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28 DE FEVEREIRO DE 1955 379

O foro militar no regime republicano

19. Com a proclamação da República, o Governo Provisório, da presidência de Teófilo Braga, sendo Ministro da Guerra o general Correia Barreto, apressou-se a decretar, logo em 11 de Março de 1911, um Código de Processo Criminal Militar, em cujo relatório preliminar se diz que ao Governo teve a orientá-lo critério seguro, o qual é o espirito novo que procura estabelecer as bases e as linhas da evolução de um exército diferenciado para o regime da nação armada", o que o "conduziu a acabar com a barreira funesta da separação das competências e distinção de foros".
Puro jogo de palavras, que não correspondia à realidade e era contraditado por outras passagens do mesmo relatório: "Se é verdade que à justiça parcelar sucedeu a justiça comum, que absorveu as jurisdições múltiplas, sujeitando todos ao mesmo direito, é certo também que em nossos dias se manifesta corrente favorável à criação de tribunais especiais para o julgamento das questões suscitadas dentro do exercício de cada uma das várias e complexas funções do Estado. E, se a competência universal pode ser defendida pelas razões superiores de direito e de justiça, a jurisdição particularizada é preconizada como defesa dos corpos e institutos a que esta jurisdição se aplica", e assim o Governo "relegou para os tribunais comuns o julgamento de todos os crimes que não tenham carácter militar..., deixando para os tribunais militares os crimes previstos nos códigos militares".
A teoria das competências especializadas não parece exposta com perfeição, mas foi traduzida nos artigos 123.° e 124.° deste Código de Processo Criminal Militar, que, mandavam submeter ao tribunal militar os militares, fosse, qual fosse a sua situação, somente pêlos crimes que cometerem contra o disposto no Código de Justiça Militar, devendo, no caso de cúmulo de crimes militares e comuns, aquele tribunal esperar pelo julgamento do tribunal civil para depois, em face da sentença proferida, aplicar a pena de harmonia com a lei para o caso de acumulação de crimes.
Esta solução anquilosava os conselhos de guerra, que, em face da psicologia militar, se têm necessidade de julgar com acerto, não a têm menos de absolver ou condenar com brevidade.
As Leis de 6 e 8 de Maio de 1913 restabeleceram a competência dos tribunais militares para o julgamento dos crimes comuns praticados por militares, do activo ou da reserva, na efectividade do serviço ou em cumprimento de deveres militares, e por prisioneiros e emigrados subordinados à autoridade militar.
Não se fez referência aos reformados.

20. Já então estava em vigor a primeira Constituição Política da República, votada pela Câmara Constituinte em 1911. Diploma excessivamente conciso, revelando a dificuldade de encontrar pontos de vista harmónicos, dentro de uma assembleia já dividida por divergentes correntes de opinião ou sentimento, nem sequer repetiu a disposição do artigo 1.° do Decreto de 10 de Novembro de 1910, que "revogou todas as leis de excepção que submetam quaisquer indivíduos a juizes criminais excepcionais", limitando-se a dizer no artigo 23.°, n.ºs 3.° a 21.°, que ca República Portuguesa não admite privilégios de nascimento nem foros de nobreza" e, nos artigos 56.° e 90.°, que o Poder Judicial terá por órgão um Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de 1.ª e 2.ª instâncias, distribuídos pelo País conforme as necessidades do serviço o exigirem, -"continuando em vigor, enquanto não revogadas pelo Poder Legislativo, as leis e os decretos com força de lei até hoje existentes".
A tribunais militares nenhuma referência expressa. Tudo continuou como estava, pois, de facto, não havia o intuito de os suprimir ou reduzir, quer em número, quer em competência.

21. Só em 26 de Novembro de 1925 foi decretado novo Código de Justiça Militar, incluindo a constituição dos conselhos de guerra e as normas do processo, juntamente com as regras de competência e os crimes e penas especificamente militares.
É este o código ainda em vigor na metrópole e no ultramar.
Segundo ele, os tribunais militares conhecem "dos crimes de qualquer natureza, excepto os de contrabando e descaminho e o de abuso de liberdade de imprensa quando não constitua crime essencialmente militar, cometidos por militares ou outras pessoas ao serviço do Exército ou da Armada, com as limitações e distinções expressamente estabelecidas neste código" 1.
Ora, quanto aos militares da reserva e reformados da Armada, do Exército, das Guardas Republicana e Fiscal e da Polícia estabelece-se que em tempo de paz eles respondem perante os tribunais militares por crimes de qualquer natureza, militares ou comuns, se estiverem no desempenho de algum serviço militar 2; e, se não estiverem desempenhando algum serviço militar, só respondem perante os tribunais militares quando cometerem algum crime previsto no Código de Justiça Militar 3, e então ainda que conjuntamente sejam acusados de algum crime previsto nas leis gerais 4.
Porém, o Decreto n.° 14 419, de 13 de Outubro de 1927, modificou estes preceitos, determinando que "os oficiais na situação de reserva e do quadro auxiliar, os militares reformados, os que estiverem com licença ilimitada, em inactividade temporária, e os empregados em comissões não dependentes dos Ministérios da Guerra e da Marinha estão sujeitos à jurisdição dos tribunais nos mesmos casos e nas mesmas condições em que os do activo do Exército ou da Armada estiverem sujeitos a essa jurisdição".
Era a expressão do conceito da igualdade perante o foro militar de todos os que tinham direito a usar uma farda do Exército ou da Armada.
Esta disposição foi justificada com o considerando de "não ser justo que os oficiais, pelo facto de transitarem para a situação de reserva, para o quadro auxiliar ou para a situação de reforma, ou de estarem em determinadas situações, percam o foro militar e fiquem sujeitos em determinados casos à jurisdição dos tribunais comuns, quando indivíduos estranhos ao Exército e à Armada, e até da classe civil, estão sujeitos à jurisdição dos tribunais militares".

22. Com efeito, a extensão da competência dos tribunais militares para julgamento de civis, em certas emergências, foi sempre adoptada em tempo de guerra e também é antiga, bem que mais restrita, em tempo de paz.
A isso são levados os Governos e os próprios Parlamentos, visto que as nações se podem achar em circunstâncias excepcionais, para que é lícito invocar o famoso brocardo Salus populi, suprema lex, e também noutras em que apenas urge assegurar a conservação ou o restabelecimento da ordem pública, e em todo o caso tão previsíveis que no próprio Código de Justiça Militar há para elas formas especiais de processos.
É grande a lista das leis e decretos que entre nós ordenaram aquela extensão, mesmo sem remontar ao regime absoluto. Logo em 1840, em pleno domínio setem-

1 Código de Justiça Militar, artigo 363.°
2 Código de Justiça Militar, artigos 364.° e 365.°, n.° 5.°, alíneas b) e c).
3 Código de Justiça Militar, artigo 366.°, n.ºs 1.° e 2.°
4 Código de Justiça Militar, artigo 367.°
5 Código de Justiça Militar, título II, capítulos I a IV.