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ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 89 852

Isto significa, portanto, que o espírito corporativo não tem de informar apenas a organização económica e social, mas toda a vida política da Nação. E para isso não basta cuidar da doutrinação corporativa, no mundo do trabalho e da formação de dirigentes corporativos sindicais e patronais; é preciso difundir e fortalecer a mentalidade do corporativismo em todos os sectores da vida nacional. De facto, mais ainda no domínio político do que no domínio económico, é frequente encontrar «muitos espíritos descansados em princípios opostos» - «raciocinando à liberal ou à socialista, mesmo quando pretendem ser corporativistas»'; .e os serviços públicos são muitas vezes os primeiros a dar o exemplo desse «desfasamento», procedendo com mentalidade oposta à dos interesses que julgam servir.
Importa, pois, além de doutrinação económica e social de sentido corporativista, fazer também doutrinação política de igual Sentido. E o êxito daquela - não tenha-mos ilusões - depende em grande parte do êxito que esta obtiver.
Ora a proposta parece ter menosprezado algum tanto este aspecto do problema. Ë certo que o não esqueceu de todo, pois a doutrinação económica, e social que preconiza é já de si também, em muitos dos seus pormenores, uma verdadeira doutrinação política. E também é certo que não seria fácil ao Ministério das Corporações traçar e executar um plano de pura doutrinação política com a mesma facilidade com que pode promover um plano de doutrinação económica e social. De qualquer modo, tudo aconselha a que, pelo menos na regulamentação do presente diploma, se insista na necessidade de apresentar sempre e a todos os propósitos, o corporativismo económico como um simples aspecto do corporativismo integral, que tem de dominar, cada vez mais, toda a vida política e administrativa da Nação.

21. De resto, mesmo dentro do ponto de vista da simples doutrinação social e económica, a proposta não esgota todos os meios legítimos ao seu alcance para a difusão do espírito corporativo e para a formação de dirigentes. Poderia ter concretizado algo mais sobre a colaboração que há a esperar, para o efeito, das instituições enumeradas na base II, com vista a alargar os efeitos do Plano para além do restrito campo de acção do Ministério das Corporações. Poderia ter cuidado, designadamente, nessa ordem de ideias, do problema da formação social e corporativa do professorado dos vários graus de ensino e dos estudantes dos cursos secundários. E bom era que o tivesse feito.
Não insistiremos, porém, nesses pontos, que podem, de resto, ser objecto da merecida atenção nos diplomas regulamentares que serão publicados em complemento do Plano. Limitar-nos-emos a falar dum aspecto do problema que nos parece ser da maior importância e que, por isso mesmo, não pode deixar de ser focado desde já: e da colaboração da Universidade.
É nas Universidades que se forma a elite intelectual do País e, por isso mesmo, é entre os seus diplomados que vão recrutar-se os elementos necessários ao preenchimento dos quadros directivos: funcionários superiores do Estado, pessoal técnico superior das empresas, empresários e dirigentes do trabalho, etc. A eles há-de ir, forçosamente, também a organização corporativa buscar uma grande parte dos seus dirigentes: a parte, nem mais nem menos, dos seus dirigentes superiores - dirigentes de cujo saber, de cuja orientação, de cujo exemplo dependerão em grande parte o êxito e o prestígio do sistema.
Que preparação trazem da Universidade para a vida esses diplomados, além dos conhecimentos técnicos e científicos que directamente respeitam ao exercício da sua profissão? No domínio que nos interessa - compreensão dos problemas sociais, clara visão do sentado das realizações corporativas, consciência do papel que podem e devem desempenhar como dirigentes ou como árbitros de interesses antagónicos -, é forçoso confessar que essa preparação é pouco mais que nula.
E, no entanto, é manifesto que a Universidade dos nossos dias não pode limitar-se a fornecer aos escolares os conhecimentos técnicos de que hão-de necessitar para o exercício duma profissão. Dela se exige, cada vez mais, que prepare homens para a vida, cora clara noção das suas responsabilidades sociais. Como alguém recentemente disse: e há-de ser na Universidade que os especialistas dos vários ramos do saber e das várias profissões intelectuais e dirigentes - os engenheiros, como os juristas, os economistas, os sociólogos, os psicólogos, os
médicos, os pedagogos, os arquitectos, os urbanistas e tantos outros - hão-de adquirir o sentido social, a consciência das fortes responsabilidades que lhes tocam no seu campo específico de acção, e ao mesmo tempo formar uma visão unitária, totalista, não deformada por um especialismo ou tecnicismo acanhado e falso, o problema social no seu conjunto, diverso mas uno, de situações e dados, e da solução global que esse problema requer» 1.

22. Do acabado de expor se infere que, sem uma decidida colaboração da Universidade, o êxito do Plano de Formação Social e Corporativa ficará muito aquém do que se pretende. Resta saber que espécie de colaboração, concretamente, pode pedir-se à Universidade num caso destes.
A base V da proposta, aludindo à criação, promoção e desenvolvimento de centros nu gabinetes de estudos corporativos, não só nos organismos corporativos como nos estabelecimentos de natureza cultural e educativa - e entre estes estão, sem dúvida nenhuma, e antes de quaisquer outros, as Universidades -, aponta já, por certo, um dos aspectos 'da colaboração necessária.
Mas não basta. A acção dos centros e gabinetes de estudo, de enorme importância para a formação de especialistas, tem de exercer-se dentro dum escol bastante seleccionado, constituído por estudantes e diplomados com particular vocação para n estudo dos problemas sociais, políticos e económicos. Aí encontrarão

1 Adérito Sedas Nunes, «A Universidade e o problema social» (excurso publicado a pp. 197 a 201 do seu livro Situação e Probemas do Corporativismo, Lisboa, 1954).
Cf. também as conclusões do I Congresso Nacional da juventude Universitária Católica, efectuado em Lisboa de 15 a 19 de Abril de 1958, in O Pensamento Católico e a Universidade, Lisboa, 1953, pp. 407 e segs. Ver, na mesma obra, o trabalho de Sousa da Câmara -«Responsabilidade social da Universidade», pp. 143 a 175, e as várias comunicações apresentadas por estudantes sobre o mesmo tema, pp. 871 a 404.

bem ao domínio das actividades desinteressadas, visto que postula a existência de organismos culturais e morais, os primeiros visando objectivos científicos, literários, artísticos e de educação física e os segundos visando objectivos de assistência, beneficência ou caridade.
Esta orientação, tão característica da nossa doutrina, vale por si e há-de ter gradualmente o seu lógico desenvolvimento orgânico. Se os males do liberalismo ou os perigos das soluções totalitárias afectam ou ameaçam tanto o mundo da economia e da política como os planos da cultura e da assistência, torna-se também imprescindível fazer chegar aqui os benefícios da organização corporativa autónoma.
Por isso se estabelece, logo na base T da presente proposta de lei, que as corporações constituam a organização integral das actividades, não apenas económicas, mas também morais e culturais, e se prevê, na base XV, que o Governo definira os ramos de actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados».
Oliveira Salazar, Discursos, vol. III, 1938-1943, pp. 366 e 867, e Antologia, p. 198.