SESSÃO DE 21 DE JULHO DE 1890 689
Com o governo dos Estados Unidos se trocou, ainda mais tarde, em dezembro e janeiro, uma correspondencia identica, e em termos igual e mutuamente deferentes.
Portanto, já v. exa. e a camara vêem a situação exacta em que o assumpto se achava quando o governo progressista abandonou as cadeiras do poder.
Era com a companhia portugueza e só com ella que queriamos tratar, de accordo com o conselho persistente, firme e tenaz do procurador geral da coroa, o sr. Avelino, de que nós de forma alguma negociássemos com outra entidade que não fosse a companhia portugueza, o que unicamente havia a tratar era ácerca da indemnisação, e quando não chegássemos a um accordo directo com a companhia portugueza, só então e para esse caso acceitariamos a arbitragem no intuito de fixar a indemnisação, realisada essa arbitragem ou nos termos do contrato ou nos que se convencionassem.
Era intenção primitiva do governo, cumprir era tudo o contrato, levando a linha á praça depois de concluida. A propria intervenção do governo inglez e americano nos tolheu este caminho, que aliás era perigoso e não isento de inconvenientes, e obrigaria em todo o caso a uma intelligencia final com a companhia.
O que; porem, eu vejo hoje nos jornaes estrangeiros, e nos nossos que delles se tornaram echo, é que a arbitragem já acceita pelo governo se verifica, não com a companhia portugueza, mas com a Delagoa Bay, entidade que officialmente é desconhecida do governo portuguez.
Pergunto, pois, ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, o que ha a este respeito.
S. exa. me responderá, ou não, como julgar mais conveniente; das eu entendo que s. exa. não deve ter a minima duvida em esclarecer a camara e o paiz, desde que o governo inglez já deu e ha muito as precisas informações ao seu parlamento.
Que circunstancia ponderosa obrigou o governo a desviar-se tão essencialmente do procedimento seguido pelo governo que o precedeu?
Já disse que os precedentes que eu expuz não podem justificar, nem fazer presuppor a necessidade de uma tal mudança.
Uma prova do que digo está no seguinte facto.
Os agentes da companhia ingleza, na defeza que enviaram a lord Salisbury, pretenderam refutar os augumentos que eu tinha exposto em a nota que dirigi a Mr. Petre, e de que li á camara as conclusões.
Os agentes da companhia analysaram a minha nota e redigiram o memorandum que enviaram a lord Salisbury; mas, a julgar pelos proprios documentos parlamentares publicados pelo governo inglez, parece que esse memorandum não produziu nenhuma impressão no Foreign office.
Com effeito, remettendo-o para Lisboa a Mr. Petre, lord Salisbury acompanhava-o com o seguinte singelo officio de remessa, datado de 20 de dezembro ultimo:
"Incluo uma carta da companhia do caminho de ferro de Delagoa Bay, commentando a nota do sr. Barros Gomes, de 13 do corrente."
Nem uma palavra no sentido de me apresentar este documento, ou de pugnar no sentido das idéas nelle manifestadas.
Formulo pois as seguintes quatro perguntas, e confio que o governo responderá a ellas com precisão igual aquella com que as redigi.
l.ª
Acceitou o governo a arbitragem internacional da Suissa?
2.ª
Verifica-se esta entre o governo e a companhia Delagoa-Bay Railway?
3.ª
Nesse caso qual foi o motivo por que o ministerio abandonou o solido terreno em que sempre se manteve o governo anterior, e que lhe era aconselhado pela procuradoria geral da coroa?
4.ª
Está ou não fixado o compromisso que deve servir de base á arbitragem, e na hypothese affirmativa excluem ou não os termos daquelle compromisso tudo quanto possa referir-se á apreciação do acto do governo em si, e ao direito com que elle procedeu á rescisão do contrato de dezembro de 1883?
Desejo ser esclarecido a este respeito, e saber se a attitude do governo britannico e a do governo dos Estados Unidos se alteraram posteriormente a 14 de janeiro por forma a explicar o procedimento do governo portuguez e o completo abandono por sua parte do terreno em que o gabinete transacto sempre se mantivera.
Na conclusão do officio do secretario da companhia, a que ha pouco alludi, por elle enviado a lord Salisbury, aquelle agente suggeria que talvez o mero exercicio of a lith more pressure, de um bocadinho mais de pressão, bastasse para assegurar um accordo satisfatorio para todos.
Seguiriam os dois governos este conselho de M. W. J. Horn? Aguardo sobre isso as informações do governo.
E agora vou dirigir uma outra serie de perguntas ao sr. ministro dos negocios estrangeiros, referentes ás negociações com o governo francez - para a cotação na bolsa de Paris, do ultimo emprestimo de 9.000:000$000 réis.
Todos conhecemos essa velha, incommoda e impertinente questão dos portadores de D. Miguel, e os vexames a que ella nos tem sujeitado.
Ha a este respeito um escripto que deriva uma grande austeridade do seu auctor, e que discute de uru modo, a meu ver completo, esta questão.
Refiro-me ao capitulo ácerca da soberania na obra colossal do sr. Carlos Calvo sobre direito internacional, capitulo em que este publicista, apreciando o emprestimo de 1832, se firma no parecer, entre outros, do Odilon Barrot e de Rolin Jacquemyn, o ministro do interior do ultimo gabinete liberal belga, e redactor principal da bem conhecida Revista de direito internacional, cavalheiro que ha pouco esteve entre nós, e indirectamente ainda nas doutrinas de Bluntschli e Phillimore.
O sr. Carlos Calvo é de opinião que o governo portuguez procede segundo o direito, recusando attender as pretensões dos portadores dos titulos de D. Miguel; affirma que D, Pedro tinha direito a considerar boa presa de guerra o dinheiro que encontrou nos cofres do estado, e fora levantado para o guerrear; mostra que os governos de D. Pedro e D. Miguel, o legitimo e o intruso, coincidiram, e não se seguiram um ao outro; declara que o decreto de D. Pedro não liga o governo por lhe faltar a sancção parlamentar exigida pela constituição; e, assim, e por tudo isto, demonstra de um modo, a meu ver completo, que o procedimento do governo portuguez, n'esta questão, tem sido perfeitamente legal; acrescenta, porem, depois de tudo isto as seguintes palavras, como conclusão ultima do estudo a que procedeu:
"Que le refus du gouvernement da Portugal est, comme nous 1avous demontré, fondé eu droits trict, mais nous pensons quil aurait fait un acte de bienveillance et de bonne politique en respectant 1iniciative gencreuse qua inspire à D. Pedro le decret du 31 juillet 1833."
Tal é a opinião deste distincto publicista ácerca dos individuos que teem incommodado os ministros da fazenda, os quaes todos teem sido victimas dos manejos dos portadores dos titulos de D. Miguel, especialmente succedendo isso commigo quando tive por duas vezes, de 1880 a 1881 e em 1889, a honra de gerir a mesma pasta, e pouco antes e no mesmo anno de 1889 quando, na minha qualidade de ministro dos negocios estrangeiros, tive de intervir a fim de alcançar, como consegui, a cotação dos ultimos emprestimos de conversão feitos pelo sr. Marianno de Carvalho. Nesta occasião, como hoje, elles chegaram ao extremo