338 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 31
Na noção do artigo 878.º do Código Civil, privilégio creditório é a faculdade que a lei concede a certos credores de serem pagos com preferência a outros, independentemente do registo dos seus créditos.
Mas há privilégios que só são aplicáveis quando estejam registados certos ónus: é o que sucede com os créditos por dívida de foros, censos, quinhões e rendas, que gozam de privilégio mobiliário especial, desde que a enfiteuse, o censo, o quinhão ou o arrendamento se achem registados (Código Civil, artigo 880.º, n.º 1 2.º e 3.º, e § 1.º).
E, por outro lado, há garantias que, em regra, também não estão sujeitas a registo, como o penhor (Código Civil, artigo 949.º, e Código Comercial, artigo 49.º); e, no entanto, no direito italiano, semelhante ao nosso, até que uma lei de 5 de Julho de 1928 admitiu a hipoteca sobre os navios e proibiu o respectivo penhor, este ura permitido, mas só produzia efeitos para com terceiros depois de transcrito «nei registri dell'ufficio marittimo presso il quale é inscritta la nave» (artigos 480.º e 486.º do Código Comercial Italiano).
Quer dizer: na lei italiana e no Decreto n.º 21 087 impunha-se o registo de garantias das obrigações que geralmente dele não carecem, por razões de ordem prática e de eficiência dessas garantias, que não repugna admitir.
Tal solução sempre seria menos aberrante que a de inverter-se a ordem de graduação, como faz o projecto, pretendendo que se paguem créditos hipotecários antes os privilegiados.
O caso pode, todavia, solucionar-se com inteiro rigor jurídico: o crédito por venda a prazo de veículos automóveis gozará de privilégio especial pelo prazo do pagamento desse preço, desde que do registo de transmissão da propriedade constem o prazo e a forma do pagamento. E ao credor ficará sempre salvo o direito de registar o crédito como hipotecário, nos termos do artigo 907.º do Código Civil.
9. É claro que, destinando-se o seguro exigido polo artigo 8.º do projecto a assegurar também o pagamento do preço, no caso de a venda ser feita a prazo, ele há-de preceder não só o registo das hipotecas, mas também o próprio registo da transmissão, quando feita em tais condições.
E, quanto às hipotecas, terá de ser feito antes do de todas elas - designadamente do das judiciais.
Aqui surgirá a dificuldade - aliás também de recear quanto a certas hipotecas legais, como, por exemplo, as referidas no artigo 906.º, n.ºs 2.º, 5.º e 7.º, do Código Civil- de o devedor não se prestar a fazer o seguro. Nestes casos deverá permitir-se ao credor que o faça, acrescendo os respectivos encargos ao montante do crédito, para serem pagos juntamente com este.
10. Também é preciso dar-se eficiência à determinação do § 2.º do artigo 8.º do projecto.
Para isso deverá impor-se às companhias seguradoras - a quem já se atribuem obrigações no artigo 9.º - a comunicação aos credores, com direito ao seguro, de falta de pagamento dos prémios ou de quaisquer outros factos que impliquem a resolução dos contratos, de modo que aqueles possam adoptar as medidas necessárias à defesa dos seus direitos. A fim de possibilitar às companhias o cumprimento desta obrigação, terão por sua vez as conservatórias de participar-lhes a constituição dos ónus ou encargos que incidam sobre as viaturas seguradas.
11. O artigo 9.º não merece reparos.
12. O artigo 10.º é de manifesta utilidade.
Vem já do Decreto n.º 21 087 (artigo 23.º) e evita as discussões que têm surgido, entre nós e no estrangeiro, a propósito da possibilidade de constituição do penhor sobre os navios, que alguns autores negam e outros admitem (pro: Cunha Gonçalves, Comentário ao Código Comercial Português, III, p. 84; contra: Ripert, Droit Maritime, 4.ª edição, II, p. 9; Lyon-Caeu et Renault, Traité, va, pp. 706 e segs.), e que poderiam renovar-se acerca do penhor dos automóveis, que o primeiro Código da Estrada expressamente reconhecia (artigo 27.º, n.º 9.º, do Decreto n.º 14 988, de 6 de Fevereiro de 1928).
13. O artigo 11.º também não justifica discussão.
Reproduz o artigo 19.º do Decreto n.º 21 087, cuja aplicação não deu lugar a dúvidas nem a controvérsias.
A restrição que se contém na parte inicial do preceito é útil, para evitar que só invoquem outros privilégios, como poderia pretender-se ao abrigo das disposições do Código Civil (artigo 882.º, n.º 3.º, e artigo 883.º, n.ºs 1.º e 2.º). Mas, atenta a solução dada ao caso previsto no artigo 7.º do projecto, tem de incluir-se entre os privilégios aquele de que goza o crédito por venda a prazo de viaturas automóveis; e é mister acrescentar-se ainda à enumeração feita no artigo o privilégio estabelecido no artigo 56.º, n.º 9.º, do Código da Estrada, que razões de interesse público plenamente justificam.
Além disso, convém transpor para este artigo as determinações do artigo 12.º do projecto.
14. Nada há também a observar quanto ao artigo 13.º
Ele terá apenas de referir, entre os actos sujeitos a registo, os contratos de venda, a prazo de viaturas automóveis, a fim de se assegurar o privilégio estabelecido pelo artigo 7.º
Além disso, terá de estabelecer-se sanção para o não cumprimento da obrigação imposta no § único.
Dizer-se obrigatório o registo da propriedade e das suas transmissões é pouco. Para tornar eficaz a determinação é necessário impor cominações severas para a falta de cumprimento do comando legal.
Da propriedade do veículo podem resultar para o proprietário graves responsabilidades de natureza civil.
Basta lembrar que ele responde, solidariamente com os causadores de acidentes, pelos danos causados (artigo 56.º, n.º 4.º, do Código da Estrada), para logo se ver como é importante o registo da propriedade dos veículos e como se torna mister acautelar a possibilidade de fraudes e a omissão das inscrições a que vimos a referir-nos.
Por isso a Câmara adopta a solução de mandar apreender os documentos dos veículos adquiridos ou transmitidos, logo que haja conhecimento da aquisição ou transmissão da propriedade, sem se ter efectuado o respectivo registo.
15. O artigo 14.º parece ser totalmente inútil.
É da essência do registo, dado o sistema da lei portuguesa, que os actos a ele sujeitos só produzem efeito para com terceiros a contar da inscrição.
Para quê enunciar o princípio num diploma de alcance tão restrito como este a que respeita o presente parecer?
É de aconselhar, portanto, a supressão deste artigo.
E o mesmo sucede em relação aos artigos 17.º, 18.º e 22.º do projecto.
O registo entre nós não é atributivo de direitos; a presunção dele derivada é tantum juris, como aliás sucede em todas as legislações que adoptaram o sistema germânico, como a nossa fez neste particular