14 DE MAIO DE 1956 851
impossível», sob pena de esmorecerem e ficarem pelo caminho.
O maior doutrinador de todos os tempos, Jesus Cristo, soube vê-lo com divina clarividência, ao impor aos homens, como medida de perfeição, essa «medida do impossível»: «Sede perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» 1. Se os homens não podem ser tão perfeitos como Deus e têm, no entanto, de submeter-se a esse padrão de perfeição para merecerem o nome de cristãos, isso significa apenas que tudo o que obedece a um elevado ideal exige uma dedicação total. Começar a caminhada já conformado com realizar apenas a «medida do possível» é atraiçoar antecipadamente o ideal que se pretende servir.
Ora o ideal corporativo é dos que merecem bem essa dedicação total. Demorou a chegar - mas parece ter chegado, enfim, com a presente proposta de lei - o momento duma mobilização geral de energias para servir esse ideal com a grandeza e com a dedicação que ele merece.
§4.º
Economia da proposta
18. Sabido que é legítimo, necessário e oportuno pôr em movimento um vasto plano de formação social e corporativo, resta saber se o Governo se propõe fazê-lo da melhor maneira: se devia propor menos, se devia propor mais ou se devia propor diferente.
Por agora, importa responder a estas perguntas encarando apenas a proposta no seu conjunto. O estudo de possíveis acrescentamentos, supressões ou modificações em cada uma das bases será objecto do exame na especialidade.
A impressão com que se fica da leitora da proposta e do longo e bem elaborado relatório que a precede é a de que se está em face dum plano que foi objecto de sério estudo e reflexão no seu traçado fundamental e que se apresenta, por isso mesmo, bem equilibrado e estruturado. As bases estão redigidas com a largueza necessária à conveniente maleabilidade da sua regulamentação, e as explicações que se dão no relatório deixam já prever, por vezes, qual vai ser, de momento, o sentido dessa regulamentação, que sempre se afigura obedecer ao melhor critério.
E com isto se responde já a uma das três perguntas atrás formuladas: dentro do ponto de vista em que se colocou, o Governo dificilmente poderia propor diferente do que ma realidade propõe.
19. Óbvio parece também que dificilmente poderia propor menos. Não faltou, é certo, quem manifestasse uma atitude de cepticismo perante o teor da proposta, afirmando a impossibilidade de se lhe dar plena execução, quer por falta de meios financeiros suficientes, quer pela, dificuldade de encontrar o inúmero de colaboradores indispensável. E isso seria motivo para a reduzir a proporções mais modestas, limitando-a àquilo que houvesse a certeza prévia, de se poder executar.
A esta crítica responde-se, porém, com o que já atrás dissemos, ao apreciar a oportunidade da proposta (n.º 17): é tempo de abandonarmos, numa tarefa de tal transcendência como a doutrinação social e corporativa, o simples «critério do possível». Do conformismo com esse critério resultou o estado de indiferença a que se chegou nos nossos dias perante a mais bela realização do Estado Novo e anais definitiva conquista do seu ideário: a estruturo corporativa da Nação.
O que é preciso, pois, ao traçar um plano de acção destinado a revigorar o ideal corporativo é dizer tudo o que importa fazer, sem cuidar demasiado de saber se esse «tudo» se pode realizar dum momento para o outro ou se vai encontrar dificuldades de execução. Que tenha de se ficar, pela força das circunstâncias, um tanto ou quanto aquém do que se pretendia é o que menos importa; o plano gizado aí estará sempre e pé, a traçar uma directriz e a constituir um compromisso para os que estão envolvidos na tarefa de o executar. Não lhes permitirá adormecer sobre o trabalho realizado, antes lhes mostrará permanentemente que é preciso fazer mais e melhor, sob pena de se atraiçoar o fim que se tem em vista.
Além disto, partindo a proposta, como parte, do Governo, só devemos regozijar-nos que ela tenha a amplitude que tem. Também nesse aspecto ela envolve um compromisso, que é o de o Governo não lhe faltar com o apoio moral e material indispensável. Dentro da política de verdade a que todos já nos habituámos, podemos saber de antemão que nada se promete que não se esteja na disposição de cumprir; e por isso, prometendo muito, a muito o Governo se obriga e muito, por certo, cumprirá.
Aliás, num caso destes, é bem necessário que o prometa e que o cumpra.
20. Se algum dos três problemas apontados oferece dúvidas, é o de saber se o Governo não deveria propor mais, isto é, se não deveria olhar ainda de mais alto para este momentoso problema e focar outros aspectos seus não menos importantes que os focados na proposta.
A ideia que domina a proposta é realmente a da doutrinação corporativa no campo económico e social. Com insistência se fala, nela e no respectivo (relatório, da cooperação entre a propriedade, o capital e o trabalho, da necessidade de doutrinar os trabalhadores e o patronato para uma melhor compreensão dos seus deveres e direitos recíprocos, da elucidação dos operários acerca das vantagens instituídos em seu favor pela legislação social, do melhoramento das relações humanas na empresa, etc.
Ora o corporativismo não é simplesmente uma doutrina social e económica. É também - e pretende-se que o seja cada vez mais, entre nós - uma doutrina política. A nossa Constituição não se limita a perfilhar o corporativismo como meio de harmonizar os interesses da propriedade, do capital e do trabalho;- antes declara que o Estado Português é ele próprio, em toda a sua contextura, um Estado corporativo 1. E ao falar de organismos corporativos» 2, antes ainda de referir os de carácter económico, fala dos que têm simples carácter moral e cultural 3, para logo dizer, em seguida, que nesses organismos corporativos «estarão orgânicamente representadas todas as actividades da Nação», competindo-lhes «participar na eleição das câmaras municipais e dos juntas de província e na constituição da Câmara-Corporativa» 4
1 Evangelho de S. Mateus, v; 48.
1 Constituição Política, artigo 5.º
2 Epígrafe do titulo IV.
3 Constituição Política, artigo 16.º
4 Ibidem, artigo 20.º A proposta de lei que visa à criação das primeiros corporações dá o devido relevo a este carácter integral do nosso corporativismo. E no relatório que a precedo chama-se especialmente a atenção para esse ponto (n.º 17): «Constitui a organização corporativa um sistema a que dá conteúdo e sentido o principio corporativo: o principio da unidade moral, política e económica da Nação.
O principio corporativo não é, pois, ou apenas, o principio da organização e personificação das categorias económicas, a fim de que participem na vida da comunidade política. Pelo contrário, a organização corporativa portuguesa estende-se tam-