18 DE ABRIL DE 1959 641
Relativamente a região de Lisboa, as críticas incidem não só quanto a unidades industriais implantadas dentro do perímetro urbano ou muito próximo dele, mas ainda em relação as que se têm instalado, em curso sucessivo, em determinadas áreas dos concelhos industrializados de que Lisboa é o pólo de crescimento.
Citaremos apenas duas das críticas mais generalizadas presentemente e que tiveram eco era documentos oficiais. Assim, no parecer da Câmara Corporativa sobre o projecto do II Plano de Fomento (parecer n.º 3/VII "Metrópole", de que foi relator o engenheiro Ferreira Dias) podem ler-se, a propósito da discussão sobre a ponte de Lisboa, as seguintes e incisivas considerações:
Quando se vê a rapidez com que se montam indústrias ao longo da linha férrea do Norte, ocupando férteis terrenos de lezíria, num país de pedras, de areia e de terras delgadas, sente-se algum constrangimento. A lezíria é um dom do Tejo, semelhante aos nateiros do Nilo, de que já reza a história do tempo dos faraós; perdê-la, para a ir recuperar, talvez de pior qualidade, em terras regadas a 35 contos por hectare não é de aceitar sem discussão.
Criar uma via férrea, directamente ligada a Lisboa, cortando as magras areias pliocénicas da margem sul, em terrenos tão planos como os da margem norte, mas de muito menor valor agrícola, para onde se canalizassem novas indústrias, seria bem um pensamento ajustado a- qualquer plano de fomento. Nem de outra maneira se conseguirá dar à margem sul condições de vida própria, sem a transformar em mais um a "dormitório" de Lisboa.
Por seu turno, na Assembleia Nacional, o Deputado Araújo Correia, durante a discussão do II Plano de Fomento e também a propósito da ponte sobre o Tejo (Diário das Sessões n. 54, de 22 de Outubro de 1958), fez, entre outras, as considerações seguintes:
Lisboa, por força de uma política que considero anti-social, está a ser rodeada, gradualmente, de bairros industriais. E vão-se concentrando aqui, na medida que passam os anos, as actividades do País. Alarga-se e estende-se em todas as direcções. Só não o podia fazer para o sul, porque um obstáculo natural lhe tolhia o movimento. A ponte vem destruí-lo.
E mais adiante continua:
O alargamento de Lisboa para a Outra Banda, com a criação de novas indústrias, cria ainda incentivo para avigorar o poderio económico da cidade e, indirectamente, para enfraquecer uma parcela importante da vida provinciana. Em minha opinião, deviam opor-se dificuldades, e não dar facilidades, ao desenvolvimento industrial de Lisboa, até por uma questão de ordem estética. Num crescimento industrial harmónico, o caminho natural a seguir é criar indústrias em localizações apropriadas, como, aliás, se fez no passado e como, até espontaneamente, aconteceu nalguns casos em épocas mais recentes. Entre as mais conhecidas, podem citar-se S. João da Madeira, Tramagal e Estarreja.
Está aqui, indiscutivelmente, levantado um grande problema, que terá de ser enfrentado, para sobre ele se tomar posição, no nosso programa urbanístico, à escala nacional. Há que definir uma atitude neste particular aquando da elaboração necessária desse "plano nacional", ainda não determinado por lei, mas já previsto em documentos oficiais (vídeo relatório da comissão encarregada de elaborar as disposições regulamentares do estudo e realização dos planos de urbanização, Janeiro de 1958).
Aquela tomada de posição é tanto mais imprescindível quanto é certo dever ela constituir uma das grandes linhas de orientação abarcadas pelo conteúdo de qualquer programação para o a arranjo do espaço nacional, que é a concepção lata do urbanismo de hoje.
A tese do engenheiro Araújo Correia, pela qual, aliás, vem batalhando há muitos anos, enquadra-se no espírito hoje dominante em matéria de planeamentos ao nível superior. Filia-se em razões de justiça social que entraram já no património da humanidade e ali se consolidam cada vez mais, mas quer filiar-se também em motivos de ordem económica, expressos em maior rentabilidade global.
Se quanto às primeiras razões e a luz do nosso tempo não se descortinam argumentos que possam destruir a tese ou diminuir-lhe sequer a sua altura, já o mesmo não poderá dizer-se no campo da economia, ao menos em termos absolutos. O que equivale a concluir, relativamente u zona industrializada do Sul, por uma adesão em princípio à repartição mais equilibrada das nossas indústrias e, por consequência, ao descongestionamento da região de Lisboa.
Uma adesão definitiva, porém, supõe-se que exigirá o exame aprofundado da estrutura da nossa indústria por sectores, dirigido especialmente - a uma comparação de natos em função das localizações.
Certo que os anseios por uma repartição mais equitativa das indústrias, em todo o espaço nacional, estão hoje grandemente favorecidos pélas maiores facilidades de energia s pelo notório progresso dos transportes. Mas há outras variáveis a equacionar, e elas dependerão, em grande parte, do condicionalismo estrutural de cada indústria. E dependem também dos condicionalismos próprios de cada região, pois há, evidentemente, muito-) casos em que, mesmo a princípio se poderá afirmar não ser realizável o desenvolvimento de certas regiões, porque os encargos correspondentes seriam muito superiores ao benefício total que dele resultaria (financeiro, económico, social e humano).
Por isso se repele que uma conscienciosa tomada de posição sobre este transcendente problema tem de alicerçar-se em estudos pormenorizados e de base científica sobre a estrutura da indústria portuguesa e de cada um dos seus sectores, estudos que só recentemente se iniciaram entre nós com os trabalhos dos economistas portugueses atrás mencionados. Há que continuá-los e intensificá-los, sob pena -e só estamos a restringira-nos ao domínio urbanístico - de ser impossível ou precário o estabelecimento de um plano nacional de a arranjo" para o território português.
23. As considerações anteriores- levantam uma questão de fundo, porventura a maior que a presente proposta de lei suscita do ponto de vista concreto.
Queremos reportar-nos a circunstância, já tantas vexes assinalada, de os planos urbanísticos, na sua actual e tão lata concepção, interferirem fatalmente nos problemas do "desenvolvimento económico", sobretudo quando se encarem os escalões superiores - regional e nacional. E põe-se, por isso, a questão de saber se - não dispondo o País, por enquanto, de "planos regionais de desenvolvimento" nem de órgãos criados para os elaborar - vamos desde já fazer o planeamento urbanístico regional, em toda a latitude do seu moderno alcance, sem nos encontrarmos suficientemente preparados para obra de tamanha envergadura e forçados, portanto, a confiar ao órgão já existente do Ministério das Obras Públicas (Repartição de Estudos de Urbanização) e ao novo órgão agora, projectado (Gabinete do Plano Regional de Lisboa) funções tão amplas, sem