SESSÃO N.º 44 DE 19 DE AGOSTO DE 1908
e clara a este respeito. É a lei de 16 de julho de 1855, no seu artigo 9.°, que dispõe:
Os bens particulares que o Rei possue e de que pode dispor, ou que adquirir, por qualquer titulo, regulam se pelo direito commum do reino, com as seguintes declarações.
As declarações referem-se ás doações que não precisam de insinuação, e aos arrestos e penhoras nos bens que pertencem ao Rei. Aqui tem V. Exa. neste artigo os bens particulares do Rei regulamentados quanto á sua disposição, pelos preceitos da lei commum. A disposição testamentaria, a disposição por via de contratos, todas as disposições, qualquer que seja a maneira por que se realizem, das propriedades particulares do Rei, se regem na conformidade das determinações da lei commum, isto é, da lei civil.
Mas ainda ha preceito mais expresso. É o artigo 10.°:
Os rendimentos dos bens da Coroa mencionados nesta lei, que tiverem vencimento durante o reinado, e bem assim todas as quantias e creditos da dotação real pecuniarios, emquanto á livre disposição e á successão regulam-se pelas mesmas leis que regem quaesquer bens particulares.
Emquanto á successão. Aqui tem V. Exa. reconhecido no artigo 10.° da lei de 16 de julho de 1855, que são applicaveis aos bens particulares do Rei as disposições da lei commum relativas á successão.
Aqui está clara e terminantemente estabelecido que, qualquer que seja a origem dos bens particulares possuidos por Sua Majestade El-Rei, quer provenham dos rendimentos da Casa de Bragança, quer provenham da dotação estabelecida pelas leis respectivas, quer sejam os creditos que tenha sobre essa dotação, tudo isso constitue o patrimonio de Sua Majestade, e é regulado, quanto á successão, pelos principios da lei civil.
Ora, a lei civil diz que a successão transmitte-se com todos os direitos e obrigações que não sejam meramente pessoaes, mas que os herdeiros não podem responder pelos encargos, que lhes forem transmittidos, alem das forços da herança.
Portanto é a lei de 16 de julho de 1855 no artigo 10.° que manda applicar a disposição do Codigo Civil; e o que faz neste ponto o projecto que se discute?
Revoga a lei de 16 de julho de 1855, e estabelece uma disposição excepcional a respeito de Sua Majestade El-Rei; de sorte que, ao passo que manda no artigo final observar a lei de 16 de julho de 1855, ao mesmo tempo revoga a lei que manda observar! (Apoiados)
Por fallecimento de El-Rei D. Carlos, os direitos e obrigações do herdeiro adquiriram-se pela abertura da herança, que se verificou em o momento da morte do seu autor.
São factos consummados. Uma lei que venha alterar a situação juridica criada por esses factos, é uma violencia de effeito retroactivo.
Pois quê! Recebe um herdeiro uma herança com todos os direitos e obrigações que lhe são inherentes, em virtude da lei existente a esse tempo, e depois o Parlamento determina, que a propriedade adquirida, legitima e legalmente, seja modificada nos effeitos da sua transmissão hereditaria!
Isto é uma verdadeira monstruosidade!
De onde vem para as Camaras a faculdade de alterar tão gravemente os direitos adquiridos em materia civil? Seria o cumulo do poder absoluto! (Vozes: - Ouçam. Apoiados).
Quer isto dizer que Sua Majestade não pague, se quiser, as dividas de seu Pae?
Não, não quer dizer isso. (Apoiados).
Pague-as se assim o entender, no cumprimento de um dever moral, mas não em obediencia á execução de uma lei violenta e injusta.
O Parlamento não pode impor-lhe essa obrigação, porque não tem poderes para tanto.
Como dever moral de Sua Majestade El-Rei o pagamento d'essas dividas é uma cousa respeitavel e sagrada. Mas os deveres moraes são illegislaveis. Essa lei desnatura e adultera os sentimentos nobres e elevados de Sua Majestade El-Rei. Esta lei entra na consciencia de Sua Majestade, espreitando-lhe as concepções generosas, e encontrando ahi um pensamento magnanimo, tira lhe a belleza da expontaneidade, e converte-o numa obrigação de execução coerciva com todas as violencias inherentes a uma disposição legal. (Apoiados).
Quer Sua Majestade pagar as dividas de seu augusto pae, pague-as; mas como manifestação de generosidade, não porque a isso esteja obrigado pelas leis portuguesas, que tanto se fizeram para elle, como para qualquer outro cidadão. (Apoiados).
Tem-se discutido, certamente, este projecto, com pouca generosidade, como se se tratasse de merceeiros que ao balcão exigissem o pagamento dos seus generos, ou de patrões que disputassem o salario dos seus serviçaes.
O Sr. Sebastião Baracho: - Se o Sr. Julio de Vilhena se considera merceeiro, em sentido deprimente, eu não. Estou aqui na minha missão de representante do país. Discuti o projecto e fi-lo como entendi, zelando os interesses nacionaes.
O Orador: - E eu tambem assim o discuto, reservando-me o mesmo direito que tem o Digno Par de expor livremente a minha opinião.
O Sr. Sebastião Baracho: - Pois quando a expuser, faça-o por forma a não parecer que offende os brios alheios.
O Orador: - Não é minha intenção offender os brios de S. Exa. ou de quem quer que seja.
O Sr. Sebastião Baracho: - Tambem se me offendesse saberia corresponponder devidamente,
O Orador: - E eu responderia no mesmo tem.
O Sr. Sebastião Baracho: - Está bem.
O Orador: - Parecia-me, Sr. Presidente, e revelo a minha, opinião, reclamando para ella a mais ampla liberdade, que os netos dos homens de 1821, que, não obstante as suas ideias sinceramente democraticas, discutiram com a maior elevação e generosidade a lista civil de D. João VI, os homens que representam neste mento as tradições dos grandes descobridores da India; estes homens que representam uma nação nobilissima como é a nação portuguesa, não deviam discutir nos estreitos limites de um negocio financeiro a lista civil de Sua Majestade El-Rei. Respeito, como sempre respeitei, as opiniões contrarias. Mas nem um só momento, e por circunstancia nenhuma deixarei de referir a minha, inviolavel como a de qualquer outro representante da nação.
Tendo Luis XVI declarado, em carta de 9 de junho, dirigida á assembleia nacional, que bastaria para as despesas da sua casa a quantia de 25 milhões de francos, acrescentando o rendimento dos parques, dominios e florestas das casas de recreio que até então eram possuidos pela Coroa, os homens da revolução mandaram escrever nas suas actas:
A assembleia nacional depois de ter ouvido a carta e a mensagem do Rei relativa á lista civil, votou por acclamação e decretou por unanimidade todas as reclamações e pedidos feitos na dita mensagem, fixou em 4 milhões o apanagio da Rainha; e ordena que o seu presidente vá immediatamente por ante Suas Majestades dar-lhes nota da deliberação que acaba de tomar.
Ah! Sr. Presidente, é com o conhecimento d'estes factos que nós podemos comprehender que uma assembleia d'esta ordem fizesse uma revolução glo-