794 DIARIO DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO
tramar, eu pediria licença para levar ao banco dos réus todos os meus cumplices.
Tenho-os que são meus amigos; tive outros que já morreram, mas cuja memoria está gravada no espirito de todos que amam a patria; e una e outros podem ser chamados á autoria.
Aqui na camara existe um digno par e meu amigo, o sr. José de Mello Gouveia, que não só adoptou a idéa de melhoramentos publicos no ultramar, mas buscou realisal-a relativamente a S. Thomé e Cabo Verde. Mostrou-se zelosissimo, em actival-a. Os resultados que obteve foram proficuos para aquellas colonias e conseguintemente para o paiz.
Porque, desenganem-se os dignos pares, não se podem os nossos interesses; separar dos interesses das colonias. A nossa grandeza futura, ou o nosso abatimento total, dependem absolutamente do estado do nosso dommio colonial.
Chamarei tambem á auctoria o meu amigo, o sr. Mendes Leal, e a memoria illustre de Rebello da Silva, que tanta saudade nos deixou.
Peço licença para não dizer nada de mim. É costume affirmar, as cousas sem as provar; mas isso não o fazem os homens que se prezam e prezam a verdade.
Dizia o sr. Mendes Leal no seu relatorio de 1864:
"No serviço de obras publicas não se estacionou. Estão a ponto de concluir ás da alfandega de Loanda, continuam as do cães e varias reparações em diversos edificios.
"Em Benguella prosegue o aterro do pantano junto á fortaleza de S. Filippe, que muito deve melhorar o Bestado sanitario da cidade.
"Em Mossamedes foi restaurado o hospital e vae ser augmentado. Em data de 29 de setembro ía o respectivo e muito intelligente e activo governador traçar a directriz, e logo fazer começar os trabalhos da, estrada que, ligando com o porto de Mossamedes os povoados de Compungombo, indo reduzir a dois dias de jornada apenas o longo e penoso trajecto que actualmente separa d'aquella villa estes ricos territorios, prejudicando á extracção dos seus productos.
"Ao norte, a linha de fortes que devia prolongar-se até ás margens do Loge, a fim de proteger as communicações por aquelle lado, e cuja construcção fóra auctorisada em agosto de 1862, não póde ser ainda levada a effeito, como tinha toda a rasão para esperar, em virtude de difficuldades independentes da acção do governo.
"Acha-se, porém, concluido, e foi já enviado ao ministerio das obras publicas, para sobre elle ser consultado o voto competente dos corpos technicos, o nivelamento do caminho de ferro de Loanda a Calumbo, na margem do Quanza.
"Posto assim á mão da capital da provincia este. importante rio, navegavel por espaço de 32 leguas até Cambambe, reduz-se incomparavelmente a distancia para a fronteira e para o interior, o maior obstaculo no desenvolvimento do commercio e incremento das industrias.
"Sem contar sequer o tão desejado abastecimento de boas Aguas, condição essencial de salubridade, será por isso bastante áquella consideração para accommodar e fazer desejar a rapida execução de tão importante obra, a que estão a bemdizer ligados os destinos da Africa occidental, o que no imposto destinado a obras publicas locaes achará toda a facilidade de prompta execução."
São claras e bem acentuadas as opiniões do sr. Mendes Leal. São urgentes as obras publicas no ultramar; a communicação entre Loanda e o interior de Angola, uma obra de summa utilidade. No imposto especial para obras publicas está o recurso para levar a effeito as obras publicas. Mas, note-se bem, ha dezeseis annos, que o ministro da marinha annunciava no seu relatorio que estacam a ponto de concluir-se as obras na alfandega de Loanda.
Vieram essas obras, comtudo, a concluir-se só bastante tempo depois.
Os estudos do caminho de ferre não tinham levado a resultado algum; e o saneamento de Benguella, dizem os engenheiros agora, é impossivel realisal-o ainda porque não ha estudos, nem planta, nem nivelamento, nem nada.
Em Mossamedes planeou-se e poz-se era construcção um palacio para o governador, é a commissão de obras publicas entendeu, que, no adiantado das obras, seria um desperdicio deixar de o concluir. De modo que o palacio do governador de Mossamedes virá a ser um dos mais importantes se não o mais importante edificio publico da provincia!
Estes eram os resultados do anterior systema de obras publicas adoptado nas provincias ultramarinas; porque o que se passava em Angola estava-se passando em toda a parte.
Para evitar as delongas os desperdicios e a má execução de obras que resultavam de um mal organisado serviço, que o sr. ministro da marinha quer agora resuscitar, foi que eu entendi que era indispensavel seguir outro systema. Os resultados têem justificado as minhas previsões.
Uma idéa que a todos assusta é a de fazer caminhos de ferro no ultramar. Para este ponto chamo a attenção da camara.
Era a opinião do sr. Mendes Leal, em 1864, que se construisse em Angola um caminho de ferro de Loanda a Calumbo, e as rasões que então levaram o illustre ministro a pensar assim são hoje mais poderosas.
O caminho de ferro é indispensavel e é indispensavel prolongal-o até á região do planalto interior.
Mas, sr. presidente, a doutrina que eu tenho, ao que parece, a desgraça de seguir, era tambem a do sr. Rebello da Silva em 1870. Dizia o meu sempre lembrado amigo no seu relatorio:
"Entre os melhoramentos que é preciso introduzir na provincia, para coadjuvar efficazmente o desenvolvimento das riquezas naturaes, merecem as obras publicas o primeiro logar.
"Embora a sua dotação seja inferior por ora ao que pedem tantas necessidades urgentes, ainda chega bem aproveitada para trabalhos de certo vulto, e alguns se fizeram já de reconhecida utilidade. Entre elles figuram: os executados na alfandega de Loanda, e no quartel do corpo estacionado em Loanda, e as reparações effectuadas em varios edificios publicos e nas fortalezas, construindo-se ao mesmo tempo uma casa para alfandega em Benguella, e concluindo-se a estrada que liga Mossamedes a Capangombe.
"Não nos illudamos, porem. A prosperidade nascente de Angola impõe deveres, e a, metropole não póde cruzar os braços, entregando-a inteiramente a si mesma. As communicações terrestres e fluviaes acham-se muito atrazadas, e á excepção da navegação a vapor, contratada para o Quanza, o modo por que .são .feitos os transportes- dos generos e das mercadorias accusa a rusteza e a negligencia de epochas em que a agricultura e as industrias tinham aos olhos dos poderes publicos menos do que secundaria importancia.
"Sem estradas e conducções baratas não ha economia de tempo, de braços e de dinheiro, nem concorrencia valiosa nos mercados.
"Importa formar quanto antes o plano da viação mais essencial e adequada, orçar a despeza d'ella, e executal-a sem levantar mão do empenho. Importa gastar o indispensavel, mas só o indispensavel.
"Se os recursos da provincia não bastarem, á mãe patria cumpre auxilial-a. (O relatorio falla de Angola.) Os subsidios que tão pouco fecundos são para cobrir a despeza ordinaria, são mui reproductivos applicados à promover as forças vivas do paiz. Quem não souber semear não colherá."
Estas são exactamente as. opiniões que eu adopto, e as que busquei realisar o melhor que soube. Que o novo systema de obras publicas é realisavel, está provado; que é proveitoso, tambem esta praticamente provado. Não estou,