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SESSÃO N.° 91 DE 19 DE JUNHO DE 1900 9

cutam, que, qualquer que seja o ponto de vista politico em que se colloque a historia do nosso direito constitucional, desde a carta constitucional até ao ultimo acto addicional de 1896, não tem havido com effeito, da parte dos poderes publicos, senão o proposito de, por todos os modos, cercear os direitos e liberdades do cidadão e augmentar o que póde chamar-se as prerogativas do poder real moderador, ou como melhor entendam. Assim, v. exa. sabe que a carta constitucional, significando um pacto entre o monarcha e o povo, e devendo ser respeitada como tal, se essa forma hybrida de instituições podesse manter-se, devia ser respeitada em seus precisos termos, como um pacto entre um e outro poder.

Esse pacto, sr. presidente, tendo sido alterado tres vezes, vae, pela quarta vez, ser alterado, conforme se propõe n'este projecto, e, como sempre, no sentido de privar o povo das suas regalias, de arrancar aos cidadãos os seus direitos e de espesinhar as regalias que os nossos maiores conquistaram á custa do seu sangue.

Com esta reforma caminha-se novamente para o absolutismo. Desde os mais altos poderes, do estado até ao mais infimo cidadão, todos temos podido assistir a uma reacção constante, quer de natureza politica, quer do natureza religiosa, quer de natureza administrativa, que não póde de modo nenhum ser contestada.

Eu podia fazer o confronto entre o que foi a administração do marquez de Pombal, sob o regimen absoluto desmascarado, e o governo do actual ministerio, sob o apparente regimen da liberdade, para chegar ao reconhecimento de que não devemos á carta constitucional senão traições e sophismas, que não devemos aos seus actos addicionaes senão a postergação constante dos direitos do povo, o servil alargamento das prerogativas do poder real e a inutilisação dos esforços herculeos d'aquelles homens, que nós adorámos e venerámos quando o liberalismo era uma cousa sagrada, que se sentia e amava, e não uma cousa que, como agora, se sophisma e se atraiçoa, como succede com os actuaes ministros da coroa.

Pois v. exa. não vê, sr. presidente, que* hoje, no fim do seculo XIX, com setenta annos de constitucionalismo, com cincoenta annos de paz, nós nos encontramos sem liberdade de imprensa, sem liberdade do reunião, sem liberdade de associação, sem nenhuma liberdade, sem nenhum direito, porque tudo se reformou, tudo se calcou, tudo se rasgou, achando-nos em frente de um poder mais forte do que nunca foi, poder que domina tudo, as quedas e as subidas dos ministerios, os movimentos da opinião, o retrocesso nas liberdades, as leis que se propõem e se promulgam, as leis que se discutem e se votam!

De um lado o povo sem os menores direitos, do outro o rei com a plenitude de todos elles.

Conhece v. exa. constitucionalismo mais hypocrita, liberdade mais fingida, não tendi, o povo para onde appellar para restabelecer o imperio da lei e fazer manter a justiça?

O sr. Presidente: - V. exa dá-me licença?

Eu quiz mostrar que as accusações de v. exa. ao regimen que nos rege eram desmerecidas porque lhe consenti nas considerações que tem vindo a fazer... (Repetidos e prolongados apoiados.)

Até este ponto permitti-lh'o; d'aqui por diante não lh'o posso consentir. (Repetidos apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O Orador: - V. exa. dá-me licença?

O sr. Presidente: - Eu convido o illustre deputado a que me ouça.

Vozes: - Ouça, ouça.

O Orador: - Eu tenho a palavra. V. exa. não me chagou á ordem.

O sr. Presidente: - Eu por ora não lhe retirei a palavra.

Pelo regimento eu tenho o direito de intervir em qualquer altura da discussão, (Muitos apoiados.) e é por virtude do regimento talvez que eu deixasse mais liberdade a s. exa. Mas o regimento prohibe-me que eu permitia que se discutam as instituições do estado. (Apoiados geraes.)

A minha obrigação é chamar á ordem quando qualquer deputado proceda de modo diverso. (Muitos apoiados.)

V. exa. apresentou uma moção, que só por si mostra o regimen de liberdade que nós temos. (Muitos e repetidos apoiados.)

Consenti-lhe que a lesse; mas d'ahi até permittir que s. exa. continue usando da palavra como o está fazendo, é que eu não, posso, (Apoiados geraes.) porque sobretudo não se está discutindo a reforma do artigo da carta, que diz que o systema da nação é o systema monarchico. (Muitos e repetidos apoiados.) Estão só em discussão alguns artigos da carta, e sobre elles é que recáe discussão. (Muitos apoiados.)

Parece-me, pois, que a divagação que v. exa. fez já é mais do que sufficiente, e eu não lhe permitto que vá d'ahi para diante; (Muitos apoiados.) e previno-o já de que cumpro o regimento até ao fim. Se continuar a usar da palavra por essa forma, eu chamo-o á ordem primeira e segunda vez e, se continuar, retiro-lhe a palavra. (Apoiados geraes.)

Vozes: - Muito bem, muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O Orador: - V. exa. fez muito mal em me fazer a ameaça. Eu conheço muito bem o regimento, e não era necessario que v. exa. me fizesse essa ameaça, porque eu, que tenho e terei sempre uma grande deferencia por v. exa., .terei de esquecel-a para dizer que v. exa. interveiu inopportuna, illegal o injustamente.

Pois v. exa., que é um magistrado illustradissimo, honra do nosso fôro, ignora que eu estou aqui com poderes constituintes, dados pelo paiz, e agora pelo parlamento, e que eu tenho o direito legitimo de discutir a constituição inteira, como acabou de demonstrar brilhantemente o sr. Francisco Fernandes n'uma argumentação, a que ninguem respondeu, e que ninguem sublinhou com o mais pequeno signal de approvação ou de reprovação?

O sr. Presidente: - V. exa. não tem o direito de discutir toda a constituição porque, o que está em discussão são os artigos 2.°, 3.º e 4.° do projecto. A discussão está ligada a esses artigos, e para ella, é que eu chamo a v. exa.

(S. exa. não reviu.)

O Orador: - Eu ainda podia accrescentar que estava sómente fazendo critica historica, á qual se responde com critica historica, e não com esse habito de suppor que estava atacando as instituições.

Quando se usa de um mandato, nos termos especiaes em que eu uso, o se fazem as accusacões que eu faço, não é para desacatar ninguem; é para expor um certo ponto de vista; é para expor principios contra principios.

Entraria na apreciação dos artigos 2.°, 3.° e 4.°, se não tivesse receio de que v. exa., sr. presidente, me chamasse á ordem, por vir aqui reproduzir phrases do relatorio da commissão especial, que approvou este parecer e o converteu em projecto de lei. V. exa., já tão severo para me applicar as penas regimentaes, só pelo que eu digo, vae ser mais severo ainda, quando eu reproduzir o que diz o parecer.

A camara dos pares, segundo tambem a proposta de lei em discussão, compõe-se, essencialmente, de pares nomeados pelo Rei.

V. exa. sabe, sr. presidente, por que preceitos e principios é que o Rei é Rei dê Portugal? É por hereditariedade. E sabe o que diz o projecto? Que a hereditariedade é passageira, não merece discussão.