DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 75
os seus oradores e se seus jornaes, dizem que o actual gabinete tem maioria na outra casa do parlamento, e que a maioria d'esta casa pouco importa, porque, apesar de qualquer votação d'esta camara, elle Continuará a governar.
Invocando umas velhas theorias de direito publico constitucional, a respeito da importancia d'esta casa do parlamento, dizem que ella nada vale, porque é filha do privilegio, é filha do acaso do nascimento ou da nomeação real.
E dizem isto, sr. presidente, os homens que se reputam e dizem pertencer ao partido mais avançado, e que se proclamam sectarios da philosophia positiva.
E não sabem elles que essa philosophia exclue as theorias metaphysieas, que segundo essa philosophia só os factos e as leis derivadas d'elles são a base de toda a sciencia social?
E o que nos dizem os factos e não as theorias?
Nas nossas actuaes circumstancias, a camara dos pares, mesmo hereditaria, mesmo filha do acaso do nascimento, ou da nomeação real, tem grande importancia é ha de continuar a tel-a!...
Sr. presidente, em um paiz, em que, infelizmente, o nivel dá instrucção publica está tão baixo e os nossos costumes estão tão pouco adiantados (e com isto não faço censurei ao actual governo, porque os factos derivam de causas mais complicadas e remotas e de diversa ordem); n'um paiz, repito, em que a instrucção está tão pouco adiantada e os costumes publicos tão atrazados, que, na maioria dos circulos eleitoraes, se vota inconscientemente, á ordem ou a pedido dos regedores e dos cabos de policia; (Apoiados.) n'um paiz em que um governador civil tem a audacia de dizer officialmente: "querem obras no districto, querem obras importantes e necessarias para o augmento da vossa riqueza, querem uma obra hydraulica, que é essencial para a irrigação dos vossos campos, querem estradas, o dinheiro já ahi vem; mas é necessario que votem no candidato do governo", e em que este governador civil não é demittido no dia seguinte; num paiz em que em muitos circulos os povos votam nos candidatos do governo, não porque os conheçam, não porque lhes importe a politica d'elles, mas porque unicamente sabem que sendo candidatos do governo elles hão de poder obter a sua estrada, o concerto da sua igreja, da sua ponte, emfim aquelles bens ma-teriaes de que precisam; n'um paiz em que as leis administrativas estão ainda tão pouco adiantadas, que o governo póde repartir esses beneficios a seu talante, não conforme ás conveniencias do paiz. mas conforme os interesses eleitoraes; n'um paiz em que um jornal do governo, é este facto é de ha poucos dias, reprehende nominativamente um deputado por votar contra o governo, dizendo que aquelle deputado não conhecia uma só pessoa no circulo que o elegeu, que é o mesmo que dizer que não era representante eleito pelo povo mas feito pelo governo; n'um paiz que sé acha n'estas condições, esta camara, pelo simples facto da inamobilidade dos seus membros, e da sua independencia do poder executivo, ha de ter sempre grande importancia.
Isto é o que nos diz a historia do systema representativo não só entre nós, mas tambem nos outros paizes, que os srs. ministros teriam feito bem se tivessem estudado.
Em França, no tempo da restauração, havia uma camara que era, como esta, hereditaria, como esta de livre nomeação real. Durante os quinze annos da restauração, epocha memoravel, porque foi uma lucta continuada entre o antigo regimen e as novas idéas, lucta na imprensa e na tribuna, a camara dos pares da França teve sempre maior influencia do que a outra camara. A camara hereditaria foi a que ali resistiu sempre ás demasias do poder, e soube manter o respeito aos principios liberaes. Foi n'essa camara que naufragou a lei sobre a liberdade de imprensa, a lei chamada do sacrilegio, e que naufragou igualmente a lei das primogenituras.
Aquella camara, embora filha do acaso do nascimento, ou do acaso da nomeação regia, como hoje se diz, representava a liberdade e o progresso, porque pela inamobilidade dos seus membros, pela sua independencia do poder executivo, representava a opinião publica, emquanto a camara dos deputados, filha das fraudes eleitoraes, do atraso dos costumes publicos, e da ingerencia das auctoridades, só representava a vontade do governo.
Atravessemos agora o canal da Mancha. Do outro lado está a Inglaterra. Ahi dá-se exactamente o contrario. A camara dos communs tem muito maior importancia politica do que a camara dos lords; e note-se, que a camara dos lords representa as mais nobres tradições da velha Inglaterra, e representa sobre tudo a grande propriedade, que é um importante elemento politico. Pois apesar d'isso tem menos importancia do que a camara dos communs. E porque é isso? É porque a camara dos communs é verdadeiramente eleita pelo paiz, representa a vontade livre dos eleitores, e é a representação exacta e fiel da opinião publica.
É por isso que a camara dos lords tem menos influencia, e que só exerce a sua acção politica nas occasiões excepcionaes em que é necessario impor uma certa e salutar resistencia a algum desvairamento momentaneo da opinião, ou a certa anciã de progresso, ás vezes demasiadamente accelerada.
Nós estamos mais no caso em que estava a França no tempo da restauração, do que no da Inglaterra de hoje.
Mas não é necessario, para provar o que digo, recorrer á historia dos outros paizes, basta que vejamos a nossa.
Porventura não tem sido esta camara que, por mais de uma vez, se tem opposto ás leis demasias do poder? Não é ella que se tem opposto ás leis menos liberaes, ou que tem corrigido as que n'este sentido aqui têem vindo, approvadas pela outra camara?
Quando um governo julgou necessario fazer uma lei repressiva da liberdade de imprensa, essa lei foi approvada pela camara dos deputados, pelos que se dizem representantes0 do povo, mas foi aqui que ella foi corrigida e modificada.
Quando se tratou da desvinculação da terra,, partiu desta camara a iniciativa "& a medida capital. Eis o que lhe dá importancia. E esta importancia e o seu modo de proceder vem-lhe da sua independencia.
E fallaes na hereditariedade? Esta hereditariedade já quasi não existe, não por iniciativa de reforma que viessem da camara popular, mas por duas leis, a de 1855 e a de 1878, da sua propria iniciativa.
Portanto, sr. presidente, o governo illude-se quando imagina que póde viver sem o apoio d'esta camara, e que ella não tem importancia.
O governo, pelos erros que tem commettido, pela maneira por que tem dirigido os negocios, pelo modo por que tem faltado ao cumprimento de todos os artigos do seu programma, perdeu, como eu disse, a confiança publica. É um facto que eu lamento, mas como estou certo disso, não desejo vel-o desapparecer d'aquellas cadeiras, sem chamar a attenção da camara, e sem pedir contas aos ministros de um dos actos mais importantes e mais caracteristicos da sua gerencia. Refiro-me ao inquerito ás secretarias d'estado.
Sr. presidente, este governo fez o que não tinha feito governo nenhum depois que ha governo constitucional neste paiz, e mesmo nos paizes estrangeiros. Este governo abriu devassa sobre os actos dos seus antecessores. Nomeou uma commissão de inquerito para examinar os actos dos ministros que o precederam, e isto com o commentario dos seus jornaes, que diziam que se tinham commettido crimes, roubos e malversações, e nomeando para a commissão de inquerito os redactores d'esses jornaes, accusadores e juizes ao mesmo tempo.
D'esse inquerito appareceram resultados parciaes e insignificantes, e quando se permittiu aos deputados que fos-