10 DE ABRIL DE 1957 1187
e a ocupação de outros mais caros, dando desta forma origem a uma espécie de mobilidade vertical no domínio da habitação. E pareceria & primeira vista que essa mobilidade seria benéfica, porquanto deveria possibilitar maior oferta no sector das rendas baixas. Mas não. Por um lado, a desigualdade bastante acentuada dos rendimentos per capita no País ainda coloca os saldos fisiológicos maiores na população de baixos rendimentos e, por outro, a oferta da habitação regista-se, como de resto era de prever, dada a economia do mercado, num nível de renda mais alto que o precedente.
O aumento do nível de vida vem assim provocar também a subida das rendas de casa, ao mesmo tempo que contribui para a rarefacção da oferta, uma vez que favorece - e ainda bem que assim é - a existência dum maior número de chefes de família independentes, que têm, finalmente, a possibilidade de se alojarem em casa própria, libertando-se destarte da improvisada solução da aparte de casa», de tanta voga nos nossos maiores centros populacionais.
8. Ao aumento da procura de habitações não tem correspondido proporcional acréscimo da oferta. Longe disso.
Esta insuficiência do ritmo da construção deve-se em grande parte ao desinteresse dos capitais por uma forma de investimento que, mercê de várias causas, se tem revelado pouco remuneradora, especialmente no caso das habitações para gente pobre, assim nas cidades como nas aldeias. Não se pode construir borato - quer dizer, edificar casas cujas rendas fiquem ao alcance das bolsas das classes de reduzida capacidade económica - porque os terrenos e os materiais são caros e porque os construtores não encontram quem lhes empreste o dinheiro de que precisam a juro baixo e a longo prazo de reembolso. Mas não só por isso.
Indústria particularmente sujeita às vicissitudes dos ciclos económicos, a construção civil portuguesa encontra-se, no que se refere à edificação de casas de habitação, mal apetrechada, financeira e tecnicamente. Em épocas de depressão escasseiam-lhe os capitais; nos períodos de euforia procura, naturalmente, os trabalhos mais lucrativos e só faz casas para gente abastada. Tendo conhecido, como nenhuma outra, o amadorismo, a nossa construção civil dispõe ainda hoje duma mão-de-obra pouco qualificada e pouco estável, até pelo carácter intermitente da sua actividade. Em tais circunstâncias, difícil lhe é adaptar-se ao nível da procura.
E, apesar disso, nunca se construiu tanto no País como no período que mediou entre 1940 e 1050. Mas os resultados estão bem patentes: construiu-se mal, para se construir depressa, sem capitais, sem tecnicidade ... e sem fiscalização; construiu-se muito, mas do que maiores lucros podia dar; construiu-se caro, a preços de custo elevados, até porque os próprios terrenos municipais se cotaram excessivamente alto.
E nenhum de nós está em posição de saber quais irão ser as consequências do envelhecimento precoce dos milhares de habitações construídas só em Lisboa durante a guerra e o pós-guerra.
9. E a que atribuir as más condições de habitabilidade na maioria das nossas casas P Que dizer sobre a existência de tanta habitação sem o mínimo de condições higiénicas, de escandalosa insuficiência de espaço e incapazes, portanto, de possibilitarem uma vida familiar digna?
O desolador panorama é comum a todos os países, mas isso não nos autoriza a voltar-lhe as costas e a recusar o nosso esforço e o nosso sacrifício para se lhe pôr cobro.
No caso dos velhos edifícios, decaídos tantas vezes do seu passado esplendor e ruindo aos bocados, a albergarem condenados a morte lenta, a própria vetustez explica a sua inaptidão para desempenharem o papel que lhes impuseram. Construídos num tempo em que as condições de vida eram radicalmente diferentes das actuais e em que a saúde pública não figurava nas preocupações correntes da Administração, maltratados pelas intempéries e enfraquecidos pela ausência de cuidados de conservação, eles são antes coito de roedores e ninho de toda a casta de insectos que asilo de seres humanos desprotegidos da sorte ... e dos seus semelhantes.
Outro aspecto do mesmo quadro é o que nos oferecem certos alojamentos, não totalmente destituídos de condições de habitabilidade, mas tornados também focos de doença e de imoralidade, pelo número inverosímilmente grande dos que neles se abrigam. Este recurso à partilha da mesma casa por várias famílias ou à simples ocupação duma morada minúscula por uma família numerosa, resultado inevitável da carência de habitações e da carestia das rendas, conduz a uma promiscuidade aflitiva, que bem se pode responsabilizar pela insensibilidade moral que se nota, infelizmente, com tanta frequência entre a nossa gente pobre.
Inversamente, o nível de vida extraordinariamente baixo de certas camadas da nossa população, a ignorância total das regras de higiene e profilaxia, o não acostumamento a uma vida de família regular muito contribuem também para o aviltamento da qualidade das residências.
No último degrau da escala encontramos o tugúrio, a barraca de lata, implantada onde calha, crescendo como erva daninha, contra tudo e contra todos. A falta de ar, de luz, de água canalizada e de esgotos torna impossível qualquer veleidade de asseio e de vida decente s transforma esses arremedos de moradas em autênticos chiqueiros. Ali habitam, na realidade, a doença crónica, a epidemia, o depauperamento da raça, o germe da revolta social, a vergonha duma civilização.
Em lugar à parte devemos situar a habitação do trabalhador rural, que em certas zonas do País é de precariedade notória. Aqui também -embora com menor repercussão, dada a dispersão das casas, a pequenez dos aglomerados e a sua localização- a míngua de esgotos e de canalizações de água dificulta a existência de moradias com os necessários requisitos de salubridade; e também aqui o rudimentar nível cultural das populações constitui obstáculo de monta à mudança de maus hábitos inveterados.
10. Desta crise tremendo, de que a nossa sociedade ou, antes, de que a sociedade actual vem sofrendo, estão por demais vincadas as nefastas consequências.
É a amoralização de costumes, que origina os mais lastimosos conflitos determinantes da desagregação familiar.
É a educação e formação das crianças irremediávelmente comprometida.
É o homem atormentado ou revoltado ou humilhado, que se lança na rua e acaba por encontrar na taberna o refúgio onde, mesmo insensivelmente, se vicia e despersonaliza, obliterando o respeito que a si próprio deve.
E a diminuição da saúde física, que reduz, se não extingue, a capacidade do indivíduo, e é a perda da saúde moral, que lhe enfraquece a fé e a esperança e lhe anemiza, quando não deforma para sempre, os sentimentos nobres e generosos.
É a ameaça directamente dirigida às virtudes morais, cívicas e espirituais da colectividade, que há-de sempre reflectir o valor pessoal e social de cada indivíduo.
A habitação condigna, bastante, higiénica e confortável representa, irrefutavelmente, um dos melhores es-