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460 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

reno para receber a nova semente, de fórma que ella germine e produza fructos sazonados. Innovações, sem que o paiz esteja preparado para as receber, produzem sempre resultados funestos.

Não é o mesmo que em as sciencias naturaes; aqui uma experiencia que falhe ha de dar consequencias graves, porque se trata, nada mais, nada menos, do que da felicidade, do bem estar e do futuro de uma nação; emquanto uma experiencia nas sciencias naturaes, que falhou, póde repetir-se, porque não traz outro prejuizo senão a perda do tempo, do capital e do trabalho. Portanto, sr. presidente, os governos astutos têem todo o cuidado em não fazer essas experiencias sem se conhecer que o paiz as quer.

Sr. presidente, fazendo applicação d'estes principios ao projecto que se discute, direi que o paiz não está preparado para o executar, que elle é uma arma terrivel na mão do governo, e que se servirá d'ella para suffocar a vontade popular, e, portanto, que um projecto n'estas circumstancias, longe de ser liberal, embora em absoluto e em theoria tenha alguns principios considerados como taes, na pratica é anti-liberal, porque só favorece o despotismo do governo e impede a verdadeira e genuina expressão da urna. Este projecto, dando resultados contrarios á liberdade, não é liberal, e, não obstante, têem-n'o rodeado d'essa aureola, e passa como tal, e apesar de não gostaram d'elle, mesmo apesar de o acharem mau, para se não despopularisarem, na outra casa do parlamento, nem os srs. deputados, nem o governo, julgaram dever contrarial-o.

Eu, pela minha parte, declaro francamente, alto e em bom som, que não considero este projecto liberal, mas sim verdadeiramente revolucionario, e alem d'isso injusto. N'este projecto, no modo por que se alarga o voto, procede-se por uma fórma que nem satisfaz aos principios da justiça, nem do direito publico constitucional, nem mesmo á philosophia do direito.

Sr. presidente, o projecto que se discute não é liberal, vê-se claramente, pois que vae fazer reconhecer e dar direitos a individuos que, posto que tenham como seres humanos os elementos constitutivos d'esses direitos, falta-lhes a capacidade, falta-lhes o essencial para os poderem exercer, porque lhes falta a independencia e a illustração precisa para votarem com a consciencia do que fazem.

Dizer o contrario é desconhecer a verdade dos factos.

É injusto, porque fazendo votar quem não deve, tira direitos áquelles que os tinham, e faz que a representação nacional esteja muito longe de ser e representar o que devia ser e representar.

Quer v. exa. saber como se fazem as eleições na provincia?

Os eleitores, na sua grande parte, vão á assembléa eleitoral, porque vão arregimentados, ou pelo governo ou pelos influentes, a quem são reconhecidos por qualquer favor individual, e que sobre elles exercem pressão para os levar á urna.

A maioria dos eleitores não sabe nem que ha côrtes, nem porque vota, nem para que vota. As funcções eleitoraes reduzem-se para elles a deitar o papelinho na panella como elles chamam á urna, porque muitas vezes n'algumas assembléas a urna é uma panella. Para elles o parlamento é uma palavra sem sentido, e nem sabem quem são os seus representantes, e muito menos a significação do acto que praticam.

Esta é que é a verdade, sr. presidente, deduzida da observação dos factos, e de factos que não são contestados, nem contestaveis.

Alargar, pois, para elementos d'esta ordem, a esphera juridica e ampliar o voto, é injusto, é contrario aos principios, e um acto de pouca prudencia.

Quer agora v. exa. saber porque eu considero este projecto revolucionario?

Eu o vou provar.

As revoluções não se fazem só com as armas na mão, fazem-se tambem no seio do proprio poder; e este projecto é revolucionario, porque, alem de todos os seus defeitos, ataca a constituição do estado.

Como prova de que o projecto é revolucionario, basta fazer recordar á camara que a revolução de 1851 proclamou a reforma da carta, e que essa reforma foi decretada em 1851, por um ministerio de que o sr. Fontes fazia parte, e esse ministerio reconheceu artigos constitucionaes todos os que diziam respeito a eleições, e para os reformar era necessario constituintes.

Procedeu-se, pois, á eleição, e os eleitos trouxeram poderes especiaes para aquelle fim, o que deu em resultado o acto addicional, que revogando os artigos constitucionaes da carta emquanto a eleições, ficou substituindo esses artigos, e portanto os artigos que correspondem aos revogados são constitucionaes.

O que quer o projecto em discussão?

É ampliar o suffragio eleitoral aos chefes de familia e aos que sabem ler e escrever, e como mostra que elles têem o rendimento exigido pela carta, é por meio de presumpções.

São, pois, as presumpções o que a carta e o acto addicional exigem?

Não, por certo.

Eu peço que se note bem este verbo provar, e chamo para elle a attenção da camara.

O acto addicional á carta, artigo 5.°, exige a prova e não a presumpção.

Alargar o direito de votar, e ampliar o voto fóra do censo que a carta marca, não é permittido ao poder legislativo em côrtes ordinarias.

Suppor que o homem que, pelo simples facto de saber ler e escrever, ou de ser chefe de familia, tem de renda 100$000 réis, é apenas mera presumpção; e a presumpção não é nem póde ser nunca prova directa.

A presumpção é sempre fallivel, é apenas um meio de prova, um auxilio simplesmente.

O legislador quiz que sobre um ponto tão serio, tão essencial, a disposição fosse clara e positiva, e para conseguir esse fim estabeleceu a prova, isto é, determinou claramente que o individuo, para ter capacidade eleitoral, devia possuir um rendimento de 100$000 réis, proveniente de bens de raiz, capitaes, commercio ou emprego.

Alem d'isto, o legislador tambem teve em vista que o eleitor pagasse para o thesouro o imposto proporcional aos proventos que tirava do seu modo de vida, pois, como v. exa. muito bem sabe, todos fogem de pagar, e como o ser eleitor dá certas garantias, esta disposição da constituição tem a vantagem de fazer com que elles vão manifestar o seu rendimento.

O facto de saber ler e escrever, e de ser chefe de familia sem estar arrolado na matriz para o pagamento dos impostos, é a prova suficiente para ter o direito de votar?

Eu bem sei que o illustre relator da commissão me responderá com o n.° 4.° do artigo 9.° do acto addicional, que diz: «Que a lei eleitoral determinará o modo e a fórma, por que deve fazer-se a prova do censo».

Mas, eu redarguir-lhe-hei que é precisa a prova, e não a presumpção do censo, e que esse mesmo artigo diz bem claramente que se requer a prova.

As disposições do acto addicional são precisas, é clara a sua doutrina. A nós compete-nos respeitar a constituição do estado, e ao sr. Fontes muito mais, porque faz parte do poder executivo, e já tem a sua opinião compromettida, porque assignou tambem em 1851 e decreto para reformar a carta,, em côrtes constituintes, reconhecendo por esta fórma a doutrina do artigo 144.° da mesma carta, que diz que é constitucional tudo o que se refere aos direitos individuaes e politicos dos cidadãos.

Sr. presidente, julgo ter demonstrado que esta lei é revolucionaria, porque ataca a constituição do estado, que não póde ser alterada senão segundo as prescripções estabelecidas na propria constituição, e porque vae tambem contra-