegas, membros de tal commissão, os srs. Antonio Cabral de Sá Nogueira, Anselmo José Braamcamp, Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Belchior José Garcez, e José Maria Rodrigues de Carvalho (apoiados). Desde que estes cavalheiros poderam convencer-se de que era conveniente para a causa publica conceder ao governo a auctorisação pedida, declaro que eu representaria aos meus proprios olhos um papel, não direi ridiculo, mas um pouco pretencioso de mais, em me mostrar mais meticuloso do que taes cavalheiros na concessão do voto de que se trata, sem embargo de estar convencido de que ha em tal concessão uma certa violação de preceitos constitucionaes (apoiados). Votei pois a auctorisação, principalmente para obedecer ás indicações da opinião publica. Não trato agora de apreciar se são ou não sensatas taes indicações; o que me cumpre, como representante da nação, é reconhecer, como o reconhece a camara toda, que essas indicações são filhas de um intuito patriotico, e como taes faço-lhes inteira e completa justiça (apoiados). Sr. presidente, desejo ir de accordo com a opinião publica, até mesmo nas suas exigencias exageradas, quando estas têem uma rasão de ser (apoiados), ou uma causa justificada.
A camara estará lembrada do que eu disse a respeito da classe a que me ufano de pertencer, quando aqui se discutiu aquelle malfadado projecto sobre aposentações, jubilações, terços e reformas, projecto que eu tive a honra de apoiar e defender. Tinha-se insinuado que era necessario que tal classe se prestasse a um sacrificio e que ella parecia recusar-se a elle.
Foi n'essa epocha que de todos os lados d'esta casa partiam propostas fulminantes de reducções fabulosas, com o intuito de reduzir á penuria os servidores do estado! Levantei-me então para asseverar que essa benemerita classe