SESSÃO N.° 44 DE 19 DE AGOSTO DE 1908 5
Foi por isso que S. Exa. foi chamado ao poder; não foi porque outros, desconhecendo as altas responsabilidades que em momentos difficeis lhes impõe a sua larga vida publica, o recusassem fugindo. Isso não.
Abnegação pode ter havido, fraqueza não houve decerto. (Apoiados).
Comprehendia-se que outros chefes de Governo, chamados a organizar situações de concentração ou extra-partidarias, tivessem dito, que o foram porque nenhum dos dois grandes partidos historicos podia governar, e porque eram grandes as difficuldades que então assoberbavam o país.
Em 1890, por exemplo, foi chamado João Chrysostomo, porque então não podiam tomar as redeas do Governo, nem o partido regenerador nem o partido progressista. Nessa occasião o partido progressista não podia constituir Governo, porque tinha sido fulminado pelo ultimatum de 31 de janeiro.
O partido regenerador, tambem não, porque o contrato de 14 de agosto, violentamente impugnado por todo o país, fora condemnado na sessão de l5 de setembro.
O velho e honrado estadista que foi incumbido de organizar Gabinete é que poderia dizer então que fôra chamado ao poder para resolver difficuldades, que os outros estavam politicamente impossibilitados de dirimir. E com effeito, esse e o Ministerio seguinte, de que eu fiz parte, ainda sob a sua presidencia, lá foi procedendo como pode, arrastando uma vida ingloriosa, sempre ligado na sua curta existencia ás difficuldades do tratado, atravessando um periodo de luta e de impopularidade.
Em identicas circunstancias se organizou o Gabinete sob a presidencia de Dias Ferreira. Os partidos tambem então não podiam governar. Tinham a grande responsabilidade da crise financeira que os esmagava. Dias Ferreira foi investido na Presidencia do Conselho, e embora elle adorasse o favor popular, mostrou-se um grande homem de Estado, porque sacrificou pelo bem do país a principal aspiração do seu espirito, e não teve duvida em publicar a lei odiosa da salvação publica, nem em propor o aumento do imposto do consumo.
Esses dois Ministerios sim, esses foram constituidos para resolver difficuldades, com as quaes não podia arrostar nenhum dos dois grandes partidos historicos.
Mas o Governo do Sr. Amaral entrou favorecido pela sympathia publica, assim tem continuado na sua carreira triumphal e, gloriosamente, hade sair do poder.
Justo me parece ter sido o meu sentimento por ter ouvido dizer a S. Exa.
que fôra chamado á falta de homens, e em occasião tão difficil que todos rejeitavam o poder.
Pretendentes ao poder não os conheço, mas, se existem, não é certamente porque queiram aproveitar-se das vantagens actuaes, laboriosamente adquiridas pelo Sr. Presidente do Conselho.
Conserve se S. Exa. no poder o tempo que quiser. Tem, por emquanto o apoio dos dois partidos, mas não precisa seguramente S. Exa., para que todos prestem a homenagem devida aos seus serviços, empregar, embora pelas necessidades da defesa, qualquer palavra que deixe mal collocados aquelles que são o seu principal apoio.
Desculpe-me o nobre Presidente do Conselho estas palavras, que não deixam de ser amigaveis, mas eu não podia deixar de dizer isto, sob pena de faltar ao que supponho, bem ou mal, una dever para com o meu partido. O primeiro acto de importancia politica que eu pratiquei como chefe, foi em 2 de fevereiro. Suppus ter sido um acto de abnegação em favor do Throno, e custa-me realmente que alguem supponha que foi, pelo contrario, um acto de egoismo ou de timidez.
Se eu fosse susceptivel de me assustar em face das difficuldades do Governo, não teria acceitado a direcção de um partido.
Na luta travada entre o Digno Par o Sr. Pimentel Pinto e S. Exa.? que bem parecia uma luta entre as tropas de mar e terra, despediu S. Exa. uma granada, cujos estilhaços feriram alguns dos que eram simples espectadores do combate.
O Sr. Pimentel Pinto: - A mim não me feriu. Não era para mim, que eu não ambiciono esses logares. Podia ser para V. Exa.
O Orador: - Não feriu a V. Exa., mas a mim tocou me, e bem o entendeu o Sr. Teixeira de Sousa em não deixar sem resposta as palavras do Sr. Presidente do Conselho.
E, Sr. Presidente, do politica o menos possivel. O que acabo de dizer não altera em nada o absoluto e completo apoio que continuo a dar ao Sr. Presidente do Conselho e ao seu Governo, emquanto, como até aqui, desempenharem nobremente a sua missão.
Sei, e já o declarou, com inteira verdade, o Sr. Presidente do Conselho, que tem experimentado algumas difficuldades em manter a harmonia necessaria, sobretudo nas provincias, entre as duas familias politicas que por largo tempo se conservaram se paradas e em lutas Constantes e renhidas. É certo, mas reconheço que neste ponto tenho encontrado sempre a melhor boa vontade da parte de S. Exa.
Presto lhe esta homenagem e faço votos para que S. Exa. continue a empregar todos os seus esforços para manter essa harmonia, que se porventura tem sido ligeiramente alterada, não é certamente por culpa do Sr. Presidente do Conselho.
E agora, pondo de parte a politica, vamos á discussão do projecto.
Encetou o debate, embora tivesse falado antes da ordem do dia, o Digno Par Sr. Jacinto Candido, e, comquanto S. Exa. não esteja presente, as suas palavras, o seu modo de considerar o assunto que se discute, ficaram sujeitos á nossa apreciação.
Dá-se, Sr. Presidente, em materia parlamentar, o mesmo caso que se realizava algumas vezes na jurisprudencia romana. Tem aqui applicação o direito de postliminio, pelo qual se afigurava que uma pessoa, posto que ausente, se conservava atrás da porta.
Esta ficção da velha jurisprudencia classica tem plena acceitação nas nossas lutas parlamentares. A pessoa parlamentar do orador é representada pelas suas opiniões, e essas estão presentes, desde que uma vez appareceram, para a defesa ou para a impugnação. Exige-se apenas a fidelidade da reproducção, e essa é um preceito rudimentar para quem lealmente discute.
O Digno Par começou o seu discurso atacando este projecto por inconstitucional, com o, principal argumento de que tem effeito retroactivo o que se manifestava principalmente no artigo 5.°, que pretende regular a questão dos adeantamentos, que é uma questão passada; que esse effeito é evidente, porque as suas disposições se referem a factos já consuminados, e inteiramente resolvidos.
Não me parece exacto, salvo a consideração que devo ao Digno Par.
O projecto não vem regular a maneira do se fazerem adeantamentos; regula uma questão que ainda não está resolvida. O projecto regula o modo de fazer a liquidação que ainda não está feita e, se e uma questão futura, a disposição do projecto não fere em nada o principio constitucional da não retroactividade da lei.
Se o projecto tivesse por fim estabelecer a maneira de se fazerem adeantamentos. modificando o modo ou a forma por que se fizeram os adeantamentos de que se occupa, e mandando regular por elle os adeantamentos já consummados, o projecto teria nesse caso effeito retroactivo; não é esse o seu objecto, mas sim o regular uma questão futura, para a qual não existe na nossa legislação preceito sufficiente, e por isso é absoluta e inteiramente constitucional.