382 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 38
recurso, se se tratar de furto de pequeno valor, pois tal será «o tribunal competente».
Não conhecemos disposição que liberte o reformado da imposição do artigo 40.° do Código de Justiça Militar.
Ele, embora passasse a receber a pensão pela Caixa Geral de Aposentações, não perdeu a dependência dos Ministérios militares a que pertence e continua a ter o seu lugar na hierarquia dos graduados, conforme os galões que lhe competem. É este lugar, ou «patente», são os seus deveres de disciplina, as suas honras militares, são os seus galões, que a demissão atingirá.
28. Com efeito, a demissão importa a perda do direito a haver recompensas ou pensões por serviços anteriores, bem como a caducidade do direito de usar a sua farda e condecorações. Enquanto os reformados não forem demitidos, o Ministro continua a ter sobre eles uma acção cuja natureza se pode avaliar por alguns dos diplomas publicados posteriormente à lei que os subtraiu ao foro militar.
Assim, quase logo a seguir, em 12 de Janeiro de 1937, o Decreto-Lei n.° 28 404 estabeleceu no seu artigo 9.° uma disposição permitindo ao Governo separar do serviço os oficiais mesmo na situação de reserva ou reforma, declarando-a de carácter permanente e como tal incorporada no Regulamento de Disciplina Militar. Este decreto permite que ao separado seja fixada uma pensão, inferior à que tinha como oficial reformado, e retira-lhe o benefício da assistência nacional aos tuberculosos do Exército.
Em Ordem do Exército n.° 11, de 31 de Dezembro de 1941, publicou-se:
Os militares reformados, quer ausentes com licença no estrangeiro ou no ultramar português, quer residam no continente, são obrigados a ter sempre ao corrente do seu domicilio a autoridade militar de que dependem ou a correspondente autoridade militar ou consular, às quais comunicarão todas as mudanças de residência, mesmo que se encontrem em trânsito.
Os Decretos-Leis n.ºs 32 329, de 19 de Outubro de 1942, e 32 655, de 5 de Fevereiro de 1943, aquele para o Exército e este para a Armada, determinaram que:
Nos termos da alínea d) do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 30 250, de 30 de Dezembro de 1939, os Ministros respectivos podem, mediante processo disciplinar, impor a separação do serviço ou a demissão aos militares que, independentemente da sua situação na efectividade do serviço, na reserva ou na reforma, estejam sob a alçada do Regulamento de Disciplina Militar.
A função do foro privativo na corporação militar
29. Lançando agora um olhar sobre o conspecto das vicissitudes históricas da jurisdição militar e as oscilações dos preceitos constitucionais ou a ambiguidade de alguns destes acerca da natureza e competência dos tribunais de justiça, em confronto com a permanente realidade da existência daquele foro privativo, temos de tirar a conclusão de que estamos em frente de uma instituição de estrutura quase imutável, que se pode dizer intrinsecamente unida à orgânica militar.
Tanto ou mais que os tribunais das espécies administrativa e fiscal na organização civil, o foro militar é parte integrante do complexo de órgãos que asseguram a feição moral e a consequente disciplina das forças armadas - as quais, por seu turno, se mostram inseparáveis da existência do Estado, seja qual for o seu regime.
O cunho moral, o espirito animador das forças de terra, mar e ar, se tem por base todas as virtudes que exornam um cidadão de bom comportamento, é completado pêlos atributos de energia física e de resignação voluntária, de decisão pronta e de obediência passiva, de valentia e de prudência, de desejo de destaque pessoal e de sentimento de solidariedade colectiva, de valor da vida e de desprezo da morte, que, embora vindos em potência do berço familiar, só pela hierarquia dos meios de instrução e dos comandos podem ser despojados do seu aparente antagonismo e conciliados, afinados e graduados para as várias circunstâncias da vida militar.
Afigura-se-nos que também não podemos pôr de parte o conceito fundamental da hierarquia na solução do problema da atribuição do foro militar aos oficiais reformados.
30. E o foro militar ma privilégio da classe ou uma garantia da eficiência profissional?
Parece-nos que não podemos rigorosamente classificá-lo de privilégio. Esta designação ter-lhe-ia sido algumas vezes aplicada mais por sugestão dos privilégios de que gozaram os nobres, os eclesiásticos e até certos mercadores, do que pela verdadeira função dos tribunais militares.
Com efeito, eles desde o princípio julgaram nobres e plebeus, oficiais, sargentos e soldados. Modificava-se à constituição do júri, tal como hoje ainda se faz, conforme a graduação do réu, mas a forma de processo era essencialmente á mesma e o mesmo o juiz togado. Havia, e há, o respeito pela hierarquia, mas dentro da organização havia um como que fermento de unidade igualitária que foi esbatendo a diferenciação das penas em relação à qualidade das pessoas e ao modo de as cumprir, estabelecida nas próprias Ordenações do Reino, para só atender a escala hierárquica dos postos militares.
Deixou de haver favor à casta, para haver somente respeito à função, enquanto a gravidade do crime não conduzia à degradação ou à expulsão do acusado. For isso o sistema do foro militar se não apresenta como privilégio, segundo os usos esbatidos do passado. É privilégio tão-sòmente no sentido de sancionar a situação dos militares como pertencentes a uma classe diferenciada do comum dos cidadãos e que só pode ser julgada pelos seus pares em tribunais privativos, com preceitos e formulários próprios.
Mas isto não é mais que o aspecto superficial, externo, da jurisdição militar, quando a projectamos sobre a planta da organização forense da Nação, pois que, em rigor, só em sentido lato se pode dizer que o militar é julgado pêlos seus pares. De facto, ele é julgado sempre por seus superiores, visto que só oficiais podem fazer parte dos conselhos de guerra e hão-de ser sempre de graduação ou antiguidade acima da do réu.
31. No fundo - e já que ele abrangeu indistintamente todos os militares, desde o recruta ao general- este foro privativo tem institucionalmente uma função de garantia indispensável à manutenção do espírito de disciplina, com o reconhecimento, que é fundamental, de uma hierarquia inviolável e a segurança da existência constante, pronta, firme e uniforme de acção educativa, correctiva e repressiva, adequada ao meio em que se exerce.
Logo de inicio, garantia para todos os membros do Exército de justiça mais rápida, mais igual, mais adaptada, em melhores condições de apreciar, pelo directo conhecimento do meio, a responsabilidade do acusado em relação à gravidade da infracção.
Logo depois, a garantia da distinção entre o âmbito da acção disciplinar e o da acção forense, permitindo àquela imediata repressão das infracções de menor gra-