12 DE MAIO DE 1959 709
mara a reexaminar o assunto. É esse o alcance dos desenvolvimentos seguintes.
7. Em matéria tributária é preciso que a legislação constitucional disponha em termos de a iniciativa e a competência parlamentares não comprometerem o equilíbrio financeiro. Os parlamentares são frequentemente inclinados a votar desagravamentos fiscais que conduzem em linha recta a deficits orçamentais mais ou menos importantes, tanto mais quanto é certo que, por outro lado, eles são também quase sistematicamente favoráveis aos acréscimos de despesas públicas, que, a ser-lhes dada iniciativa nesse domínio, aumentariam progressivamente. Os deputados - para o dizer numa fórmula - são, em princípio, agentes redutores de receitas e aceleradores cie despesas.
Além disso, é um dado de experiência que os membros das assembleias legislativas não estão normalmente ao corrente das consequências financeiras e económicas de uma lei que estabelece, modifica ou extingue um imposto (ou que acarreta uma nova despesa). Trata-se de problemas técnicos especializados para cuja apreciação eles se devem considerar normalmente menos preparados.
Estas duas razões concorrem no sentido de se dever retirar aos membros das assembleias legislativas a iniciativas em matéria de criação, alteração ou extinção dos impostos e taxas e de a atribuir exclusivamente aos governos. Mas não são necessariamente no sentido de retirar a tais assembleias a competência para criarem, modificarem ou extinguirem os impostos e as taxas da iniciativa do Governo.
Em favor da competência de decisão do Poder Legislativo em matéria financeira, e designadamente em matéria tributária, está, por sua vez, em primeiro lugar, o facto de os impostos e as taxas constituírem um sacrifício da propriedade e dos direitos privados dos cidadãos, de que o Parlamento é considerado o guarda e protector; em segundo lugar, o facto de as imposições tributárias terem, por via de regra, efeitos importantes e múltiplos na vida económica nacional, sendo, por isso, conveniente ouvir os representantes de todos os interesses em jogo; em último lugar, o facto de, através da publicidade da discussão sobre os tributos no Parlamento, se mostrar aos contribuintes o interesse público da sua cobrança.
Foram razões desta ordem - designadamente a primeira - que conduziram, na Inglaterra, à vitória completa e definitiva do Parlamento na questão da criação dos impostos em 1688-1689, altura em que o Bill of Rights declarou, de um modo geral, ilegal toda a requisição de dinheiro "para a Coroa e para seu uso, sob pretexto de prerrogativa, por um período diferente e de forma diversa daquela por que tal requisição foi autorizada pelo Parlamento". Uma vez reconhecido o princípio da votação do imposto, todas as outras fontes da receita pública foram aos poucos passando para o controle do Parlamento. Esta evolução consumou-se, como se sabe, no século XVIII 1.
Em França, em 1789, a Assembleia Nacional pôde solenemente proclamar, por uma vez, que toda a imposição tributária se teria de fazer, e só se poderia fazer, com o consentimento formal dos representantes da nação 2. E da França o sistema transmitiu-se progressivamente a toda a Europa.
Ora bem. A Inglaterra obteve a harmonização dos dois princípios - o da exclusividade da iniciativa governamental em matéria tributária e o da competência de decisão da assembleia legislativa nessa matéria - pela forma seguinte: em matéria de receitas, os membros dos Comuns não podem, sem recomendação da Coroa, propor medidas cujo resultado seja fazer pesar sobre o povo novos encargos. São, assim, proibidas as iniciativas tendentes à criação de um imposto novo, ao aumento de um imposto existente, à mudança das modalidades do imposto e à supressão da isenção de um imposto existente. Podem, pelo contrário, ser propostas por eles todas as medidas que não aumentem os encargos fiscais, tais como a redução de um imposto existente, a criação de uma taxa em troca de um serviço prestado pelo Estado 1. O que sucede é que, na prática, os deputados ingleses nunca exercem o seu direito de iniciativa e de emenda nesta matéria 2. E não o exercem, deixando-o exclusivamente ao Gabinete, porque a sua missão primordial, na medida em que façam parte da maioria, é apoiarem os projectos que envolvam a política geral do Governo. Fazendo parte da minoria, não a exercem porque a sorte das suas propostas está antecipadamente traçada. A supressão da iniciativa individual nesta matéria é, afinal de contas, como se vê, uma expressão do tico parties system inglês 3.
Já o tradicional sistema francês, praticado desde a III República, por seu turno, não conduzia a uma fórmula satisfatória de conciliação das exigências e princípios atrás expostos, admitindo não só a competência do Parlamento como a iniciativa dos deputados, individualmente e através da Comissão do Orçamento ou das Finanças. Esta iniciativa conduziu frequentemente a desfigurar o projecto orçamental do Governo, a desagravamentos tributários injustificáveis e aos consequentes desequilíbrios orçamentais 4.
Segundo a Constituição da IV República Francesa, os deputados tinham plena iniciativa em matéria de receitas, embora certas disposições do regulamento da Assembleia Nacional consignassem limitações ao direito de iniciativa e de emenda no sentido da sua redução. Simplesmente, dada a própria índole do regime constitucional, estas limitações foram ignoradas na prática 5.
Nos termos da Constituição da V República, por último, os membros do Parlamento não podem apresentar propostas e emendas cuja adopção determine uma diminuição das receitas públicas.
Em Portugal, desde a Constituição de 1822 até à de 1911, a regra foi que as assembleias legislativas interviessem na fixação dos impostos e no seu voto anual 6. Sem embargo, na nossa prática constitucional, tornou-se frequente que, fora da oportunidade da votação do projecto de orçamento, o Executivo fosse autorizado pelo Parlamento a elaborar e publicar leis tributárias avulsas ou reformas tributárias amplas. De toda a maneira, os normas editadas pelo Parlamento em matéria de impostos tiveram quase invariavelmente uma generalidade tal que o Poder Executivo ficou nesse campo com uma liberdade considerável. Desta sorte, as regras que entre nós regularam as contribuições foram quase sempre
1 Cf. C. Jèse de Science des Finances (Théorie générale du budget), 6.ª edição, p. 11.
2. Cf. Autor e obra citados p. 16.
1 Cf. M. A. Soulier, "L'Article 17 de la Constitution et ses incidences sur la réforme budgétaire", in la Réforme Budgétaire, II, 1954, p. 30.
2 Cf. Maurice Duverger, Institutions Financières, 1956, p. 348.
3 Cf. autor e obra citados, pp. 348 e seguintes ; Soulier, obra citada, pp. 30 e seguintes ; Eneyclopacdia of the social sciences, vol. III, p. 43.
4 Cf. Soulier, obra citada, p. 31.
5 Cf. Duverger, obra citada, pp. 350 e seguintes.
6 Aliás, "em recuadas épocas aparece-nos já o príncípio do voto do imposto em Cortes como ponto fundamental do direito português". Cf. Armindo Monteiro, Do Orçamento Português, vol. II, 1922, p. 149.