688 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
fim de proteger os importantes interesses inglezes, aqui existentes."
Isto lê-se e mal se acredita!
Foi por esta occasião que a imprensa ingleza annunciou que tinham sido enviados para Lourenço Marques alguns navios de guerra, mas foi tambem nestas circumstancias que o contra-almirante Wells, depois de ter recebido o relatorio do tenente Balfour, com mandante da canhoneira Stork, que elle enviara a Lourenço Marques, escrevia o seguinte officio ao seu governo.
(O contra-almirante Wells ao almirantado.- A bordo do Raleigh na bahia Simon - 24 de julho de 18S9. - Referindo-me a um telegramma que me dirigiu o vice-cunsul interino em Delagoa Bay, ao seu telegramma de 30 do passado, á minha resposta da mesma data, ao meu telegramma de 5 do corrente, ao vosso de 7, ao meu de 8, ao vosso de 9, ao meu de 15, ao vosso de 21, e ao meu de 23 observo que a correspondencia inclusa mostra até que ponto se tem abusado (mismanaged) este embroglio (textual) da Delagoa Bay raihway, devido isto exclusivamente ao procedimento absurdo e grosseiramente inconveniente do vice cônsul britannico interino, mr. Knee.
2. Succede por fortuna ser o governador de Lourenço Marques um official que serviu na nossa marinha, e o seu procedimento parece ter sido muito cortez e prudente.
3. Foi em Port Elisabeth que eu recebi o primeiro telegramma de mr. Knee, de 24 de junho, expedido de Delagoa Bay, nos termos seguintes:
"O governo portuguez resolveu confiscar a linha ferrea ingleza. Mande com urgencia um navio de guerra para proteger a vida dos subditos britannicos; quando poderá chegar?"
"Respondi o seguinte:
"A Stork sáe esta tarde para serviço da fiscalisação em direcção a Durban e Lourenço Marques. Informe telegraphicamente para aqui o estado das cousa? Não posso comprehender como a vida dos residentes britannicios corra perrigo sob o governo portuguez".
"4. Ordenei ao tenente Balfour da Sturk, que me relatasse desenvolvidamente o occorrido, e o seu relatorio vae incluido ueste officio. Mr. Knee partiu já, e mr. Gulliford, superintendente da companhia telegraphica, foi nomeado vice cônsul com pleno assentimento do governo portuguez. = Ricardo Wells."
Tive prazer em ler este officio. A linguagem singela, franca e veridica deste official da marinha britannica, que não desejava que esta questão se aggravasse entre os dois governos e os dois paizes amigos, poz termo a todas as intrigas, a todos os improperios, a todas as calumnias e falsas accusações que os interessados espalhavam pelas folhas de Londres, excitando contra nós a opinião e arrastando talvez o proprio governo.
Aqui tem v. exa., como procedia este illustre official, e nesse mesmo sentido escrevera o tenente Balfour commandante da Stork, pequena canhoneira mandada como disse a Lourenço Marques, cessando desta forma o que havia de perigoso para nós neste incidente. Não foi esta a primeira e unica vez, no decurso da minha administração, em que os officiaes da marinha de guerra ingleza desfizeram, pela singela exposição dos factos e inteiro preito a verdade, muitas intrigas levantadas contra Portugal, e se o procedimento das auctoridades consulares britanicas no Chire, podesse tambem ter sido fiscalisado por officiaes de marinha inglezes, como infelizmente não o foi nem o podia ser, talvez que se não tivessem dado os factos que ali se deram, e cujas consequencias tão desastrosas foram para Portugal e para a causa da justiça e do mutuo respeito entre os povos.
Voltando, porém a rescisão do contrato do caminho de ferro de Lourenço Marques que tantas duvidas mais tarde levantou, o que é facto é que o governo portuguez por muitas vezes declarar nesta e na outra camara, e fizera constar ao governo da republica do Transvaal, que era nossa intenção firme rescindir o contrato da companhia em 25 de junho, caso a linha não estivesse terminada nesta data.
É certo que nas vesperas desse dia a Inglaterra e a America diligenciaram modificar a resolução do governo.
Era porém muito tarde para que tal diligencia podesse ser attendida.
Posteriormente suscitou-se entre os três paizes uma correspondência diplomatica, que se manteve sempre nos termos mais correctos, e no decurso da qual o governo sustentou constantemente os principios em que firmará o seu procedimento.
A ultima communicação de lord Salisbury por mim recebida, tem a data já antiga de 10 de setembro. No final desse documento, lê se o seguinte:
"Em sua opinião, os portadores britannicos de obrigações, soffreram um damno injusto por effeito do confisco forçado pelo governo portuguez da linha ferrea e do material pertencente a companhia britanica, e sobre a garantia dos quaes se havia adiantado dinheiro pelas obrigações e por esse prejuizo está o governo de Sua Magestade auctorisado a pedir uma compensação ao governo de Portugal.
"Os documentos juntos contem uma nota das importancias a indemnisar, e dos prejuizos que a companhia affirma ter soffrido.
"A exactidão dessa avaliação pode talvez ser contestada, e quando assim seja, deverá ser devidamente demonstrada.
"Se o governo portuguez admitte a sua obrigação de compensar a companhia britanica por qualquer prejuizo soffrido na sua propriedade e interesses pelo confisco da linha e do material, o governo de Sua Magestade admitirá por seu lado que a importancia da indemnisação é assumpto proprio para uma arbitragem.
"Estaes auctorisado a ler este despacho ao sr. Barros Gomes, e a deixar delle copia. Ao faze-lo significareis que o governo de Sua Magestade deseja anciosamente uma solução amigavel, e confia no sentimento de justiça do governo portuguez para que seja reparado o prejuizo soffrido por effeito do seu procedimento."
Já a camara vê em que termos moderados e até amigaveis foram redigidas estas communicações.
Na nota de resposta eu escrevi o seguinte:
"O governo de Sua Magestade não hesita em tractar directamente com os representantes da companhia portugueza legalmente constituida, no intuito de fixar os termos da indemnisação que pareça equitativo conceder-lhe por effeito da rescisão do contrato de dezembro de 1883, recentemente decretada. A companhia ingleza, que possue, como mais de uma vez tenho tido occasião de o affirmar, a quasi totalidade das acções da companhia portugueza, pode, como o governo de Sua Magestade Britannica e não ignora, exercer uma influencia decisiva sobre a escolha dos directores e constituição da companhia portuguesa, com quem o governo de Sua Magestade terá de tratar.
"É menos provavel que o governo de Sua Magestade não possa chegar a um accordo directo e equitativo. Mas se esse caso improvavel se der, o governo de Sua Magestade nenhuma duvida terá de submeter a uma arbitragem o ponto que se debate. O tribunal arbitral poderia ser constituido de accordo com o que dispõe o artigo 53.º do contrato, ou de outra forma, visto que se trata de uma hypothese diversa, mas em todo o caso de modo a segurar pormutuo accordo a mais stricta imparcialidade no seu procedimento.
"Confio em que v. exa., ao dar conhecimento a lord Salisbury do conteudo desta nota, o informará devidamente acerca dos sentimentos de boa vontade e do espirito manifestamente conciliador de que o governo de Sua Magestade está animado com respeito a este assumpto."
Esta minha nota tinha a data de 13 de novembro