712 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 58
De toda a maneira, ainda mesmo que viesse açora a ser ampliado o quadro das atribuições legislativas reservadas à Assembleia Nacional, o facto não seria de per si decisivo para justificar a necessidade de sessões legislativas mais amplas. Esgotada a sessão legislativa e prorrogado por um mês o funcionamento efectivo da Assembleia, se esta não pudesse cumprir com a sua "agenda", o facto não deixaria, como não tem deixado até hoje, por via de regra, de determinar uma convocação extraordinária, a exemplo do que sucede nas presentes, circunstâncias em que, designadamente para lhe dar possibilidade de se desempenhar de uma atribuição exclusiva - a revisão constitucional -, o Chefe do Estado acaba de a convocar extraordinariamente.
Sendo a Câmara deste parecer sobre o projectado alargamento da duração das sessões legislativas, supõe ficar prejudicada a ideia da eliminação da data-limite para o encerramento dos trabalhos da Assembleia. Seja, porém, como for, ela é de opinião que essa data deve subsistir, não convindo facultar que esse encerramento tenha lugar em data incerta, através da mecânica das interrupções. Militam neste sentido a comodidade dos Deputados, a conveniência do serviço público (em relação aos Deputados que exerçam funções públicas) e a necessidade de evitar que uma assembleia periódica se torne numa assembleia mais ou menos permanente.
A sessão legislativa ordinária pode, hoje em dia, em todo o caso, excepcionalmente, ultrapassar a data-limite estabelecida no § único do artigo 94.º Para que tal suceda, é Necessário que o Presidente da República a adie (Constituição, artigo 81.º, n.º 5.º). Por esta via se conseguirá satisfazer ao interesse que no projecto se teve provavelmente em couta para sugerir a eliminação da referida data.
ARTIGO 8.º
1. Tem-se especialmente em vista, com a nova redacção projectada para o § 3.º do artigo 109.º, introduzir no vigente regime constitucional de relações entre a Assembleia Nacional e o Governo uma alteração primo conspectu substancial. Segundo o actual § 3.º, só têm de sor sujeitos a ratificação da Assembleia Nacional os decretos-leis publicados pelo Governo fora dos casos de autorização legislativa, durante o funcionamento efectivo desta. O projecto de lei em exame pretende agora que todos os decretos-leis publicados pelo Governo, com exclusão apenas dos emanados no uso de autorização legislativa, sejam sujeitos a ratificação parlamentar.
A alteração não é, porém, vistas bem as coisas, uma alteração verdadeiramente muito significativa. Na verdade, quanto aos decretos-leis publicados fora do período de funcionamento efectivo da Assembleia Nacional, nada impede que qualquer Deputado, no exercício do direito de iniciativa que a Constituição e o Regimento lhe conferem, apresente os projectos de revogação ou de alteração que entender (com a única ressalva de que não devem envolver aumento de despesa ou diminuição de receita do Estado criada por aqueles decretos-leis). O exercício de uma tal faculdade corresponde, no fundo, a um requerimento no sentido de que tais decretos-leis sejam submetidos à apreciação da Assembleia, na medida pretendida por qualquer membro dela. O não exercício dessa faculdade significa que esse Deputado ratifica tacitamente, e como ele a Assembleia, qualquer desses diplomas emanados do Governo.
Em substância, portanto, o projecto uno acrescenta nada à competência, que a Assembleia hoje fundamentalmente detém para recusar a sua aprovação a legislação do Governo, publicada no intervalo das sessões legislativas ou, genericamente, fora do funcionamento efectivo da Assembleia Nacional.
Se isto é certo, é o também, em todo o caso, que a fórmula do projecto tem um determinado alcance, digamos, ideológico, visando objectivamente acentuar que a Assembleia e o Governo devem ser, não órgãos legislativos de iniciativa concorrente, cumulativa ou paralela, mas instâncias legislativas de hierarquia diferente - o Governo subordinado à Assembleia. O Governo passaria a legislar num plano de delegação permanente de faculdades fundamentalmente pertencentes apenas à Assembleia Nacional, o que explicaria que a sua actividade legislativa, de um modo geral, devesse ser submetida a um controle correctivo desta, traduzido na sua sujeição a ratificação expressa ou tácita.
Uma tal fórmula e uma tal concepção esquecem de algum modo que (como se acentuou no parecer da Câmara Corporativa, emitido sobre a proposta de lei de revisão constitucional de 1945) o Governo passou, via realidade, a ser o órgão legislativo normal e a Assembleia o órgão legislativo excepcional. Não ficou isso expresso na Constituição, "mas em certos casos importa mais a verdade real do que a verdade formal, desde que aquela não contrarie juridicamente esta, como de certo modo acontece hoje". E aí se acentuava, em reforço desta orientação, que as normas legais vão tomando, dia a dia, um aspecto cada vez mais técnico, e que esse facto aconselha a instauração de um sistema que atribuísse essencialmente ao Governo o exercício da função legislativa. As assembleias legislativas devem intervir, em princípio, apenas quando se trate de definir grandes orientações ou de assuntos ou matérias adstritos a altos interesses nacionais (cf. Diário das Sessões n.º 176, 1945, suplemento, pp. 642 e seguintes).
Não tem esta Câmara, no presente momento, razões para alterar este seu modo de ver. Por consequência, não se inclina para a aprovação da redacção sugerida para o § 3.º do artigo 109.º
2. O projectado § 3.º-A, que se pretende ver adicionado ao artigo 109.º, estabelece um regime, digamos, de excepção em relação ao que se pretende estabelecer para a ratificação dos decretos-leis que revoguem, total ou parcialmente, leis emanadas da Assembleia Nacional.
Tem de se presumir que o Governo só se dispõe a revogar ou alterar uma lei emanada da Assembleia Nacional, designadamente uma lei recente, ante muito sérios motivos para assim proceder. Da seriedade, ponderação e consciência das responsabilidades, e ainda do respeito que o Governo necessariamente tem pela representação nacional, decorre que ele se não decidirá a modificar uma posição assumida pela Assembleia, sobretudo se de recente data, fora de muito graves e ponderosas determinantes.
Quando o Governo assim procede, e justamente porque há que presumir que decide fazê-lo com base em sérios motivos de interesse público, o desejável não é facilitar a abertura de um conflito ou a simples criação de atritos entre os dois órgãos da soberania, como seguramente resultaria da aprovação de um preceito como o do projectado § 3.º-A. O mais razoável será, se não erramos, não criar a este respeito qualquer regime especial. É o caso de se deverem esperar piores resultados do estabelecimento de uma disciplina especial, instituída na base de "ressentimento" político, do que da ausência dessa disciplina e da consequente entrega do assunto ao domínio de certas normas não escritas, que poderemos chamar "normas de correcção constitucional", as quais em todos os momentos devem presidir às