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10 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

lamento projecto algum fosse apresentado a tal respeito. As importantes quantias que a fazenda da Casa Real cobrou em virtude das suas reclamações ascendem, segundo um mappa official que tenho á mão, á assombrosa somma de l.023:612$160 réis, e tiveram apenas, a autorizá-las, cavilosas disposições, introduzidas nos orçamentos do Estado.

Referentemente á liquidação dos direitos aduaneiros em divida 1, fala apenas o artigo 30.° da lei de receita e despesa, de 13 de maio de 1896, assim concebido:

Artigo 30.º Fica autorizado o Governo para liquidar da firma que julgar mais conveniente os direitos em divida provenientes de despachos feitos na alfandega, em harmonia com os preceitos da portaria de 22 de novembro de 1879, e mais providencias sobre o assunto.

Para notar é que, na epoca em que se introduziu esta disposição, no orçamento, sem que houvesse preceito algum legal que tal acto permittisse, quasi não havia opposição parlamentar.

Não admira, pois, que, dada esta circunstancia, e attenta a subserviencia, para não dizer servilismo monarchico, então já indiscutivel — não admira, repito, que não houvesse no Parlamento quem procurasse adivinhar a charada, relegada para um escaninho orçamental.

Quanto ao pagamento da renda dos predios de que a Casa Real se diz usufrutuaria, exclusivamente se lhe encontra referencia, em termos assaz sibilinos, senão indecifraveis, na alinea a) do § unico do artigo 19.° da lei de receita e despesa de 12 de junho de 1901, o qual estatue:

§ unico. É tambem autorizado o Governo: a) A pagar á Administração da Fazenda da Casa Real a importancia da renda dos predios pertencentes á mesma Casa e que o Estado usufrue para diversos serviços publicos, podendo abrir os creditos especiaes necessarios, nos termos d'esta lei, e sendo a disp sição d'esta alinea declarada de execução permanente.

Como em 1896, cinco annos decorridos, não se respeitam igualmente as praxes e normas legaes2. Exactamente como então, fez-se pharisaicamente orçamentologia, dando ingresso arbitrariamente — e não mediante dispositivo legal — na confusa e emmaranhada lei de receita e despesa, a uma autorização, demais de execução permanente, e de pauperante do Thesouro, bastante combalido por outras sangrias de identica procedencia.

Ninguem deu com a decifração do enygma, a qual só em 1907 appareceu a publico, como uma modalidade dos adeantamentos e desvios, pouco antes denunciados, pelo Presidente do Conselho da epoca, na Camara Electiva.

Tudo isto é inaudito, exautorante, simplesmente vergonhoso.

Mas não se fica desgraçadamente por aqui. Outros documentos me foram fornecidos pelo Ministerio da Fazenda, e que, comquanto incompletos, demonstram superabundantemente a que extremos conduzem a condescendencia ao requinte, para com os poderosos e os dominantes. Referem-se elles aos adeantamentos illegaes e merecem, a despeito das suas omissões e deficiencias, que adeante mencionarei., ser ponderados com toda a minucia e circunspecção, a começar pelo concomitante officio de remessa, com a data de 28 de julho derradeiro, e que assim se expressa na sua parte substancial, especializando os documentos enviados:

1.° Nota dos adeantamentos feitos á Casa Real conforme os despachos já enviados por copia á commissão parlamentar de exame da administração do anterior reinado, cumprindo-me acrescentar que as operações designadas na primeira parte da nota até julho de 1894 já foram todas liquidadas e o Thesouro reembolsado directamente e por encontro das sommas adeantadas, e que todos os adeantamentos foram escriturados no livro de operações de thesouraria sob a rubrica de adeantamentos pelo Ministerio da Fazenda.

2.° Copia das portarias ao Banco de Portugal sobre o emprestimo ali contratado pela administração da Fazenda Real.

Do que fica exposto conclue-se:

1.° Que razão tinha eu, quando reclamava documentos, cujo envio á commissão de inquerito não podia obstar a que elles me fossem mandados igualmente. Os factos estão comprovando essa minha asserção, e a abstenção, no caso sujeito, por parte de alguns Ministros, patenteia simplesmente quanto elles estão divorciados do cumprimento dos seus deveres, nesse seu repugnante papel de encobridores de erros maiusculos, e de delictos e de crimes incontroversos.

2.° Que não é correcta a affirmativa, sem associados elementos comprovativos, de que as operações designadas na primeira parte da nota até julho de 1904 já foram todas liquidadas, e o Thesouro reembolsado directamente, por encontro das sommas adeantadas. O interesse todo da questão estaria em que se tivesse fundamentado, com a nitida descrição dos euccessos occorridos, esse ajustamento de contas. Não é, por certo, o lançamento dos adeantamentos illegaes, no livro negro das operações de thesouraria, que purificara tão suspeita deficiencia.

3.° Referentemente ás duas portarias sobre o emprestimo contrahido no Banco de Portugal, adeante a ellas me referirei, no sentido de esclarecer as duvidas que ellas insinuam.

Na vasta nota official dos adeantamentos feitos á Casa Real, durante o reinado do Rei D. Carlos, ha-os de duas especies: — os liquidados e os que estão por liquidar 1.

Os primeiros elevam-se a 276 contos de réis. Parallelamente com o seu registo, está a discriminação, por verbas e datas, dos despachos autorizantes, cujos signatarios são igualmente especificados. Não transparece, porem, meia palavra, sequer, acêrca das operações liquidatarias. Sigillo completo, inilludivelmente comdemnatorio de quem o cultiva!...

Os confessados adeantamentos por liquidar, e que ascendem a 771:715$700 réis, são tambem firmados pelos adeantadores, e a sua concatenação obedece á mesma incompleta destrinça dos liquidados.

Pagos, na sua grande maioria, em moeda estrangeira, esta circunstancia denuncia para onde elles foram canalizados, e o seu airado objectivo.

A sua totalidade é identica á que foi apurada pela ominosa ditadura franquista, no seu decreto de 30 de agosto de 1907. Em arithmetica, como em tudo mais, os rotativos e os acalmadores estão lendo pelo mesmo compendio que o Ministerio antecedente. Entendem-se á maravilha.

Não sendo possivel aos membros do Parlamento devassar, com plenos poderes inquiridores, os escuros meandros do Ministerio da Fazenda, a conformidade revelada não pode encontrar inteiro credito. Pelo contrario, sara alvo de bem fundadas suspeições.

A reserva inadmissivel do Governo, a qual mais suspeita se torna por elle dar apenas ao manifesto um entre tantos adeantados, constituo uma arma de dois gumes, com um dos quaes elle fere o Pais, que tem direito a amplamente investigar, por delegação conferida aos seus mandatarios, os até hoje inconquistaveis reductos burocraticos, a fim de que seja conhecida a verdade, toda a verdade.

Com o outro gume, hão de ser feridos de morte os rotativos e acalmadores, com pouca ou nenhuma sobrevivencia do regime que, attentos os tempos que vão deslisando, não encontra, sem a menor duvida, refrigerio no embuste, com que procuram ampará-lo os seus parasitarios servidores.

Relativamente á futura liquidação dos adeantamentos da segunda serie, nada transpira no arrolamento official. Julga-se, porventura, d'isso exonerado

1 Veja-se adeante o documento n.º 4.

1 Veja-se adeante o documento n. 9.

2 Vejam se adeante os documentos n.ºs 5, 6, 7 e 8.