12 DE MAIO DE 1959 733
II
Exame na especialidade
ARTIGO 1.º
1. A Câmara Corporativa teve ocasião de dar o seu parecer sobre o sistema de eleição do Chefe do Estado, ao analisar recentemente a proposta de lei n.º 18 (parecer n.º 10/VII), considerando aqui reproduzidas as considerações que então a este propósito fez.
O presente projecto está de acordo em que de tal eleição participem os membros da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa em efectividade de funções. Exclui, porém, dos Procuradores à Câmara Corporativa, os «designados pelo Governo».
Os Procuradores em causa devem ser os que suo designados pelo Conselho Corporativo, que é, em boa verdade, hoje, um Conselho de Ministros restrito. E preciso, porém, não esquecer que a maioria desses membros da Câmara tem nela a específica função de representar o interesse geral, enquanto os restantes estão aí representando interesses parcelares de certos organismos, categorias e entes. Se, designados embora pelo Conselho Corporativo, há razões para confiar na sua alta compreensão do interesse geral para apreciar a correspondência da actividade normativa do Governo e da Assembleia Nacional a esse interesse, se justamente são escolhidos com base nos seus predicados dê reconhecida competência e isenção, não será talvez justo estabelecer em seu desfavor uma discriminação que os elimine da eleição do Chefe do Estado. Não pode esquecer-se que assim se afastariam de um acto capital da vida da Câmara elementos dos mais salientes e representativos.
Aliás, não deixa de ser curioso salientar que, neste mesmo artigo 1.º do projecto de lei, se propõe que nessa eleição participem elementos designados pelo Governo, como seriam seguramente, pelo menos, os representantes dos comandos militares.
2: Em vez de admitir a participar no colégio para a eleição do Presidente da República, ao lado dos Deputados e Procuradores, os representantes municipais do País, o presente projecto de lei pretende associar aos Deputados e Procuradores certos membros da hierarquia eclesiástica, representantes da magistratura, comandos militares superiores e representantes do ensino superior e das instituições de alta cultura.
Se, porém, consultarmos a lei orgânica da Câmara Corporativa (Decreto-Lei n.º 29 111, de 12 de Novembro de 1938, alterado pelo Decreto-Lei n.º 39 442, de 21 de Novembro de 1903) e a resolução do Conselho Corporativo de 23 de Novembro de Í957, verificamos que, excluída a magistratura, todas as demais instituições «ordens» estão já representadas na Câmara e intervirão, portanto, na eleição do Presidente da República. E se a magistratura aí não está representada é talvez em obediência n ideia de que os tribunais constituem um órgão da soberania autónomo. De qualquer modo, talvez não seja oportuno associá-la a um acto de significado político - a ela que, por princípio, serve outros valores que não a Política: os valores do Direito.
Desta sorte, não parece oportuno satisfazer ao proposto, sobre este ponto, no projecto dê lei em análise.
ARTIGO 2.º
l. O projecto pretende substituir, na eleição dos membros da Assembleia Nacional, o sistema de sufrágio individualista - territorial pelo sistema do sufrágio orgânico. Mas não deixa de ser curioso notar que o seu autor ainda em 1951, recentemente portanto, acentuando embora que «não há dúvida de que o sufrágio orgânico é o que verdadeiramente pode exprimir n realidade viva da Nação», entendia ser em todo o caso também verdade a que a Nação não está ainda estruturada na sua feição orgânica», «É preciso -continuou- deixar recriar a verdadeira consciência dos grupos e esperar que ganhem consistência os órgãos que os enfeixam e os exprimem». «Por isso, o sufrágio orgânico, se está na lógica dos nossos princípios, não está ainda indicado pelas realidades da vida nacional». (Cf. Diário dás Sessões, p. 839). Não passou tanto tempo, nem evoluíram tanto as realidades sociais que pareça justificar-se devidamente que se mude, pelo menos já, de orientação.
Pouco antes, no seu discurso de 20 de Outubro de 1949, o Prof. Doutor Oliveira Salazar confessava que o problema do futuro da Assembleia Nacional permanecia, no seu espírito, indeciso. Concordando que a Câmara Corporativa é, muito mais que a Assembleia, representativa dos interesses que se movem no seio da Nação, ponderava, no entanto, que «não parece certo que o interesse nacional seja apenas constituído pela combinação dos diversos interesses materiais ou morais, ou que, pelo menos, não haja, além destes interesses específicos e particulares de grupos, um interesse político geral relativo à Nação como ser e unidade moral». (Discursos, vol. IV, p. 435).
Não crê esta Câmara indispensável enfrentar agora este problema, por um lado, porque não se pode entender, de modo nenhum, chegada a hora de ele se pôr seriamente, e, por outro Indo, porque, no projecto em análise, a Assembleia Nacional nos surge, do ponto de vista representativo, como uma simples duplicação da Câmara Corporativa. Desacompanhado a artigo 2.º do projecto de qualquer outro preceito em que se sugira a eliminação da Câmara Corporativa, parece-nos ele naturalmente de desaprovar.
2. No artigo em apreciação pretende-se também elevar de quatro para cinco anos o mandato dos Deputados e, consequentemente, a duração das legislaturas. Nunca, na história constitucional portuguesa, a legislatura durou cinco anos. Segundo a Constituição de 22 durava dois anos; segundo a Carta, quatro anos, segundo a Constituição de 38, três anos, e três anos também conforme o segundo Acto Adicional e a Constituição de 1911.
A aproximação dos actos de renovação total das Câmaras e, portanto, o encurtamento das legislaturas, significa uma preocupação de assegurar uma correspondência mais efectiva entre a vontade da representação nacional e a vontade do eleitorado, que naturalmente se vai alterando ii medida que nos afastamos da data das eleições parlamentares. Pelo contrário, o alongamento das legislaturas implica uma probabilidade maior de desacordo entre o eleitorado e a sua representação nos últimos anos do mandato dos Deputados.
Teoricamente, a democracia realiza-se melhor com consultas frequentes ao eleitorado. Mas há outras considerações a ter em conta, que aconselham o espaçamento delas por períodos relativamente longos.
Supõe a Câmara que não deve ir-se além dos quatro anos, não seguindo, portanto, a sugestão do projecto.
3. A propósito do projecto de lei n.º 21, já a Câmara teve ocasião de dizer que não vê razões para que o número dos Deputados suba para 150, entendendo que deve ser de 130, como o Governo sugeriu na sua recente proposta de lei de revisão constitucional.