1078 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 105
nos grandes e médios aglomerados populacionais, a oferta se avolumou de forma sensível.
Daí a necessidade de mais acentuado esforço colectivo para se enfrentar, com maior eficiência, tão delicada questão. E, se a questão é social, parece indiscutível que cabe aos capitais de origem e sentido sociais o dever de concorrerem, antes de mais, para atenuar, nas suas causas e nos seus efeitos, esta melindrosa situação.
2. É por domais conhecido o valor social da habitação paira que a sua crise possa ser minimizada nas. suas consequência», claramente patentes nas marcas que a carência de moradias condignas e saudáveis imprime no corpo e na alma.
Pelas consequências que a sua falta acarreta bem se pode aferir do valor da casa decente e apropriada: a saúde que se perde pela ausência das mais elementares condições de higiene e profilaxia, as epidemias que a precariedade da habitação propaga, a mortalidade que aumenta. 13 o desperdício e a inutilização parcial da obra de (previdência, de assistência e de saúde levada a caibo através dos serviços médico-sociais, sanatórios, dispensários e subsídios de toda a ordem.
Mas ainda mais do que a saúde do corpo é a saúde do espírito que de tal crise sai ferida: do ponto de vista individual, a promiscuidade, a ilegitimidade de vida e, tantas vezes, a insensibilidade moral; no aspecto familiar, é a falência da nobre missão da família, da sua grandeza e das suas virtudes - dificuldades de constituição de lares legítimos, quebra da sua estabilidade e indissolubilidade, abandono da juventude aos perigos da rua e do vício.
Também pelo lado social são lastimáveis os efeitos da crise da habitação, a qual, agravando as condições de vida de muitos, tanto contribui, por vezes, paira transformar o homem num inconformista ou num vencido, inútil à colectividade e a si próprio.
3. Bem se compreende assim que o problema da habitação se apresente como uma questão chave e que sem a solução dela a política social fique em grande parte sujeita a ver inutilizados muitos dos seus esforços e realizações.
Desta verdade se deram conta vários Estados, que no combate à insuficiência dos alojamentos se têm empenhado. Dela se compenetrou também, nos últimos trinta anos, o Governo Português, cuja acção renovadora encontra na preocupação do social uma das características mais vivas, aliás em obediência a princípios consignados na Constituição. Aí se atribui ao Estado, entre outras, a obrigação de zelar pela melhoria das classes sociais mais desfavorecidas, procurando assegurar-lhes um mínimo de vida compatível com. a dignidade humana, a de defender a saúde pública, a de favorecer a constituição de lares independentes e em condições de salubridade, assim como a de tomar todas as providências no sentido de evitar a corrupção dos costumes.
«A família - como em nome do Governo já foi dito em 1933 - exige por si mesma duas outras instituições: a propriedade privada e a herança. Primeiro a propriedade - a propriedade dos bens que possa gozar e até a propriedade dos bens que possam render. A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra, exige a casa, a casa independente, a casa própria, a nossa casa. E naturalmente mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio».
Decorrente deste espírito, aí está a realidade dos milhares de casas económicas, de renda económica e de renda limitada e de casas para os pescadores ou para pobres que, de norte a sul, animam a nossa paisagem com novas manchas de saúde e alegria.
II
4. Esta obra é fruto de várias providências legislativas, que vão do Decreto-Lei n.º 23052, de 23 de Setembro de 1933, ao Decreto-Lei n.º 40 552, de 12 de Março de 1956.
Deve dizer-se, contudo, que a primeira tentativa para atacar o problema foi feita em 1918 e 1919, através dos Decretos n.º 4137, 5397 e 5443, em que se planeava a construção de «bairros sociais» e se estabelecia que as primeiras mil casas deveriam estar concluídas são ano seguinte», ou seja, em 1920. Sucedeu, porém, que, iniciada a construção dos primeiros bairros do programa (Ajuda e Arco do Cego, em Lisboa, e Arrábida, no Porto), nenhum destes agrupamentos veio a ser acabado até 1926, não obstante se haver gasto a vultosa soma de 65 000 contos.
5. Depois da malograda experiência que foram, os «bairros sociais», só em 1933, com a publicação do Decreto-Lei n.º 23 052, se dá começo a uma política realista em. matéria de habitação para trabalhadores. Definiram-se entoo as bases a que deveriam obedecer a construção e a atribuição das «casas económicas» previstas por esse diploma. Constituiu-se o Fundo das Casas Económicas, que veio permitir a conclusão dos bairros começados dezasseis anos antes e a execução de novo e vasto programa habitacional, em colaboração com as câmaras municipais.
Dado o carácter social da realização, instituiu-se para a «casa económica» o regime que mais se amoldava à sua finalidade e aos interesses dos beneficiários: o regime da propriedade resolúvel e o do casal de família, completados por um sistema de seguros (de vida, invalidez, doença, desemprego e incêndio) durante o período da amortização.
Muitas das moradias unifamiliares construídas ao abrigo deste diploma são já hoje propriedade plena dos interessados.
6. Sem alterar os princípios básicos daquele decreto, vários outros se lhe seguiram, quer para facultar os meios financeiros indispensáveis à execução dos programas habitacionais, quer para actualizar e aperfeiçoar as condições de atribuição das moradias. A parte os diplomas especiais referentes à construção de agrupamentos isolados, sobretudo na província, merecem menção o Decreto-Lei n.º 28 912, de 12 de Agosto de 1938, que aprovou o plano de construção de 2000 casas económicas em Lisboa, além de 1000 casas desmontáveis para substituir os chamados «bairros de lata»; o Decreto-Lei n.º 33 278, de 24 de Novembro de 1943, substituído pelo Decreto-Lei n.º 35 602, de 17 de Abril de 1946, que estabeleceu o plano de construção de 4000 casas económicas em Lisboa, Porto, Coimbra e Almada e para o qual se facultaram os necessários recursos, num total de 320 000 contos; o Decreto-Lei n.º 39 288, de 21 de Julho de 1953, que, além de actualizar os limites de rendimento para a habilitação às casas económicas, modificou algumas normas relativas à classificação dos candidatos, autorizou empréstimos aos moradores e instituiu o serviço social nos bairros; o Decreto-Lei n.º 39 978, de 20 de Dezembro de 1954, que criou um novo tipo de casas económicas (o tipo IV), especialmente destinado a famílias numerosas, e, finalmente, os Decretos-Leis n.ºs 40 246 e 40 552, respectivamente, de 6 de Julho de 1955 e de 12 de Março de 1956, aos quais, pela sua importância, adiante se fará alusão mais desenvolvida.
Podem ainda referir-se, no âmbito da política do Governo em matéria de habitação, as casas para famílias pobres (Decreto-Lei n.º 34 486, de 6 de Abril de 1945),