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1186 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 115

a acção do poder público quanto ao alojamento dos componentes da comunidade. E surgiu sempre que os aglomerados populacionais atingiram certo grau de desenvolvimento social e político, logo se desdobrando em regulamentações referentes à segurança, à protecção, à localização e outras.
Mas é realmente a partir da segunda metade do século XIX que a questão se agrava e apresenta outro aspecto mais premente e difícil de resolver do que o da política da habitação: o do déficit de alojamentos, resultante da escassez da oferta perante uma procura alimentada principalmente pelo crescimento da população, pelo urbanismo e pela urbanização dos grandes centros.

3. Este problema da habitação reveste em Portugal características que, não se afastando sensivelmente das habituais nos outros países, tem, no entanto, certas facetas que vale a pena focar mais de perto.
Não está feita a história da nossa política da habitação ; se estivesse, nela se encontrariam por certo as causas de algumas das situações que ainda hoje se nos deparam. Referem-se, em especial, as condições de insalubridade, generalizadas principalmente nas habitações urbanas das pessoas de baixa e média capacidade económica. O rendimento insuficiente dos agregados justifica, sem dúvida, muitos factos, mas não os justifica todos. Os «pátios» de Lisboa e as «ilhas» do Porto aí estão a corroborar a falta, que de longe vem, de uma orientação política, aliás, tão necessária neste aspecto da vida social.
Mas a questão que neste momento sobreleva todas as outras é a da penúria de habitações, e, consequentemente, a do elevado nível dos seus preços e rendas, e ainda a do sobrepovoamento de muitas das existentes. Note-se que o mal não é novo, pois, segundo conta J. A. de Santa Rita, já em 1880 certo número de operários tinha de viver fora de portas; mas conhece hoje uma intensidade tanto mais alarmante quanto é certo que tem tendência para se avolumar.
Foi sobretudo a partir da segunda guerra mundial que o País começou a conhecer de forma mais cruciante a carência de habitações, provocada por várias causas, de entre as quais salientaremos:

a) O aumento da população;
b) O aumento do urbanismo e do suburbanismo, devido sobretudo ao desenvolvimento económico e à concentração da indústria;
c) A urbanização dos grandes centros;
d) O aumento do nível de rendimento da população;
e) A incapacidade da oferta para responder à procura dê habitações.

4. O aumento da população, que se tem verificado num ritmo nitidamente mais acelerado que o da construção de novas casas, constitui a razão primária do déficit de habitações.
São bem conhecidos os números que traduzem o nosso surto demográfico, mas não será talvez supérfluo insistir neles, já que tantos portugueses parece se não terem ainda compenetrado do que tais números podem vir a traduzir para o País no futuro próximo.
Éramos, só na metrópole, em 1864, uns 3 830 000 habitantes; somos hoje
7 859 000. Mais do dobro em cerca de noventa anos!
A continuar este regime de crescimento populacional, e não foram as emigrações, e andaríamos pelos 10 800 000 em 1972. Deduzindo os emigrantes, é natural que atinjamos naquele ano os 9 800 000 - quer dizer, mais l milhão de habitantes dentro de quinze anos, a quem teremos de dar condições de vida humanas.
Só por si, o aumento da população justifica que nos debrucemos de perto e demoradamente sobre o actual problema da escassez da habitação, cuja gravidade, repetimos, ameaça acentuar-se em curto espaço de tempo.

5. Nos grandes centros pode apontar-se como outra fonte considerável do desequilíbrio entre o número de casas habitáveis e o número de pessoas a alojar o movimento de deserção dos campos pelas massas populacionais, incentivado pelo baixo nível de vida dos trabalhadores rurais e pela fascinação que a urbe sobre eles exerce. É o urbanismo que a revolução industrial gerou e que a fundação de novas fábricas, a ampliação das existentes e o desenvolvimento dos serviços públicos alimentam sem cessar.
Acrescente-se que esta atracção da cidade se não faz sentir apenas nas classes operárias, pois também as outras camadas sociais, seduzidas pela facilidade, rapidez e comodidade dos transportes e levadas em muitos casos pelas exigências da educação dos filhos, transferem os seus domicílios, com uma frequência cada vez maior, da terra onde tradicionalmente viviam para a sede do liceu ou da Universidade ou, simplesmente, para a capital.
Não abundam os estudos sobre o urbanismo e o suburbanismo português, que se desenvolveram, em máxima parte, de 1940 para cá; mas bastam alguns dados estatísticos para demonstrar que eles são, de facto, fonte importante da actual penúria de alojamentos.
De 1912 a 1920, enquanto a população da metrópole aumentou apenas de 73 000 habitantes, os distritos de Lisboa, Porto e Setúbal viram a sua população acrescentada de 104 000 almas, sendo a diferença compensada pelo decréscimo da população em doze distritos.
A população em Lisboa e Setúbal duplicou no período de 1890 a 1940. Neste mesmo período, Oeiras registou um acréscimo demográfico de 377 por cento, Cascais de 264 por cento, Matosinhos de 220 por cento e o Porto de 79 por cento. Os aglomerados com menos de 5000 habitantes que mais medraram sob este ponto de vista situaram-se quase todos nos arredores de Lisboa e Porto. Assim, a Venda Nova avançou de 2076 por cento e Oliveira do Douro de 2180 por cento!
Os conjuntos urbanos de 10 000 a 60 000 habitantes eram apenas doze em 1911 e já eram vinte e seis em 1940.
E o urbanismo não é desmedido no País. Pode afirmar-se, com uma probabilidade que se aproxima da certeza, que ele crescerá em escala progressiva durante os próximos anos, se se atender ao desenvolvimento industrial que se observa e deseja em Portugal e à absoluta necessidade de encontrarmos na indústria emprego para a mão-de-obra utilizada a mais na agricultura e paru os saldos fisiológicos elevados da nossa população.

6. Ainda com referência aos grandes centros, compreende-se que a urbanização constitua outra origem a falta de casas. A abertura de novos e mais largos arruamentos, a implantação de praças e jardins, a construção de grandes edifícios públicos, amplos estabelecimentos industriais ou comerciais, vastos blocos para escritórios, laboratórios ou organismos de toda a espécie provocam fatalmente a desaparição de quantidades apreciáveis, de antigas habitações, a qual não é compensada, como seria de esperar, por novas construções.

7. O aumento do nível de rendimento da população também teve influência no desenvolvimento da crise habitacional. E que o elevado poder de compra nas mãos de alguns permitiu-lhes a aquisição de imóveis