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SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 9

tudo dizer que a importancia .das reclamações feitas pela administração da Casa Real monta a 145:494$198 réis, e a do debito da Alfandega de Lisboa por direitos de objectos recebidos desde o anno de 1855 até 1879 é de 51:677$647 réis; d'esta ultima epoca em deante a mesma administração tem mandado pagar os direitos na alfandega, dos generos despachados.

A contestação entre as duas partes continuou a arrastar-se até 1895, em que Hintze Ribeiro lhe pôs termo clandestinamente, pelo seu despacho de 27 de fevereiro d'esse anno.

As peripecias a que ella deu margem, simultaneamente com a exigencia do pagamento das pendas de diversos predios, arteira e abusivamonte autorizado pela alinea a) do § unico do artigo 19.° da lei de receita e despesa, de 12 de junho de 1901, constam de extensa correspondencia, cuja leitura escandaliza, sem a menor duvida, mesmo os mais desprendidos das normas triviaes do aprumo, do decoro e da compostura.

A essa correspondencia vou laconi-camente referir-me, reservando me para d'ella dar a lume, nos Annaes, algumas das suas peças mais suggestivas, das vinte e uma que a compõem.

Vão falar, portanto, os edificantes documentos officiaes.

Como proemio das minhas observações, notarei que dos esclarecimentos a que vou agora referir-me, já fez uso o Digno Par Ressano Garcia, dando-lhe realce tão burilado, por assim dizer, tão manuelino, que me faria marear com differente bussola, se não existissem outros motivos, para lhes imprimir, de facto, diversa feição critica. De resto, o campo é tão vasto que todos lá cabemos a forragear, sem nos acotovelarmos.

Feita esta advertencia, vou entrar, sem delongas, na materia.

Segundo o officio de. 29 de outubro de 18941, assinado por Pedro Victor da Costa Sequeira, administrador da fazenda da Casa Real, as reclamações perante 'o Thesouro constituiam dois grupos. No primeiro, estavam comprehendidas as reclamações constantes dos officios da mesma administração, de 23 de dezembro de 1879,° de Õ de janeiro, de 27 de abril e de 7 e 11 de maio de 1880, e de 25 de maio de 1881.

Essas reclamações, por assim dizer, prehistoricas, teem a sua origem no decreto de 19 de dezembro de 1834, respeitante á dotação da Senhora D. Maria II, que não foi paga a começar da sua ascensão ao throno, e sim da data do decreto dotal.

Este primeiro periodo fecha em 1880, com um officio do Conselheiro Nazareth, que foi quem encetou as reclamações dirigidas pela Fazenda Real ao Thesouro Português, e cuja importancia, no indigitado periodo, ascende, conforme já registei, e apenas com differenca de tostões, a 1.45:994$190 réis.

As posteriores reclamações, explanadas no alludido officio de 29 de outubro de 1894, teem por objectivo a exigencia de rendas, por differentes predios, pretensas propriedades da Coroa, na posse do Estado, em consequencia da cedencia gratuita d'elles feita a começar pela Senhora D. Maria II, em beneficio de varios serviços publicos.

As sete propriedades — tantas quantos os peccados mortaes — para as quaes a Fazenda Real, no anterior reinado, reclamava pertinazmente o onus do arrendamento, em seu proveito, com atrasados de reinados precedentes, eram:

O edificio em que está installado o regimento de cavallaria 4, pateo da Nora e pateo das Zebras;

O edificio da Escola do Exercito e suas dependencias;

Edificio do Instituto Agricola e suas dependencias;

Parte do edificio de Mafra occupado pela Escola Pratica de Infantaria, e suas dependencias;

Reaes cavallariças de Belem;

Edificações isoladas do real palacio de Queluz;

E terras do Desembargador.

Concernentemente ás terras do De sembargador, houve contestação entre a administração da Real Fazenda e o Governo, o qual naturalmente capitulou, apesar de o perito por elle nomeado, para proceder ás competentes avaliações, protestar contra tão estranha pretensão, no seguinte officio:

Illmo. e Exmo. Sr.— Em additamento ao officio que acompanhou o auto de avaliação de varios predios que constituem apanagio da Coroa, cumpre-me informar a V. Exa. que as terras denominadas "Do Desembargador» se acham ha mais de 40 annos na posse efectiva do Ministerio da Guerra, como se pode ver no processo existente na 4.ª repartição d'aquella Secretaria de Estado, de que tive a honra de ser chefe.

Deus guarde a V. Exa. a lllmo. Exmo. Sr. Conselheiro Director Geral da Contabilidade Publica. = José Alves Pimenta de Avellar Machado.

A Administração da Fazenda da Casa Real foi, todavia, inexoravel, Desempoeirou dos archivos da Torre do Tombo um bolorento attestado, cuja idoneidade, quando mesmo fosse impeccavel, ficaria prejudicada com a posse ininterrupta de quarenta annos, por parte do Ministerio da Guerra, das Terras, cuja renda annual foi, por fim, arbitrada em 423$SõO réis, pouco depois embolsada, e seus atrasados.

O Governo, repito, tinha-se submetido, perante a voraz teimosia da Administração da Fazenda Real, que conseguiu cobrar as rendas dos sete predios, com os seus atrasados, insisto, os quaes, por exemplo com respeito á Bem-posta, a contar da morte da Senhora P. Maria. II!!!

Parece mentira, mas não é. É a triste realidade.

Com analoga largueza de animo á da Senhora D. Maria II, se conduziram, na materia sujeita, D. Pedro V e D. Luiz. Apenas D. Carlos se afastou d'esses desinteressados preceitos tradicionaes, com infracção manifesta do artigo 85.° da Carta-Constituicional, que convem mais uma vez relembrar:

Artigo 85.º Os palacios e terrenos reaes, que têem sido até agora possuidos pelo Rei, ficarão pertencendo aos seus successores, e as Côrtes cuidarão nas acquisições e construcções que julgarem convenientes para decencia e recreio do Rei.

Afigura-se-me que a exigencia de rendas e de atrasados mais ou menos ficticios, por parte do usufrutuario, ao Estado, dono das propriedades, nada tem que ver, consoante antecedentemente consignei, com o recreio do Rei, nem tão pouco com a decencia, recommendados no invocado artigo 85.° do codigo fundamental da Monarchia.

Não obstante o que fica exposto, as hodiernas reclamações ascenderam a 508:698$998 réis, que addicionados 303 145:994$190 réis, provenientes das reclamações antigas, perfazem a elevada somma de 604:693$188 réis.

Mas não ficaram por aqui as pretensões da Administração da Casa Real, a qual se julgou devidamente habilitada ao abono de 150:994$i 90 réis — elevados ulteriormente a 324 coutos de réis - por encontro nos direitos de objectos despachados nas alfandegas, para serviço da mesma casa.

A commissão criada em 22 de dezembro de 1879, e reconstituida por decreto de 28 de junho de 1894. entendeu suficientemente justificadas, na sua grande maioria, as verbas adduzidas, d'ellas eliminando apenas 20:633$457 réis.

A commissão, que era composta de Antonio Emilio Correia de Sá Brandão, Antonio Pereira Carrilho e Luiz Augusto Perestrello Vasconcellos, concluia o seu relatorio, que tem a data de 21 de fevereiro de 1895, emittindo o parecer de que devia submetter-se á apreciação do Parlamento a proposta de lei necessaria para satisfazer á Casa Real o saldo das contas entre a mesma Casa e o Thesouro2.

Com esse alvitre se conformou Hintze Ribeiro, então Ministro da Fazenda, por despacho de 27 d'esse mesmo mês e anno, ò que não impediu que ao Par-

1 Veja-se adeante o documento n.° 2.
2 Veja-se adeante o documento n.° 3.
1 Veja-se adeante o documento n.° 1