DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO 465
ponder á minha doutrina, diz que nos artigos do codigo civil está estabelecido que as presumpções são provas, mas esqueceu-se de acrescentar que são as presumpções legaes. O que dizem esses artigos é que a presumpção legal é uma prova.
A doutrina consignada no codigo diz o seguinte: «Presumpções são consequencias que a lei ou o magistrado tira de um facto conhecido para chegar a um desconhecido».
Isto está escripto no codigo civil francez tambem. Mas, emquanto essas presumpções não forem declaradas pela lei como prova, não têem força, e nem têem o caracter legal.
O meu trabalho aqui tem sido demonstrar, que o facto de saber ler e escrever e de ser chefe de familia não deve ser elevado á categoria de presumpção legal. Quando a lei o estabelecer como tal, terá então a força de prova, antes d'isso não. Quer v. exa. e a camara saber a differença que ha entre prova e presumpção, doutrina consignada em todos os paizes, é que a prova estabelece directamente o facto, e a presumpção não o estabelece senão indirectamente e por via de consequencias. Pois póde-se tirar do facto de saber ler e escrever e de ser chefe de familia, que esses cidadãos têem o rendimento de 100$000 réis? Digam muito embora, que o simples facto de saber ler e escrever, ou de ser chefe de familia, estabelece o direito de votar, mas não digam que o censo legal foi provado e que o acto addicional não é atacado.
Quer o digno par estabelecer já que o facto de ser chefe de familia e saber ler e escrever é uma presumpção legal e da qual tiram esses cidadãos o seu direito? Não póde ser. Ha de a lei primeiro sanccionar esse facto como presumpção legal. Emquanto o não fizer, esse facto nada prova pelo que respeita ao censo.
O argumento do digno par não se póde admittir, e appello para a consciencia de s. exa. E se assim fosse, qual seria a rasão por que o acto addicional exige que se prove o rendimento de 100$000 réis, o que equivale a dizer que se mostra directamente esse rendimento? É porque o acto addicional deseja, e muito bem, que fiquem consignados os principios da carta, que declara que só póde ser eleitor aquelle que tiver o censo que a mesma carta estabelece, afastando d'esta regra todos aquelles que simplesmente apuram pelo seu trabalho os meios para occorrer ás suas necessidades impreteriveis, porque estes meios, que são inteiramente eventuaes, não são tributados, e por isso não podem ser considerados os rendimentos de 100$000 réis, de que trata a carta.
Por consequencia, é irregular e pouco proveitoso elevar á categoria de prova uma presumpção, que não significa cousa alguma, e não dá o resultado que a nossa constituição quer.
Aqui é que se funda a minha argumentação, por ella se prova que o projecto é inconstitucional, e que se elle for approvado pratica-se um acto revolucionario.
Vou agora responder a outro argumento do sr. Barros e Sá. S. exa., respondendo ao sr. conde do Rio Maior, quando este digno par classificou o direito de votar como um direito natural, fundando-se na opinião de publicistas muito distinctos, disse que o direito de votar não é um direito natural, nem um direito politico, mas sim uma funcção publica.
Ora, desde que se não quer considerar o direito de votar senão como uma funcção, cáe pela base todo este projecto, pois é em nome do direito dos cidadãos que elle é sustentado como mais serio e liberal.
Portanto, seguindo a doutrina do illustre relator, os argumentos de todos aquelles que querem o alargamento de voto são contraproducentes. N'esta parte parece-me que o sr. relator da commissão defende mal o projecto, e eu respeitando muito a sua opinião, peço licença para lhe observar que segundo a lei uma funcção publica não póde ser exercida senão por quem tem capacidade para a poder exercer, é os eleitores que não têem illustração, que não têem independencia de voto não podem satisfazer á prescripção expressa da lei.
Pois está no caso de exercer um direito quem ignora o que é esse direito? Se é necessaria a capacidade para exercer uma determinada funcção, quem a não tem não a póde exercer.
Isto é claro e evidente.
Disse tambem o sr. Barras e Sá que esta lei foi inspirada pela corrente das idéas que vogam dentro e fóra do paiz, e defendeu a sua opinião com argumentos de auctoridades que invocou a seu favor. Eu peço permissão para proceder da mesma maneira. E por isso farei notar ao illustre relator a opinião manifestada pelo sr. presidente do conselho em 1872, se bem que esta opinião não seja muito auctorisada para s. exa., segundo ainda ha pouco o declarou, comtudo não deixa de ser a opinião de um presidente de ministros, que em assumptos tão vitaes deve ter idéas definidas e principios assentados.
O sr. Barros e Sá: - O que eu disse, foi que a lei valia mais do que qualquer opinião.
O sr. Vaz Preto: - A opinião manifestada pelo sr. presidente do conselho é exactamente contraria á que sustenta o sr. Barros e Sá, e a não ser assim, se não fosse verdade o que avanço, s. exa., que me está ouvindo, já se teria levantado para me contraditar. S. exa. por certo não consentiria, que eu me servisse, para combater o illustre relator, de opiniões que se lhe attribuem, e que na realidade não lhe pertencem.
Este silencio do governo leva sem duvida a convicção ao animo de todos que me ouvem, que as opiniões do sr. presidente do conselho de ministros são aquellas que eu e o sr. conde de Rio Maior lhe attribuimos.
Um outro argumento do digno par é que a doutrina que estabelece o codigo civil, é a que deve estar em vigor; mas este codigo que trata apenas dos direitos civis, não póde ser applicado aos direitos politicos, que são tratados na carta constitucional, e muito menos póde revogar uma disposição de um artigo constitucional, porque isso só é permittido ás côrtes constituintes.
Disse tambem o illustre relator da commissão, que leis iguaes a estás se estão discutindo em outros paizes; mas o que não disse, é se este ponto se considera materia constitucional n'esses paizes, porque se fosse considerado tal, não se discutiria senão em conformidade com a constituição, porque lá fóra não se tratam assumptos tão serios e graves pela fórma por que nós os tratâmos, desprezando a constituição.
Quando me referi ao modo como os eleitores exercem o seu direito, eu só quiz mostrar que, pelo systema da eleição directa, elles não tinham, tanta independencia, nem tanto conhecimento de causa; e que, olhando ao estado de progresso em que está o paiz, se devia recorrer ao systema indirecto; e disse tambem que se poderia obter esta mudança sem côrtes constituintes, visto que se estava fazendo uma nova lei eleitoral contraria aos principios consignados na carta.
Sr. presidente, vou mandar para a mesa uma proposta, que julgo altamente importante.
Já que o governo não apresentou n'este projecto de lei nenhumas garantias para manter o direito dos candidatos, nem estabeleceu penas para as auctoridades que interferissem, visto o governo facultar candidatos officiaes, vou ao menos propor que junto de cada mesa eleitoral os candidatos possam ter um representante seu, para evitar que as eleições sejam falsificadas.
Esta proposta justifica-se com diversos factos, entre os quaes figura um a que eu assisti, e que é o seguinte:
Um presidente de uma assembléa eleitoral mandou sair da casa da camara, em que se fazia a eleição, os individuos empenhados em que ella não se falsificasse. Saíram, e a urna foi immediatamente substituida por outra, com outras listas.