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28 DE FEVEREIRO DE 1955 377

Nesta Constituição ficou inserto o artigo 20.º, que estatuiu:

Ficam abolidos todos os privilégios que não forem especialmente fundados em utilidade pública.

e em § único:

À excepção das causas que por sua natureza pertencerem a juízos particulares, na conformidade das leis, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais.

No artigo 120.º dispôs que:

O Exército e a Armada constituem a força permanente do Estado.

e no § único que:

Os oficiais do Exército e da Armada somente podem ser privados da sua patente por sentença proferida em juízo competente.

Como se vê, o pensamento linear dos revolucionários de 1820 sofrera já os desvios que as circunstâncias sociais impõem aos homens de governo. Admitiram privilégios por utilidade pública e juízos particulares para causas determinadas por leis ordinárias, só omitindo a expressa designação dos conselhos de guerra para a demissão de oficiais, talvez para evitar excessiva especificação, imprópria de texto constitucional.
Contudo, esta Constituição não conseguiu radicar-se. O próprio Ministro da Justiça, Costa Cabral, em Janeiro de 1842, foi ao Porto e deu um golpe de Estado, proclamando a restauração da Carta Constitucional.
Assim, ficou esta a reger ininterruptamente a vida política do País até à proclamação da República.

15. Foi neste período constitucional que a nossa legislação, tanto substantiva como adjectiva, realizou nem sempre rápidos, mas efectivos progressos, tanto no campo civil como no militar, para se colocar no nível geral europeu.
Afigura-se-nos que, se isso foi devido à maior permeabilidade do meio social à entrada das ideias que circulavam no Mundo, não o foi menos à reforma pombalina dos estudos universitários e ao crescente número de escolares que a eles acorreu, porque de outro modo havia a impossibilidade de constituir um corpo geral de magistrados competentes.
Com efeito, é de notar que já tínhamos feito a Restauração de 1640 e ainda em 13 de Novembro de 1642 um alvará prescrevia que «juiz não pode ser quem não souber ler e escrever»; e, passado mais de um século, o alvará de 7 de Dezembro de 1782 advertia de que «os juizes ordinários administravam mal a justiça, por paixões de amor ou ódio».
E também já tínhamos feito a Revolução de 1820 quando Garrett, com ardor juvenil, dizia que «na nossa legislação avultava mais o número das excepções que o das regras gerais; os privilégios eram infinitos, as isenções multiplicadas e, em consequência, não havia direito».
E acrescentava:

A execução da justiça torna-se arbitrária, as opiniões dos chamados doutores são preferidas às leis expressas, as romanas às pátrias, a chicana e a intriga à razão e ao senso comum 1.

E já tínhamos adoptado a Carta Constitucional de 1826, e ainda em 1835 um Deputado dizia na sua Camará, com candente mas ponderada energia, que ao juiz ordinário é um julgador de direito que não sabe direito, uma contradição pura»; e em outro passo: «ainda não temos um código. A codificação é ainda a filipina, há leis extravagantes e leis subsidiárias, isto é, uma jurisprudência só acessível aos esforços da erudição»1.
Eis o que explica a criação já no reinado de D. Afonso IV dos juizes de fora, letrados e estranhos à área da sua jurisdição, os quais foram aumentando no decorrer do século XVIII e nos reinados de D. Maria I e de D. João VI se estenderam à maior parte das comarcas da metrópole e do Brasil e mesmo de Angola, embora com defeituosa divisão territorial.
E explica também, não só o foro militar, mas a existência de uma multiplicidade de juizes especiais, que seria incrível se não fosse fácil verificar as jurisdições variadas e especializadas que ainda hoje existem.
Houve-os de toda a feição, feitos pelo rei ou pelos donatários das terras ou eleitos. O dos «pecados públicos», por exemplo, só foi extinto por alvará de 2 de Junho de 1725, que passou as suas atribuições para os juizes do crime dos bairros de Lisboa, criados em 1608, vindo estes, no entanto, por alvará de 26 de Julho de 1769, a ser proibidos de «tirar devassa dos concubinatos».
O foro militar foi, porém, desde o começo dos mais felizes: os seus tribunais eram constituídos por oficiais de patente não inferior a capitão, conhecedores da vida das casernas e dos acampamentos e da psicologia da tropa e das populações e portanto especialmente aptos para julgarem as questões de facto e pesarem suas agravantes e atenuantes; e obrigatoriamente também por um juiz letrado, o qual intervinha nos julgamentos, não só para aconselhar sobre a interpretação e aplicação das leis e redigir a sentença, mas também para votar em primeiro lugar, para o que se sentava à esquerda do capitão mais moderno2.
Tratava-se, pois, de um tribunal que oferecia garantias de seriedade e acerto, quer se tratasse dê tropas de linha, quer do milicianos, pois a forma era a mesmas.
Tribunal de tal modo acreditado que já em 1812 a sua jurisdição foi mandada aplicar as novas Ordenanças 4; e nos conselhos de guerra do exército britânico aqui destacado foram mandadas adoptar as «mesmas políticas e civilidades que nos nacionais» 5.
Idêntica organização e trâmites se observavam nos conselhos de guerra da Marinha6.

16. Não havia então instituto equiparável ao das reformas actuais. Não se pensava em limites de idade, nem na Caixa de Aposentações.
Os oficiais que se inutilizavam para o serviço recebiam as tenças, que lhes eram dadas, quando não eram distinguidos com prebendas, segundo o espírito de justiça, de clemência ou de favor do rei e seus ministros, e conservavam até à morte as honras e privilégios das suas patentes.
Encontram-se muitos diplomas em que são mesmo concedidas tenças e benesses às viúvas e filhos de oficiais militares, cujo número, é claro, era incomparavelmente menor que o de hoje.
O que se tira do acervo de leis, decretos, alvarás, portarias, ordens e resoluções desde 1640 aplicados ao foro militar é que o âmbito da sua competência, tanto quanto às pessoas como às infracções, não variou substan-

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1 Garrett, O dia 24 de Agosto, 1821.
1 Relatos parlamentares, Diário do Governo, 1835.
2 Alvará de 18 de Fevereiro de 1764.
3 Alvará de 27 do Abril de 1800.
4 Portaria de 30 do Julho de 1812.
5 Portaria de 9 de 1 Julho de 1813.
6 Decreto de 15 de Fevereiro de 1783, Carta Régia de 26 de Outubro de 1796 e alvará de 26 de Novembro do 1800.