SESSÃO N.° 36 DE 7 DE AGOSTO DE 1908 3
cãs: as duas peças, portanto, ambas originaes.
Vem a proposito, neste ponto, fazer notar á camara um processo de argumentação, perfeitamente desconhecido pelos nossos homens de direito. Na segunda noticia do Seculo declara o autor d'ella, quem quer que elle seja, que o Sr. Julio Dantas recebeu sempre os direitos de autor de adaptação, conforme o disposto no n.° 2.° do artigo 40.° do programma do concurso de adjudicação do theatro.
Ora a primeira representação do Auto de El-Rei Seleuco realizou-se em 24 de março de 1905, como a mesma noticia diz; e o programma do concurso foi publicado em 3 de abril de 1907!
E assim se prova que os direitos de adaptação da peca Rei Seleuco foram sempre recebidos em conformidade do disposto num programma que só foi publicado dois annos depois da representação da peça!
Isto é que os franceses chamam de aplomb!
Sr. Presidente: o Governo tenciona, sobre questões do Theatro D. Maria, ouvir a Procuradoria Geral da Coroa; todavia, parece-me que a Procuradoria Geral da Coroa não terá elementos bastantes para dar um seguro parecer sobre o assunto.
Deveria o Sr. Ministro do Reino, antes d'isso, mandar fazer uma syndicancia á empresa e a todos — é até a propria empresa que a deseja — e enviar depois o resultado d'ella á Procuradoria Geral da Coroa.
Assim ficará a Procuradoria melhor habilitada a dar um seguro parecer, e o nobre Ministro mais seguro tambem para decidir e resolver uma questão que se vae tornando deprimente para um estabelecimento de ensino que não deve perder, para honra de todos nós o nome de Theatro Nacional Português.
O Sr. Eduardo José Coelho: — V. Exa. tem a bondade de dizer-me se uns esclarecimentos que eu pedi pelo Ministerio da Fazenda já vieram?
O Sr. Presidente: — Estão aqui, e vão ser enviados a V. Exa.
O Sr. Ministro da Guerra (Sebastião Telles): — Mando para a mesa uma proposta de accumulação.
Foi approvada e é do teor seguinte:
Senhores.— Na conformidade do disposto no artigo 3.° do 1.° Acto Addicional á Carta Constitucional da Monarchia, o Governo pede á Camara dos Dignos Pares do Reino permissão para que accumule, querendo, o exercicio das suas funcções legislativas com o das suas commissões de serviço o Digno Par Sr. Francisco de Serpa Machado Pimentel, capitão de artilharia, ajudante de campo de Sua Alteza o Senhor Infante D. Affonso, e adjunto na fundição de canhões.
Em 7 de agosto de 1908. = Sebastião Custodio de Sousa Telles.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do projecto de lei relativo á lista civil
O Sr. João Arroyo: — Sr. Presidente: ao tomar a palavra no assunto que neste momento prende a attenção da Camara, qual é o projecto de lei referente á fixação da lista civil, eu não posso deixar de registar, com verdadeiro prazer, que a discussão foi brilhantemente iniciada pelo Digno Par Sr. Ressano Garcia.
Foi evidentemente enorme a satisfação que todos nós experimentámos, pelo regresso de S. Exa. ás lutas da tribuna (Apoiados), onde a sua intelligencia e os seus preclaros dotes parlamentares por certo continuarão a affirmar-se.
Ao Sr. Ressano Garcia seguiu-se o Sr. Presidente do Conselho, e a S. Exa., pela ordem da inscrição, coube a palavra ao Digno Par Sr. Augusto José da Cunha.
Como o discurso d'este Digno Par se compôs em grande parte de declarações de caracter pessoal, nada me compete objectar ao que S. Exa. disse.
A ausencia de referencias ao discurso do Digno Par não importa ou significa menos consideração para com S. Exa., mas eu tenho necessidade de voltar á discussão, nos termos em que a collocou o nobre Presidente do Conselho.
(Vendo entrar na sala o Digno Par o Sr. Augusto José da Cunha).
Acabava eu de dizer que o facto de não fazer referencias ao discurso de V. Exa. não significava por forma, alguma menos consideração para com o Digno Par, e antes demonstrava o respeito que me merecem as declarações por S. Exa. feitas.
Prestada assim a minha homenagem a estes dois illustres oradores, consinta-me a Camara que eu faça algumas referencias ao discurso proferido pelo Sr. Presidente do Conselho, discurso que acompanhou aquelle que havia sido proferido pelo Digno Par o Sr. Ressano Garcia.
O discurso do Sr. Presidente do Conselho teve duas partes.
Na primeira, pronunciada no final de uma sessão, continuou S. Exa. a defender-se de accusações relativas á marcha' politica do Gabinete, ou ao procedimsnto do Ministerio, desde que subiu aos conselhos da Coroa até hoje; na segunda é que S. Exa. se occupou mais particularmente da defesa do projecto.
Devo confessar a V. Exa. que a primeira parte da resposta do Sr. Presidente do Conselho, comquanto não a julgue completamente feliz, não teve em todo o caso o aspecto de desastre que, na minha opinião, revestiu a segunda parte d'esse discurso.
Vou dizer a razão por que assim me parece.
Na primeira d'essas respostas, quem falava era S. Exa.: tratava de cumprir o seu dever justificando, como podia e sabia, a marcha do Gabinete.
S. Exa. referiu-se á dissolução da Camara dos Senhores Deputados, e passou como gato sobre brasas sobre os acontecimentos de 5 de abril; emfim, S. Exa. exhibiu uma attitude perfeitamente consentanea com a alta magistratura que exerce, e com aquelle feitio de chanternidade que lhe é tão peculiar.
Entre a primeira e a segunda parte do discurso do Sr. Presidente do Conselho a differença é enorme, profundissima.
Finda ã sessão em que o Sr. ferreira do Amaral pronunciou a primeira parte do seu discurso, foi S. Exa. cercado de assessores, de conselheiros, de esgaravatadores de argumentos, que, individualmente, não podem deixar de merecer-me toda a consideração, mas que impiedosamente, desastradamente, lhe injectaram no cerebro uma força tal de razões que o levaram a dar á segunda parte da sua oração um feitio absolutamente dissemelhante da sua primeira maneira de falar.
Eu, que nos corredores que circundam esta sala presenciei essas investidas, dominado por um sentimento verdadeiramente altruista, disse logo para commigo: o homem está perdido. (Risos).
Cheio de imparcialidade, tive desejo de subtrahi-lo a essas influencias morbidas; mas a verdade é que não logrei o meu intento, e d'ahi resultou ter S. Exa. apresentado no seu ultimo discurso uma serie de argumentos, a que não posso deixar de fazer referencia.
É natural que no decorrer das minhas considerações em relação ao projecto se me depare ensejo de responder ao Sr. Presidente do Conselho; mas não posso deixar desde já de protestar contra as razões expendidas por S. Exa., quando arguiu de contraditorio o Digno Par Sr. Ressano Garcia, na parte do discurso em que aquelle Digno Par, reconhecendo a absoluta falta de elucidação relativamente á fixação da lista civil, tratou, por meio de estatisticas, de confrontar o que se passa em Portugal a tal respeito, com o que succede nos países estrangeiros.
Não sei onde possa estar a contradição que o Sr. Presidente do Conselho