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380 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 38

brista -herdeiro da liberalíssima tradição de 1820 -, a Carta de Lei de 14 de Agosto suspendia as garantias de liberdade de imprensa, inviolabilidade do domicilio e captura sem culpa formada e mandava que os acusados pelo crime de rebelião respondessem em tribunal especial, composto de três oficiais do Exército e de três desembargadores, disposição que não chegou a vigorar, pois que nova Carta de Lei, de 25 do mesmo mês, mandava que todos os réus desse crime fossem julgados pelos conselhos de guerra, constituídos nos termos do alvará de 4 de Setembro de 1760, ainda então vigente; e, após a proclamação da República, iniciou-se com os Decretos de 3 de Fevereiro e de 8 de Julho de 1912 a longa série de diplomas que entregaram aos tribunais militares a competência para julgarem civis réus de certos crimes previstos no Código Penal ou em leis especiais, sendo típico um dos últimos, o Decreto n.º 32352, de 2 de Novembro de 1942, que autoriza o Governo a «sujeitar ao foro militar e às disposições do Regulamento de Disciplina Militar, na parte aplicável, o pessoal das empresas concessionárias de serviços públicos».
São factos da vida contemporânea que não é preciso rememorar especificadamente, pois que estão presentes no espírito de quem quer que se ocupe do assunto.
Só pode haver divergências quanto ao seu valor relativo.

23. Estava em pleno vigor o referido Decreto n.º 14 419 quando foi aprovada, por plebiscito nacional, a Constituição Política da República, de 1933.
O professor da Faculdade de Direito de Lisboa Doutor Fezas Vital, que foi presidente desta Câmara e tem sobre a matéria especial autoridade, explicou o alcance das disposições sobre os tribunais de justiça que alunos seus, em apontamentos impressos, traduziram da seguinte maneira1:

Ao lado dos tribunais ordinários, comuns ou judiciais (todas estas terminologias são sinónimas, não para a Constituição mas na doutrina e na legislação), há tribunais especiais: tribunais administrativos (Supremo Tribunal Administrativo e auditorias, isto é, os chamados tribunais do contencioso administrativo), tribunais do contencioso fiscal, tribunais militares, etc. Dispõe-se, porém, no artigo 117.º que não é permitida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para o julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes, excepto sendo estes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado. Pode, portanto, ser conferido à competência de tribunais militares, que são tribunais especiais, o julgamento de crimes praticados por militares, mas não pode ser criado um tribunal especial para conhecer de certas categorias de crimes, salvo tratando-se de crimes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado.

E o professor da Faculdade de Direito de Coimbra Doutor Carlos Moreira, em idênticas circunstâncias, diz :

Segundo os termos do artigo 117.º, não é permitida a criação de tribunais especiais com competência exclusiva para o julgamento de determinada ou determinadas categorias de crimes. Não pode, por isso, criar-se um tribunal especial para julgar homicídios. Podem, porém, segundo os termos do mesmo artigo, criar-se tribunais especiais para os crimes fiscais, sociais ou contra a segurança do Estado. Criar tribunais para outros fins que não sejam os do artigo 137.º é inconstitucional.

1 Lições de Direito Constitucional, p. 427.
2 Lições de Direito Constitucional, p. 195, §74.º

Na prática, como na doutrina, continua, pois, a não se discutir a legalidade constitucional dos tribunais militares, apesar de a Constituição não lhes fazer expressa referência. Devem ser considerados como uma instituição militar tradicional, de entre as exigidas pelas supremas necessidades de defesa da integridade da Pátria e da manutenção da ordem e da paz pública, às quais o Estado assegura a existência e o prestigio, nos termos do artigo 53.º da mesma Constituição.
Na verdade, eles têm sobrevivido desde há séculos, através das revoluções e das mudanças de regime, intactos nas suas estrutura e função fundamentais. E tanto em Portugal como nos outros países.
O que tem variado é a área da sua competência ou da sua jurisdição, no tocante quer às pessoas, quer às infracções.
Porque se tratava de crimes contra a ordem social e a segurança jurídica, é que o Governo, pouco depois da promulgação da Constituição, se julgou autorizado a entregar a um tribunal militar especial, com sede em Lisboa, os actos de rebelião e os atentados contra as comunicações e as instalações destinadas ao abastecimento ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis, bem como à importação, fabrico, guarda, transporte e uso de armas proibidas e de substâncias explosivas 1.
Nesta medida cabiam civis e militares; mas os tribunais militares comuns ou territoriais continuaram a funcionar, segundo as leis em vigor, para a generalidade dos crimes praticados por militares ou equiparados.
Na determinação da qualidade das pessoas com direito ou sujeição a este foro é que poderiam dar-se variações.

24. Assim foi que a disposição do Decreto n.º 14419 veio a ser revogada por outra disposição inserta na lei dos serviços do recrutamento militar 2, não obstante o Decreto n.º 15 080 3 ter autorizado a nomeação de oficiais da reserva e reformados para a composição dos conselhos de guerra especiais para julgamento do crime de rebelião, determinados pelo Decreto n.º 13 392 4.
Aquela lei dispôs no artigo 41.º:

Os militares licenciados e territoriais, salvo quando em efectivo serviço, não estão sujeitos, seja qual for o crime ou delito cometido, ao foro militar. O mesmo preceito é aplicável aos oficiais separados do serviço e, a não se tratar de crimes essencialmente militares, também aos oficiais e praças reformados.

Note-se, no entanto, que não se trata de acto de mera responsabilidade governativa, mas sim de lei que passou pela fieira parlamentar e foi votada pela Assembleia Nacional. Quais os fundamentos dessa disposição?
O relatório, aliás desenvolvido e notavelmente sistematizado, que informa a apresentação pelo Governo às Camarás da proposta de lei n.º 162, na legislatura de 1937, é inteiramente omisso acerca de tal matéria.
A Câmara Corporativa elaborou o seu parecer, de que foi relator o Digno Procurador José Filipe de Sarros Rodrigues, agora ilustre chefe do Estado-Maior do Exército. Subscreveram-no os Dignos Procuradores generais Eduardo Marques, Daniel de Sousa e João de Almeida Arez, tenente-coronel Velhinho Correia e doutores Fezas Vital, Abel de Andrade e José Gabriel Pinto Coelho.
De notável e admirável foi esse trabalho qualificado na Assembleia Nacional; e, com efeito, nele se fez a

1 Decreto-Lei n.º 23203, de 6 de Novembro de 1933.
2 Lei n.º 1901, de 1 do Setembro de 1937.
3 Decreto n.º 15 080, de 24 de Fevereiro do 1928.
4 Decreto n.º 13 393, de 11 do Março de 1927, artigo 4.º