1252 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 121
previdência social reflectem-se na fixação das responsabilidades pelos encargos da assistência.
Essas responsabilidades. são atribuídas: em primeiro lugar à economia familiar dos assistidos, dentro das suas posses, averiguadas por inquérito, e às garantias de previdência corporativa e de seguro, dentro das normas estatutárias ou das responsabilidades legais ou contratuais; na falta ou insuficiência daquela economia e destas garantias, aos parentes com obrigação legal de alimentos e aos averiguados responsáveis pelo nascimento de ilegítimos, dentro das suas posses, reconhecidas por inquérito; e, finalmente, na falta ou insuficiência de uma e outra ordem de responsáveis, aos serviços ou instituições que prestaram a assistência, quer por força das suas receitas próprias, quer por força dos subsídios do Estado, através das dotações destinadas à assistência, ou de outras entidades oficiais, mediante receitas ou donativos eventualmente recolhidos com esse destino (Bases XXI e XXII).
Nesta graduação de responsabilidades descrevem-se, de modo positivo, os limites da assistência social e da intervenção que nesta deve ter o Estado.
É evidente que ao afirmar a responsabilidade dos necessitados ou das suas famílias pela sua própria assistência se estabeleceu uma regra negativa de aplicação da assistência social. Não parece legítimo extrair dela o conceito de assistência social como redistribuição obrigatória do rendimento nacional a fim de satisfazer as necessidades de subsistência individual e familiar. No entanto, parece ter sido essa a tendência que praticamente veio a exprimir-se, em relação às instituições de previdência, nas leis complementares daquele estatuto, sobretudo na Lei n.º 2036, de 9 de Agosto de 1949, referente à luta contra as doenças contagiosas.
Esta lei indica como responsáveis pelos encargos de assistência aos doentes contagiosos: os assistidos, seus cônjuges, descendentes e ascendentes; as Caixas Sindicais de Previdência e as Caixas de Reforma ou de Previdência e suas Federações, relativamente aos beneficiários e familiares; o Estado e os estabelecimentos ou serviços que prestem a assistência.
Limitam-se as responsabilidades dos assistidos e suas famílias pelas suas possibilidades económicas; circunscrevem-se as responsabilidades do Estado pelas dotações expressamente consignadas à luta contra as doenças contagiosas e à assistência aos doentes, e as dos estabelecimentos e serviços de assistência pelas suas receitas próprias. Mas quanto às caixas de previdência, impõe-se-lhes o encargo de manterem serviços próprios de assistência aos beneficiários e familiares afectados de doenças contagiosas ou o pagamento dos tratamentos prestados pelos estabelecimentos ou serviços de assistência àqueles beneficiários, e prescreve-se para elas a obrigação de alterarem o seu esquema de seguro de modo a ficarem habilitadas a cobrir, sem aumento das taxas de contribuições das empresas e dos trabalhadores, ou seja, sem aumento das suas receitas próprias, o risco inerente àquele encargo (Base XXIV).
As obrigações que a Lei n.º 2036 estabeleceu, com prejuízo dos próprios esquemas institucionais das caixas de previdência, foram atenuadas pelo Decreto n.º 37 762, de 24 de Fevereiro de 1950, que, integrando no esquema legal das caixas as prestações médicas e farmacêuticas, deixou para diploma ulterior as condições de admissão e os prazos de internamento dos beneficiários.
Foi também neste sentido de moderação que a Lei n.º 2044, de 20 de Julho de 1950, referente à luta contra a tuberculose, condicionou os encargos das instituições de previdência com a assistência especializada aos beneficiários e seus familiares, na medida em que a assistência aos tuberculosos estiver prevista nos respectivos regulamentos.
Com igual espírito se preceituou no § 7.º do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 39 805, de 4 de Setembro de 1954, sobre a responsabilidade dos encargos com a assistência hospitalar, que, de um modo geral, essa responsabilidade pode ser directamente exigida às instituições de previdência, conforme o disposto nos seus regulamentos, sem prejuízo dos acordos celebrados entre as mesmas instituições e os estabelecimentos hospitalares.
70. É essencial ter presente os princípios que regulam as relações entre a previdência e a assistência social para se poderem obter todos os efeitos que se têm em vista com a reforma agora proposta. Obedecem as instituições de previdência a métodos próprios e desenvolvem o esquema das suas prestações, apoiadas nas possibilidades da economia das empresas e dos trabalhadores a que se estende a sua protecção, assumindo perante estes últimos obrigações exigíveis nos termos dos seus regulamentos, e só nos termos dos seus regulamentos. A progressiva cobertura assegurada pelas caixas em relação aos diversos riscos e encargos sociais reduz correlativamente as insuficiências que à assistência incumbiria atender.
Não poderia a organização da assistência desenvolver-se, na realidade, se tivesse de implicar a insegurança da previdência social.
As instituições de previdência, no desempenho dos seus fins estatutários, asseguram prestações que de facto se não distinguem de muitos das concedidas pela assistência social. Para tal desempenho pode incumbir-lhes organizar serviços, como meio necessário da realização dos seus fins. A possibilidade de duplicação de instalações e serviços congéneres das instituições de previdência e das de assistência requer uma coordenação que compete superiormente ao Estado, a qual, porém, não poderá ir ao ponto de lesar certos interesses especiais dignos de atenção ou estiolar legítimas e benéficas emulações. Nessa coordenação é princípio fundamental favorecer o desenvolvimento da previdência e dos organismos de feição corporativa, nos termos expressos no Estatuto da Assistência Social (Base VI, n.º 2.º) e decorrentes do texto constitucional e que, por isso mesmo, terá de inspirar a nossa política social e corporativa.
71. Conforme se conclui no já citado parecer da Câmara Corporativa, «a política da assistência social não pode andar separada ou sequer alheada da política da previdência social. A previdência é a fórmula de justiça que o trabalhador reclama. Só ela fará com que a solução das dificuldades a que todos, por humana fraqueza, estamos sujeitos se torne, para aqueles que ganham um salário insuficiente ou estejam impedidos de granjeá-lo, certeza resultante do exercício de um direito conquistado pelo trabalho - em vez de hipotético deferimento de uma súplica atendida como por favor».
Parece, pois, evidente que uma íntima e bem orientada cooperação entre as instituições de previdência social e as de assistência, ou outros serviços ou entidades, deverá assentar no respeito pela competência e natural autonomia das instituições e organismos, evitando interferências ou absorções, mormente quando se possa correr o risco de procurar a solução de problemas de carácter geral à custa dos recursos afectos, pela lei e pelos princípios, a fins específicos, e provenientes, na realidade, de remunerações do trabalho.
Interessa, deste modo, que tal cooperação seja efectuada por acordos entre as instituições interessadas, ao nível da sua autonomia administrativa, devendo ser ainda, nessa matéria, predominantemente supletiva a acção directa do Estado.