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850 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 89

cursos ocasionalmente realizados por iniciativa do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, ainda não foi dado até hoje qualquer passo sério para transitar da palavra à acção, encarando em plano de conjunto a tareia da formação de dirigentes e da criação e uma verdadeira mentalidade corporativa, cuja urgência tão insistentemente se apregoou nos últimos anos.
A isso vem a presente proposta de lei, cuja necessidade fica assim sobejamente demonstrada.

§ 3.º

Oportunidade da proposta

15. Além da legitimidade doutrinária da proposta e da sua necessidade, importa ainda frisar a sua oportunidade.
O que a esse (propósito deve disser-se é que a doutrinação social e corporativa a que o Plano visa - que sempre seria bem-vinda, mesmo que nada de novo se passasse na evolução do nosso corporativismo - surge no justo momento em que melhores condições de êxito encontra e em que mau necessária se torna.
Surge no momento em que encontra melhores condições de êxito, porque a simultânea criação das corporações constitui - permita-se o termo - uma autêntica terapêutica de choque para despertar a adormecida consciência corporativa do País. Como disse em tempos Pires Cardoso, «as fases de renovação abrem sempre um campo propício à intensificação das ideias, pela maior receptividade que provocam» 2; e, por isso mesmo, o Plano pode encontrar, neste momento, facilidades de execução que noutra altura não encontraria.
Surge no momento em que mais necessário se torna, pois não faria realmente sentido que se desse um passo de tanta importância para a estruturação do nosso sistema corporativo, como é o da criação das primeiras corporações, sem se empreender a tarefa de doutrinação há tanto tempo reclamada. Com razão se diz no relatório da proposta que «doutra sorte correr-se-ia o risco de vir a ter-se, porventura, uma construção corporativa integral e quanto possível perfeita, mas privada de alma, vazia de sentido e sem projecção».
Esta e «alma», esta «projecção» e este «sentido» só poderão tê-los as corporações se forem apoiadas por uma crescente consciência corporativa e fie forem servida» por dirigentes bem doutrinados e tecnicamente preparados para dar aos problemas as soluções que devem ter.

16. Insistiremos nesta última nota por virtude da especial importância de que ela se reveste para que as corporações venham a ser o que se pretende que elas sejam.
A proposta de lei do Governo que institui as corporações vem acompanhada dum valioso relatório onde se apontam, com particular vivacidade, as razões que levam o Governo a desejar que elas sejam juridicamente autónomas. Aí se diz (n.º 20) que, ao atribuir às corporações a qualidade de pessoas colectivas de direito público, pretende reafirmar-se «o princípio sempre proclamado da natureza associativa do sistema corporativo português» e pretende-se, sobretudo, que essas corporações, juridicamente autónomas, como «representantes legítimas e naturais das actividades que integram, harmonizem as divergências dos interesses e se apresentem perante o Estado como a imagem viva do País, na sua economia e na sua vida intelectual e moral».
Ora é evidente que, para tudo isto não ser letra morta - mantendo-se um corporativismo sempre proclamado de natureza associativa e sempre praticado como corporativismo de Estado-, é necessário que as corporações sejam servidas por dirigentes bem adestrados, com perfeita consciência da sua missão e com os conhecimentos técnicos indispensáveis para neles se poder depositar confiança.
Perante dirigentes improvisados, sem clara noção dos seus deveres, sem cultura adequada, sem espírito corporativo bem formado, a tutela do Estado surge sempre como inevitável, pois maior mal seria deixar a organização entregue a ineptos. E entra-se então num círculo vicioso: o Estado proclama a necessidade dum certo grau de consciência corporativa para que os vários organismos fiquem entregues a si próprios e sejam verdadeira expressão dum corporativismo autónomo; como esse grau não existe, sente-se autorizado a exercer a sua tutela sobre esses. organismos; e exercendo esta tutela automaticamente impede que se desenvolva aquela consciência corporativa que há-de justificar a sua progressiva autonomização.
A única maneira de quebrar este círculo vicioso é a da preparação de dirigentes qualificados, que possam merecer a confiança bastante, quer dos dirigidos, quer do próprio Estado. Só nesse momento a consciência corporativa poderá progredir como é necessário; e só nesse momento o Estado poderá efectivamente aliviar a pressão da sua tutela sobre os organismos corporativos, permitindo que estes sejam, não apenas nominalmente, mas de facto, a expressão dum corporativismo autónomo.

17. A oportunidade da proposta, portanto, afigura-se indiscutível. O único comentário que a esse propósito poderia ainda fazer-se -depois de tudo quanto já deixámos dito - é o mesmo que um dia Salazar fez, em idênticas circunstâncias: «Isto não pode merecer outra crítica que não seja a de se não ter feito mais cedo» 1.
Devia, na verdade, ter-se feito mais cedo. Certo é que nunca faltaram esforços, boas vontades e realizações concretas no sentido da criação duma mentalidade corporativa e da formação dum escol directivo, podendo pois dizer-se que, na medida do possível, sempre se procurou dar execução ao pensamento que hoje inspira esta proposta de lei. Simplesmente, é este um dos casos em que não podemos ficar-nos na «medida do possível». A doutrinação e a reforma da mentalidade, como todas as tarefas que exigem fé, entusiasmo e dinamismo, têm de tomar como padrão «a medida do

balho. Esse despacho assentou num estudo previamente feito nesse sentido, por ordem do mesmo Subsecretário, pelo director do pelouro da actividade cultural da referida Fundação, Dr. Fernando Cid Proença. Entendeu-se, porém, antes de dar inicio aos trabalhos, que se devia ir estudar in loco, a Madrid, o funcionamento da Escuela de Capacitación Social do Trabajadores, a fim de verificar em que medida podia ser adaptada essa experiência ao caso português. Desempenhou-se da incumbência o Dr. Cid Proença, que prontamente apresentou sobre o assunto um extenso relatório, que temos & vista e que só é de lamentar - dado o seu merecimento intrínseco - que ainda só conserve inédito. Os círculos, no entanto - ao que parece por dificuldades financeiras (cf. o n.º 9 do relatório da proposta) -, nunca chegaram a entrar em funcionamento.
1 Ainda recentemente funcionou em Coimbra, por iniciativa do delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, um curso do aperfeiçoamento para dirigentes sindicais, que teve larga frequência e proveitosos resultados.
1 Cf. a conferência Uma Escola Corporativa Portuguesa, Lisboa, 1949, p. 16.
1 Cf. Discurso, vol. III, 1938-1943, p. 867, e Antologia, p. 193.