3012 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
boa ou má fé, affirmasse qualquer principio contra as missões catholicas, vem dizer-nos que «os missionarios catholicos padecem toda a sorte de privações, e levam uma vida de soffrimento e miseria nas mais afastadas regiões, em paizes selvagens, onde se sepultam em vida, e cuja morte só passados annos é conhecida».
Que principio humano os leva a dar a vida para beneficiar os indigenas? A conversão ao Evangelho, abrir luz em espiritos obsecados, o que conseguem, é o seu fim. Cumprem assim o seu dever, embora a aureola do martyrio lhes illumine muitas vezes o caminho da vida eterna.
Estes padres catholicos, a que só referem as testemunhas insuspeitas, e a que me hei reportado, não abandonaram, não abandonam nunca os seus logares, nem seguiram nem seguirão o exemplo dos missionarios protestantes, de que possa ser órgão este escriptor ou correspondente, a que alludi. Cumprem religiosamente as suas obrigações, não me cansarei de dizel o, e por isso o repito, e muitas vezes sepultam-se em vida, posso assim affirmal o, nos sertões de Africa, onde mais tarde se encontram os restos d'aquelles, que foram zelosos apostolos em nome do seu paiz e da gloriosa tradição, que a elle anda ligada.
Os missionarios catholicos soffrem toda a qualidade de vexações, toda a qualidade de sacrificios; elles soffrem a miseria nos paizes mais inhospitos, e como recompensa de tudo isto, só encontram para alimentar a sede ou para saciar qualquer necessidade o preço do seu breviario, se tiverem de vendel-o; porque desgraçadamente os missionarios portuguezes não têem no orçamento do estado, nem fora d'elle, verba que possa compensar as agruras, martyrios e sacrificios, a que se expõem n'aquellas paragens. Com parando a moralidade e a sorte dos missionarios protestantes, inglezes e allemães, com a conducta dos missionarios catholicos e com os meios de subsistencia, de que dispõem, é triste... é triste ver o galardão, que o governo lhes offerece, a consideração que lhes dá! E vergonhoso ter de ler a pagina, em que no orçamento está consignada a verba destinada ao missionario portuguez, e que comprehende a irrisoria quantia de réis 300$000! É um thesouro, que se despende em beneficio de uma causa tão sacrosanta, como é a civilisação do continente africano, em que todos nos devemos empenhar, como o meio unico de engrandecimento para a mãe patria. (Apoiados.) São uns Cresos estes nossos padres!
Hei de comparar, e vou fazel-o já, o estado, a situação dos nossos missionarios portuguezes, com aquillo, que auferem a recebem os missionarios allemães ou francezes e os missionarios chamados evangelicos.
Sabe a camara quanto recebem os missionarios allemães, cujo serviço não é tão penoso, como ás vezes póde pensar-se? Recebem 2:000 a 3:000 dollars por estipendio anuualmente; têem uma magnifica casa de habitação, têem mesa bem servida e têem em fim todas as commodidades, que em paizes d'aquella natureza se podem encontrar.
Os missionarios inglezes, que se entregam a todas as distracções, que vivem á larga e regaladamente, trabalhando pouco ou nada, recebem annualmenle o subsidio de 1:000 libras sterlinas.
(Interrupção que não se ouviu.)
Não tenho duvida, em que elles possam ter isso; mas n'esta parte as missões inglezas são perfeitamente bem regaladas, no sentido propriamente da palavra, emquanto que as nossas são suficientemente mesquinhas e pobres! (Apoiados.)
As missões inglezas dão a um missionario na India 7:000 a 12:000 francos annuaes. Compare a camara esta verba com a que vem incluida no orçamento para missões portuguezas, e todos nos podemos cobrir de vergonha, diante d'esta verba orçamentaria, para ser gasta por fórma a garantir no paiz a sua benefica intervenção via civilisação d'aquelles povos e continuar a tradição gloriosa, que só pelo Evangelho foi comedida á pátria, em que vivemos; essa tradição gloriosa, que nos diz sermos nós os que levámos a paizes selvagens, por mares nunca d'antes navegados, a verdadeira doutrina da liberdade, da responsabilidade do homem, da lei divina do amor e da caridade, da immortalidade da alma; todas estas verdades que foram, e serão, como o oceano da pura e verdadeira vida, em que, banhando-se o espirito, nos avigora para proseguir no caminho da civilisação através do infinito. (Apoiados.)
Foi o Evangelho, que ensinou o acabamento de ódio e rancor contra as raças, que abateu a soberba, e ao escravo deu o conhecimento da sua alma.
Só no Evangelho o homem alcançará a vida, não a vida que se perde como folha secca, que passa como um suspiro, que foge como uma sombra, que se evapora como uma lagrima, mas a vida que dá consolação nas boas obras, que é a esperança do nosso coração, o eterno ideal, que se occulta entre os resplendores do céu, e a estrel a que dirige nossa intelligencia e vontade a praticar o bem, e a evitar o mal. (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Tenha a nossa bandeira ali, como aqui, a magica e sublime inscripção - Civilisação pelo Evangelho, e assim ganharemos glorias para a patria, e asseguraremos a paz a nossos irmãos.
Desculpando-me a camara a natural digressão que fiz, vê o illustre deputado, que as missões religiosas prestam para alguma cousa; vê por estes testemunhos insuspeitos, que todo o homem, que se chama portuguez, que conhece as cousas de Africa, e que estima a civilisação d'aquelles povos, e que deseja exalçar a metropole, não póde deixar de reconhecer a vantagem immediata das missões de Africa.
Mas, assim como sou partidario das missões catholicas, nem o podia deixar de ser, tambem não desejo que enviem missionarios sem verdadeiros e convenientes conhecimentos; não desejo que todo, e qualquer padre seja enviado para este fim. (Apoiados.) Quero que as missões sejam ferteis.
E como n'este assumpto especial o sr. ministro da marinha já deu alguns passos, dignos da approvação do paiz, com relação á organisação do seminario de Sernache do Bom Jardim, eu pedia a s. exa. que se dignasse attender-me, não para aprender no que eu digo, porque são fracos os meus recursos, e minguada a minha illustração, mas sempre é bom que se saiba o que no parlamento portuguez um padre pensa a respeito das habilitações, que exige aos que se destinam a missionar no ultramar.
Note a camara. Eu desejo e quero as missões, mas não desejo que todos os padres sejam missionarios.
Para que as missões sejam ferteis em resultados, é conveniente que os missionarios tenham umas certas e determinadas habilitações, que não se ensinam no seminario de Sernache do Bom Jardim, e que por isso se não conseguem lá, porque são insufficientes os recursos ali ministrados, visto como não ha ali professores bastantemente habilitados.
Os missionarios, que sáem d'aquelle seminario, podem ser enviados para o continente europeu, mas não o podem ser para o continente africano, porque não podem viver no meio, para onde os lançam, por isso que e elles não estudam os dialectos coloniaes, pelos quaes possam fazer-se entender e entender aquelles, com quem têem de viver. (Apoiados.)
O illustre ministro da marinha podia seguir o exemplo do que se pratica lá fóra, por exemplo em Turim, na Hollanda, na Inglaterra, obtendo individuos indigenas, que viessem para o continente ensinar aquelles dialectos aos padres, que devessem ser enviados para o ultramar. (Apoiados.)
No seminario de Sernache do Bom Jardim estuda-se latim, que é a lingua do breviario, e uns principios geraes de theologia e de historia.
Mas não basta isto só. Os individuos, que saem d'aquelle seminario, devem ter uns certos conhecimentos especiaes, devem saber mathematica, sciencias naturaes, principios