DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 355
réis e o rendimento liquido da rede, tendo a companhia gasto 2.300:000$000 réis.
Póde sem duvida objectar-se que o rendimento liquido ha de crescer progressivamente quando se ligar a rede do sul do Tejo com as linhas de leste e di Huelva, e que a linha do Algarve não dará aquella perda, no principio da exploração, e que a dará muito menor do que os 70:000$000 réis noticiados.
Mas, sem discutir estas vantagens, cuja realisação muito desejo, o que posso dizer é que o deficit é de tal marca, e tão largo o praso em que elle se exerce, que haverá logar a intervenção benéfica de todas as modificações melhoradoras, mas tambem para serias apprehensões que devem afugentar os concorrentes.
Differente seria se a par d’este onus houvesse no projecto concessões de terrenos marginaes, disposições tendentes a promover a colonisação n’estes terrenos, privilegios para crear e desenvolver rapidamente a industria e a agricultura, em summa a previsão de um movimento extraordinario de passageiros e de mercadorias. Mas o que apparece é simplesmente uma construcção e uma exploração de linhas, que certamente não darão lucro durante um a serie de annos não pequena, e que provavelmente darão perda consideravel.
Nem os precedentes havidos até agora nos auctorisam a crer que se apresentem concorrentes.
A companhia real dos caminhos de ferro portuguezes tem perdido o seu capital, porque ha perto de quinze annos que não paga juro das suas acções.
A companhia dos caminhos de ferro do norte, apesar de ter recebido 2.700:000$000 réis em 1869, contra a disposição expressa do artigo 15.° do contrato de 14 de outubro de 1865, contra as do decreto de rescisão de 23 de maio de 1866, e da sentença do tribunal arbitral em 10 de novembro de 1866, pouco satisfeita ficou, segundo me consta.
É talvez pelo effeito que estes factos devem ter produzido lá fóra, que nos concursos que successivamente se abriram para a adjudicação do caminho de ferro da Beira Alta appareceram exigencias de subvenção de 27:000$000 e de 28:000$000 réis, e entretanto tratava-se de uma região populosa, rica e productiva, completamente differente das provincias do sul de Portugal.
Por todas estas rasões parece-me que nenhuma empreza se apresentará a este concurso cuja abertura é, portanto, inutil.
Mas se alguma concorrer, ou ella será inepta e se arruinará consumindo-se em esforços estereis para si e para nós: ora nunca este paiz quiz nem quererá contribuir scientemente para a ruina de ninguem, como bem o prova o decreto de 10 de março de 1869; ou então contará com recursos extraordinarios, cujo alcance não posso medir: ou calculará, talvez, a exemplo da companhia dos caminhos de ferro portuguezes, que poderá attenuar o seu deficit ou augmentar o seu lucro á custa da bondade do serviço de exploração; ou poderá mesmo ser um jogo de bolsa, legitimo talvez para os capitalistas que o tentarem, mas ao qual me parece que o estado se não deve associar.
Em todos os casos, tenho diante de mim o desconhecido, e por isso tenho receios — receio de ver adiar para, Deus sabe quando, o acabamento da nossa rede do sul do Tejo.
Todos conhecem perfeitamente os meios que as emprezas d’esta ordem costumam empregar para alcançarem adiamentos successivos e quasi indefinidos, e portanto escusado é entrar em detalhes de historia. Receio da pressão que a empreza desilludida possa exercer sobre qualquer governo d’este paiz, o que não seria caso novo, mas simples repetição da desastrosa campanha de 1866 até 1869, cujas circumstancias nenhum dos dignos pares ignora.
Receio, finalmente, de ver no caso que a muitos pareceria o melhor e que seria o da realisação d’este projecto, a nossa viação acelerada constituindo monopolio de companhias poderosas, que, infalivelmente, se uniriam em defeza de seus proprios interesses ainda quando o paiz tenha que soffrer com a satisfação d’elles.
Tendo assim exposto as minhas duvidas e os meus receios, não concluirei sem confirmar o que em principio disse relativamente á confiança que me merece o actual governo.
Sr. presidente, li no Diario da camara dos senhores deputados, que o nobre ministro das obras publicas dissera, em sessão de 26 do mez passado, que, se não apparecesse concorrente algum á adjudicação de que se trata, o governo apresentaria na proxima sessão legislativa uma proposta com o fim de dotar o estado com os meios necessarios para acabar promptamente a rede dos caminhos de ferro do sul do Tejo. Pois eu comprazo-me em declarar que, se o meu amigo o sr. Lourenço de Carvalho, em vez de a adiar para d’aqui a um anno, quizesse apresentar hoje uma proposta n’este sentido, eu daria a s. exa. o mais franco e decidido apoio, sentindo-me com forças bastantes para provar a esta camara; 1.°, que o estado póde levantar o capital necessario para o prompto acabamento da rede, sobre a base do rendimento liquido já existente, note bem a camara, sem complicar por fórma alguma as transacções analogas relativas aos caminhos de ferro do Minho e do Douro e ao da Beira Alta, cuja construcção foi ha pouco approvada; 2.°, que longe de haver déficit a preencher haveria lucro directo sempre crescente alem do beneficio indirecto do paiz e do thesouro, que a exploração por conta do estado promoveria por fórma muito mais certa e efficaz do que sendo ella confiada a uma companhia.
É quanto me cabe dizer n’esta occasião.
Leu-se na mesa o seguinte officio.
Um officio do ministerio das obras publicas, remettendo os documentos pedidos pelo digno par visconde de Bivar, ácerca do caminho de ferro do Algarve.
Para a secretaria.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. conde de Cavalleiros.
O sr. Conde de Cavalleiros: — Uma vez que o nobre relator da commissão tambem pediu a palavra, desejava ma concedesse depois de eu ouvir o digno par.
O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. D. Affonso de Serpa.
O sr. D. Affonso de Serpa (relator): — Sr. presidente e a primeira vez que tenho a honra de fallar n’esta casa, não admira, portanto, que eu sinta em mim um certo receio respeitoso ao levantar pela primeira vez a minha voz n’esta assembléa tão illustre, tão illustrada e a todos os respeitos tão digna de consideração. Vejo diante de mim muitos dos homens mais notaveis do meu paiz. É natural por isso o meu acanhamento, e não menos natural a convicção em que estou da pouca ou nenhuma auctoridade que a minha voz póde ter n’esta camara.
Em todo o caso, não posso nem quero eximir-me á obrigação que me impõe a honra que me fizeram as commissões de fazenda e obras publicas nomeando-me para relator do sou parecer sobre este projecto.
Ha inda uma circumstancia, sr. presidente, que me torna muito difficil o eu fallar hoje n’esta casa. Existem aqui apenas dois engenheiros civis, o meu collega o sr. Jayme Larcher, e eu, e é exactamente esse collega que vem levantar-se e fallar contra o projecto; é esse collega, tão distincto e de um merito tão reconhecido, que eu tenho de combater, e de quem tenho de me defender.
E tão modesta a minha posição, são tão pequenos os meus conhecimentos e a minha illustração com relação a qualquer dos membros d’esta casa, que me sinto acanhado; mas quanto maior é a distancia que me separa de s. exa., tanto mais direito eu julgo ter á sua benevolencia, benevolencia que esta casa nunca negou a ninguem, de que eu muito careço, e com a qual conto.
Sr. presidente, as opiniões do sr. Jayme Larcher, meu distincto collega e meu amigo, são perfeitamente conheci-