SESSÃO N.° 37 DE 8 DE AGOSTO DE 1908 17
Mas não se pensou em tal e com tão exiguo imposto animou-se a industria estrangeira em detrimento da nossa, isto é, permittiu-se que se aggravasse a situação do pescador. Os lucros obtidos por esses vapores de pesca estrangeiros foram fabulosos, o que se demonstra pela seguinte estatistica e que exclue todo e qualquer commentario.
Em 1904 descarregaram esses vapores em Lisboa 70 toneladas de peixe no valor de 7:248$000 réis. Entrou depois a devastação no periodo critico 5 o peixe era arrancado á força das costas portuguesas pelo rrrasto destruidor; com imposto tão favoravel, num litoral rico em pesca para semelhante systema embora pobre para o trabalho dos nossos pescadores, só com o fim de extenuarem essa mina e depois praticarem a devastação em ou rãs costas, os proprietarios dos vapores estrangeiros aproveitaram com as maximas vantagens a situação que se lhes offerecia. Assim, em 19U5 descarregaram toneladas de peixe, em Lisboa e Porto 3:790, no valor de 331 contos de réis; em 1906, nos mesmos portos, descarregaram 8:645, no valor de 657 contos e réis; em 1907, em Lisboa e Porto, 8:618 toneladas, no valor de 523 contos de réis. Total, 21:115 toneladas de peixe, no valor de 1.583:480$000 réis.
Era natural que os trabalhadores do mar reagissem quando os vapores estrangeiros emprehenderam a sua obra destruidora e aos seus protestos respondeu com propostas que se apresentaram nesse sentido no Parlamento, mas que nem sequer foram discutidas.
Iniciou-se então com ardor o movimento da classe piscatoria na organização da sua defesa, pacifica, mas bem ordenada e persistente, destacando-se então vultos de valor no nosso meio social e propagandista, que concorreram espontaneamente com o seu auxilio para pugnarem pela causa dos trabalhadores do mar. Pode assim dizer-se que foi notavel a Conferencia Nacional dos Trabalhadores Maritimos e Fluviaes, realizada em Vianna do Castello, em novembro de 1905.
A questão em evidencia foi proficuamente discutida, resultando d'essa conferencia, a que assistiram milhares de individuos, especialmente da classe piscatoria, decisões importantes e que mais tarde muito uteis se tornaram para se iniciar a agremiação d'esses trabalhadores honrados mas infelizes.
Em novembro de 1906 realizava-se em Cezimbra um importante comicio de protesto contra a pesca de arrasto, especialmente áquella praticada pelas redes rebocadas pelos vapores, sendo esse movimento iniciado pela camara da laboriosa villa, achando-se nelle representadas as classes maritima, operaria, industrial e commercial.
Dois dias depois, tornando-se notada a effervescencia entre a classe piscatoria e a que o movimento de Cezimbra dava realce, o distincto official da armada Sr. Pereira de Mattos, numa conferencia realizada na Liga Naval, expendia, depois de varias considerações, a seguinte opinião :
«O que adio razoavel é pedir se uma forte, contribuição para o peixe pescado por vapores, melhorando assim a situação da classe piscatoria de todo o país, que vive na peor das situações»,
Foi determinado nesse comicio, por iniciativa da digna Camara Municipal de Cezimbra, que as camaras municipaes dos concelhos do país que vivem da industria da pesca adherissem ou se fizessem representar numa reunião realizada em Lisboa. Fizeram-se representar nessa reunião trinta e um concelhos do país. Nas reuniões por essa occasião realizadas na sede da Liga Naval, resolveu-se pedir ao Chefe do Estado e ao Parlamento contra a pesca de arrasto, e tres mil pescadores, commissionados das varias regiões piscatorias, e em nome de mais de quarenta mil camaradas, acompanharam ao Parlamento a commissão portadora da representação.
Foi imponente essa manifestação em que milhares de trabalhadores se juntaram na defesa da causa commum, esperançados de que fossem attendidos na sua justa pretensão. Demais, nas reuniões que precederam a entrega da representação, oradores dos mais autorizados na discussão do assunto os apoiaram ferverosamente e, tendo tambem sido aproveitado nessa occasião o ensejo de consultar o Sr. Alberto Girard sobre a momentosa questão pendente, em uma carta respondeu o illustre naturalista que já em congressos internacionaes de pesca votara pelo alargamento das aguas territoriaes de cada país para effeitos da pesca.
As reclamações foram, diga-se a verdade, mais uma vez attendidas, mas as providencias decretadas nem serviram de palliativo para a calamidade que feria e ainda fere a numerosa classe piscatoria. No projecto apresentado faltava o 'imposto lançado sobre o peixe dos vapor s estrangeiros, ideia já apoiada por outros Ministros, como os Srs. Rodrigo Pequito e Moreira Junior, que nas suas propostas de lei sobre a questão da pesca, consignavam a necessidade de elevar esse imposto a 100 réis, decerto um dos meios mais efficazes para proteger os nossos pescadores, que são em grande numero num litoral onde o peixe não abunda, havendo mesmo em certas zonas periodos de verdadeira escassez.
São sem duvida importantes e de largo alcance as propostas ultimamente apresentadas ás Côrtes pelos Srs. Ministros da Fazenda e dos Estrangeiros. Mas infelizmente nellas vimos que foi esquecida a protecção ao pescador, embora mencionada no Discurso da Cora.
Assim, o imposto do bacalhau foi elevado a 40 réis o kilogramma, emquanto o peixe fresco importado continua a pagar simplesmente 10 réis de imposto.
Todas as nações tributam o peixe importado.
A França e a Espanha impõem pesado imposto ao peixe vindo do estrangeiro e estão adoptando importantes medidas que teem por fim salvaguardar os interesses dos pescadores, e a Allemanha tambem não deixa de proteger o mais efficazmente possivel os seus trabalhadores do mar; assim prohibiu a pesca aos estrangeiros nas suas aguas jurisdicionaes e declarou que a presença de um barco de pesca estrangeiro nas suas aguas, mesmo que não esteja pescando, é considerado como exercendo a pesca e sujeito a multas pesadas e maior castigo, havendo reincidencia.
A Convenção de 6 de maio de 1892, assinada na Haya entre a Allemanha, Belgica, Dinamarca, França e Inglaterra, estabelece: (artigo 2.°):
«Os pescadores nacionaes gozarão do direito exclusivo de pesca na zona maritima ao longo de toda a extensão das costas do seu respectivo país, bem como das ilhas e baixos d'ella dependentes».
A lei francesa estabelece a destruição de redes e apparelhos considerados nocivos. Finalmente todas as nações garantem ao pescador a mais efficaz protecção; o pescador português debalde se esforça para que essa protecção lhe seja concedida. O imposto sobre o peixe fresco estrangeiro é uma das medidas que de ha muito os pescadores desejam decretada. Opiniões autorizadas são a favor d'essa medida, como as dos dignos ex-Ministros Srs. Kaphael Gorjão, Moreira Junior e Rodrigo Pequito, que justificou a proposta de elevação a 100 réis do imposto sobre peixe estrangeiro, affirmando basear-se na grande necessidade de proteger a industria da pesca nacional come meio de defesa contra uma concorrencia que pode arruinar uma importante industria a que se dedica a nossa população maritima.
Este aumento de 100 réis sobre os direitos de peixe estrangeiro como defesa relativa contra essas machinas devastadoras, que por onde passam tudo destroem, com o fim de em pouco tempo avultarem capitães já de si avultados; a renovação do limite de pesca nas nossas aguas por esses vapores estrangeiros; a obrigação de os vapores de pesca nacionaes não pescarem nas nossas costas. É-lhes facultativa e facil a exploração nas aguas adjacentes ás aguas portuguesas, as costas africanas, abundantes em pescado e onde esses barcos podem manobrar sem que se possa allegar o defeito da sua pequena tonelagem.
É o que seria conveniente, visto a impossibilidade de acabar com essas empresas por terem capitães importantes nellas empregados, convindo ainda que no numero de vapores que possuem, esse numero lhes seja prohibido exceder.
Finalmente, que se criem escolas de habilitação profissional.
Eis em resumo o appello que os pescadores do Pais, classe de cincoenta mil individuos e quasi outras tantas familias, dirigem aos dignos Deputados da Nação Portuguesa, confiados no seu altruismo e na convicção que a sua razão será justa e a sua voz se levantará, pugnando pela causa d'esses milhares de trabalhadores sobre quem pesa a desgraça e a miseria que. os poderes publicos podem consideravelmente attenuar e já poderiam ter attenuado.
Lisboa, Secretaria da União, 7 de agosto de 1908. = O Conselho Central, José Maria de Oliveira Franco = Antonio de Oliveira Ourives — Joaquim Gomes Remelgado = Antonio Graciano Marques = Joaquim Thomaz José Ribeiro.
Illmo. e Exmos. Srs. Dignos Pares e Senhores Deputados da Nação Portuguesa. — Os abaixo assinados, interessados, como fabricantes e operarios, na industria rolheira, vêem mui respeitosamente perante V. Exas, como legitimos e dignos representantes do povo, fazer a seguinte representação:
É notorio que a fabricação de rolhas em Portugal tende a diminuir, porque, sendo exportadas em pranchas quasi todas as cortiças, deixa assim de laborar-ee dentro do Pais um dos seus principaes productos, com o grave inconveniente de lutar quasi constantemente com crise de trabalho uma das mais importantes e numerosas classes operarias.
O actual systema de contribuição industrial impede o natural desenvolvimento da laboracão das cortiças, pois que, sendo lançada pelo numero de operarios que se empregam, leva os industriaes a limitar o mais possivel o seu pessoal, preferindo a exportação de cortiças em prancha á fabricação de rolhas.
Ora isto é manifestamente contrario aos verdadeiros interesses do Pais, E um systema antiquado e contraproducente, visto sobretudo tratar-se de um producto nacional que, fabricado, se traduz num artigo de larga exportação.
Caso se tratasse da fabricação de materias primas de origem nacional ou estrangeira para consumo dos productos dentro do Pais, ainda se poderia defender o systema, porque, se a manufactura é sujeita a um imposto segundo o numero de braços empregados, a in-industria é compensada pela protecção que recebe da pauta aduaneira sobre os productos de origem estrangeira já fabricados. No