28 DE FEVEREIRO DE 1955 375
Não tardou, porém, o foro militar a voltar á ter competência sobre todos os crimes praticados por militares, o quo ficou definitivamente estabelecido pelo Regimento das Armas de 1 de Julho de 1678, "para acabar com as grandes contendas entre os cabos da milícia, seus auditores e os ministros, da jurisdição ordinária".
É de notar, todavia, que foi estabelecido, quanto aos soldados e graduações não superiores a cabos de esquadra, que "o privilégio do foro militar só pertence aos que estão na fronteira, ainda quando dela se ausentem com licença", e disposição idêntica foi aplicada mais tarde, quando as tropas regressaram a quartéis, apenas aos que ficaram pertencendo aos efectivos permanentes a.
7. Chamado o conde de Lippe a Portugal, procedeu à reorganização do Exército e redigiu o Regulamento de Infantaria 3, que com os seus vinte e nove artigos - conhecidos por artigos de guerra do conde de Lippe - constituiu o primeiro esboço de um código de justiça militar entre nós, em que, assegurando o foro privativo, se estabeleciam regras processuais uniformes.
Confirmando esta orientação, foi publicado o alvará de Outubro seguinte, afirmando que a jurisdição dos tribunais militares é privativa de qualquer outra, por mais privilegiada que seja, e submetendo-lhe os cavaleiros das ordens militares, embora ainda com a regalia de que, aquando os culpados têm hábito de qualquer ordem, intervém nos conselhos um número de cavaleiros igual ao dos oficiais de patente" 4.
Só pode avaliar-se o alcance e a energia desta disposição quando se atente em que as três ordens militares de cavalaria gozavam o privilégio de ter um juiz geral dos cavaleiros e cada uma delas um juiz dos cavaleiros, segundo os seus estatutos, os. quais podiam meter na cadeia os presos, como quaisquer outros juizes, e ser assistidos nas audiências pêlos alcaides e meirinhos da cidade, tendo usufruído de atenções durante os Governos filipinos 5.
Tão forte era a tradição dos seus privilégios que já em 1801 o alvará de 12 de Agosto mandou que no Brasil os cavaleiros de Cristo, Avis e Santiago fossem julgados pêlos desembargadores e ouvidores gerais do crime, disposição esta que a Carta Régia de Novembro de 1808, § 17, tornou extensiva aos cavaleiros da Ordem da Torre e Espada, criada por D. João VI.
8. Em tempo de guerra os tribunais militares funcionavam, nos termos das respectivas Ordenanças, pela forma expedita que as circunstâncias impunham; mas em tempo de paz os réus podiam "nomear advogados que os assistam e aconselhem nos seus interrogatórios e aleguem a sua defesa" (Decreto de 5 de Outubro de 1778).
E, conquanto a Carta Régia de 21 de Outubro de 1757 houvesse qualificado de "crime de lesa-majestade de primeira cabeça" a confederação ou ajuntamento, vozes sediciosas e tumultos, para os amotinados se oporem às leis e ordens ou resistirem aos ministros e oficiais encarregados da execução delas, entregando-os à justiça ordinária, e fosse mantida a disposição do alvará de 21 de Novembro de 1763 que inibia os tribunais militares de se ocuparem de qualquer causa cível, por maior que fosse a graduação do militar nela interessado, marcando assim nitidamente a especialidade do foro militar, certo foi que veio depois a necessidade ou a conveniência de entregar aos tribunais militares o conhecimento e julgamento da "resistência oposta por paisanos aos oficiais das ordenanças, em actos das suas diligências, ou que embaracem as conduções de recrutas ou qualquer outro objecto, porque em todos estes casos serão julgados como forma militar" 1.
Mais longe foi outro diploma 2 ao sujeitar a conselho de guerra os casos de "resistência aos oficiais e oficiais inferiores e soldados da tropa em actos da sua diligência, indo munidos de ordem escrita de seus superiores, que deverão apresentar".
O aviso de 2 de Dezembro de 1815 veio, porém, declarar que tal disposição é só compreensiva das diligências militares do ofício das Ordenanças, "pois, assim como os militares só perdiam o privilégio do seu foro quando resistiam à justiça em matéria ou coisa do seu ofício, assim não deviam os paisanos ficar privados do seu foro civil ou criminal quando resistiam às Ordenanças em objectos que lhes não eram próprios, como prender facínoras ou outras diligências em que entravam como auxiliadores, à excepção de irem prender uni paisano que resistisse às ordens do seu chefe, ou outros casos semelhantes".
9. A este tempo já nos conselhos de guerra da Marinha, organizados nos termos do Decreto de 15 de Novembro de 1783, foram mandadas seguir as normas observadas nos das tropas de terra 3.
E outra ordem 4 estabeleceu que nos regimentos de milícias se fizessem conselhos de guerra em tudo semelhantes aos das tropas regulares.
Mais tarde 5 foi regulamentado que nestes conselhos servisse de auditor o juiz de fora da sede do regimento e que o general nomeasse para vogais os oficiais das milícias ou das tropas de linha que lhe parecessem.
10. Com este desenvolvimento da justiça militar cresceu também a necessidade de compilar e modernizar as disposições legais respectivas.
o sector civil acontecera o mesmo.
Por Decreto de 31 de Março de 1778 fora nomeada uma comissão de quinze jurisconsultos para proceder à revisão das Ordenações e das leis extravagantes e dispersas que nelas devessem ser incorporadas. Nada fez.
Em 23 de Março de 1783 foi nomeado para proceder a esse trabalho o Doutor Pascoal José de Melo Freire, que, quatro anos depois, apresentou um Projecto de Código de Direito Público e Criminal, obra notável para aquela época. Nomeada outra comissão revisora em 3 de Fevereiro de 1789, também dessa vez o código não se publicou.
Só em 21 de Março de 1802 foi criada uma junta encarregada de elaborar um código de justiça militar. Parece que alguma coisa teria feito, pois que em 13 de Janeiro de 1804 a encarregaram de fazer um código militar da Marinha.
Nenhum destes trabalhos, se se concluíram, veio a ser convertido em lei, e não admira. A época era agitada por ideias novas, que se reflectiam no próprio campo do direito; uns as queriam, outros as repudiavam.
E assim aconteceu que, perturbada a nossa paz pelas invasões napoleónicas e germinadas as sementes de dissídios internos que viriam a culminar na guerra civil, pôde ainda publicar-se um Regulamento para a Reorga-
1 Regimentos de 22 de Dezembro de 1643 e do 9 de Outubro de 1645.
2 Decreto de 4 de Março de 1672.
3 Decreto de 18 de Fevereiro de 1763.
4 Alvará de 21 de Outubro de 1763, §§ 2.º e 3.°
5 Alvarás de 9 de Dezembro de 1611, 18 de Janeiro de 1613, 9 de Julho de 1636 e 14 de Setembro de 1637.
1 Alvará de 20 de Dezembro de 1784.
2 Alvará de 10 de Agosto de 1790.
3 Ordenança de 25 de Abril de 1800.
4 Ordenança de 27 de Abril de 1800.
5 Regulamento de 20 de Dezembro de 1808, título 5.°, capítulo 3.º