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SESSÃO N.° 28 DE 23 DE FEVEREIRO DE 1907 275

que um determinado acto representava a fallencia politica do Governo.

A que vem a indignação do Sr. Conselheiro João Franco contra uma phrase que com inteira justiça pode ser applicada a toda a obra do Governo?

A concentração liberal inscreveu no seu programma duas propostas, que considerou como base fundamental de toda a sua orientação governativa - a da responsabilidade ministerial e a da contabilidade publica.

Eram estas duas propostas aquillo que o Sr. João Franco chamava: um todo.

O projecto que se discute é, portanto a metade d'esse todo.

O Governo não considera esta proposta como um expediente de mo mento.

Considera-a como a base fundamental de um systema destinado a introduzir normas e processos novos na administração publica portugueza.

É um dos seus titulos de gloria esta proposta, e com ella espera o Governo conseguir o desapparecimento de todos os erros, de todos os males de que enferma a governação publica em Portugal.

Se o Governo quizesse fazer alguma cousa de realmente util, confeccionava dois orçamentos; mas n'este sentido um igual ao do anno passado, e ao lado um relatorio, como os que são apresentados ás sociedades anonymas inglesas isto é, meia duzia de paginas, com as alterações para mais e para menos.

O que se torna indispensavel é saber o que tem de se cobrar, e o que tem de se dispender em um determinado anno.

Quando o Parlamento quizer fazei alguma cousa vantajosa, vá ao Ministerio das Obras Publicas, e não auctorize despesa para a construcção de nenhuma estrada nova sem estarem completamente reparadas e concertadas as estradas existentes.

Voltando ao projecto, direi que elle representa um ataque ao Tribunal de Contas.

Referindo-me ao Tribunal de Contas, sinto-me completamente á vontade, porquanto, embora tenha a honra de a elle pertencer, sou um dos seus membros mais humildes e, com certeza, no que vou dizer, estabelecerei apenas um confronto entre o estado actual das cousas e o novo regimen que o projecto do Governo pretende estabelecer.

O Tribunal de Contas é, das poucas estações officiaes portuguezas, uma das que podem considerar-se absolutamente modelares. (Apoiados).

Tem á sua frente um dos nossos mais distinctos funccionarios, o Sr. Ferreira Lobo. (Apoiados). Os serviços são feitos com tal perfeição, que é absolutamente impossivel encontrar-se um erro.

Tem-se dito que o tribunal não exerce a sua fiscalização. É uma asserção inexacta.

O facto de não se dar publicidade a alguns actos evidencia uma grande dose de bom senso.

A proposito, vem a seguinte historia:

Um dia, um funccionario entregou ao fallecido Conselheiro Carrilho uma ordem que vinha do Tribunal de Contas, ponderando-lhe que não estava nos devidos termos.

Carrilho, com o seu olhar penetrante e vivo, olhou para o documento que lhe era apresentado, e limitou-se a dizer: está bem.

Mas, observou-lhe de novo o empregado, falta-lhe o visto.

Carrilho reolhou o documento e retorquiu: «Se não lhe puzeram o visto, é porque não era preciso».

Vamos, porem, ao fundo da questão.

Que é o visto do Tribunal de Contas?

Na reforma de 1898 foi á ultima hora introduzida uma disposição em virtude da qual o Ministro podia, quando o julgasse conveniente, sujeitar as operações ao visto, não antes, mas depois.

Ao Tribunal de Contas só vae o que é simplesmente corrente, ou o que não envolve flagrante illegalidade, mas vae depois. O que envolve illegalidade flagrante não vae.

E quando a administração do Estado se apresenta deante do Parlamento e lhe ousa dizer que faltou ao respeito á lei, já não tem auctoridade nem moralidade para que lhe seja confiada a funcção do visto fiscalizador.

Então um Ministro apresenta-se perante o Parlamento, confessa que a lei de 1898 não foi revogada e não foi cumprida, tendo-se, portanto, atraiçoado a missão do poder legislativo, e quer que lhe confiem a missão fiscalizadora?!

Se é assim que se faz politica nova, se tal conducta é que representa a introducção de principios de extraordinaria moralidade, eu prefiro os Governos passados, porque esses, ao menos, não desacreditavam os seus antecessores. (Apoiados).

Mas, continuando ainda no que diz respeito ao visto, occorre-me perguntar como é que se justificou em 1898 a tão estranha jurisprudencia de que a Direcção Geral da Thesouraria poderia ver-se obrigada a não entregar ao visto previo da estação fiscalizadora determinadas ordens de pagamentos?! Como é que, em 1898, o Parlamento foi illudido e enganado até o ponto de suppor indispensavel o alçapão do visto posthumo? Se o Parlamento não foi enganado, como se deixou sophismar tendo deante de si um principio fundamental?!

A Camara encontra a pag. 110, 112 e 113 do Diario das Sessões da Camara electiva a explicação de tão estranho facto. Dá-a o relator do projecto de lei de 1898, a que me refiro.

Segundo o que disse o relator da lei de 1898, apresentado o principio radidal do visto previo, sobrevieram razões dos technicos internos da Direcção Geral da Thesouraria, os quaes sustentaram como impossivel a applicação completa do visto previo.

Diga-se quaes foram as razões apresentadas, porquanto essas razões foram conhecidas então.

Dizia se que havia operações de credito que necessitavam de solução rapida; que havia de momento determinados supprimentos, os quaes exigiam respostas rapidas; que havia casos em que a Direcção Geral da Thesouraria se via obrigada a realizar uma determinada cobrança financeira sem ter possibilidade sequer de consulta; porque este banqueiro, para aqui; porque assim e porque assado.

Mas sabe a Camara qual era o sophisma infantil em que taes allegações se baseavam? É que no Tribunal de Contas nunca foi, até hoje, documento algum criador de receita, nem criador da divida consolidada, nem criador da divida fluctuante. O que vae ao Tribunal de Contas, aquillo que a legislação portugueza exige que lá vá, não são os documentos de criação de receita, são os documentos de criação de despesa. Não houve emprestimo algum que fosse sujeito ao visto do Tribunal de Contas.

O tribunal tem de pôr o visto em qualquer ordem de pagamento emanada da Direcção Geral da Thesouraria com applicação a uma determinada despesa.

O tribunal não tem que saber se a despesa sae da operação a ou do emprestimo b, se sae do contrato feito no dia 1 ou no dia 2; tem unicamente de saber se a despesa de que se trata está auctorizada por lei.

Repito: o Tribunal de Contas nada tem com a criação de receitas. No exercicio da sua acção fiscalizadora apenas deve conhecer se a despesa que auctoriza é legal.

Tudo o mais, é pura, singela poeira deitada aos olhos dos parlamentares.

A Direcção Geral da Thesouraria, prestada a devida homenagem ao seu chefe, prestada a devida homenagem aos seus funccionarios, que eu admiro pelo seu caracter e intelligencia, está hoje captiva de uma accusação pudica.

A Direcção Geral da Thesouraria