O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

12 DE MAIO DE 1959 725

que o sistema agora proposto, na medida em que, por via de regra, admite vários instâncias a decidir sucessivamente os incidentes de inconstitucionalidade deduzidos em qualquer tribunal e permite aos próprios juizes suscitarem e julgarem oficiosamente esses incidentes.
O sistema vigente nesta matéria tem já em Portugal as suas tradições, vindo fundamentalmente desde 1911. Não há razão nenhuma válida para que se altere. A Câmara, pelo menos, não o recomenda.
b) A segunda solução não teria nenhuma espécie de vantagens sobre o regime actual e teria, designadamente, o importante inconveniente de praticamente admitir uma única instância a decidir, no pleito submetido a julgamento, da aplicação ou não aplicação de determinada norma arguida de inconstitucional.

3. O projecto fala em Supremo Tribunal, sem esclarecer a sua composição. Será o Supremo Tribunal de Justiça que funcionará como tribunal constitucional? Será um tribunal misto, que poderá ser mesmo o Tribunal de Conflitos, composto de juizes do Supremo Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, ou composto desses elementos e de outros destacados das instâncias supremas dos vários ramos do contencioso? Ou será um tribunal constitucional, nos moldes do que, em direito comparado, pela primeira vez nos nossos dias foi instituído em Fevereiro de 1920 pela lei preliminar da Constituição checoslovaca 2?
Seja como for, trata-se de abandonar um sistema que não deu motivos de queixa e de o substituir por outro que se justifica em certos países mais com vista n resolver os conflitos constitucionais de competência entre os elementos básicos de Estados federativos, do que a controlar a constitucionalidade das leis e mais diplomas. Nenhuma verdadeira necessidade temos nós de introduzir este sistema no direito constitucional metropolitano. E certo que, no ultramar, o Conselho Ultramarino funciona como tribunal constitucional único - mas, prescindindo da questão de saber em que medida é que o sistema instituído pela base LXVIII da Lei Orgânica do Ultramar Português se deve considerar de acordo com a Constituição, para o ultramar podem descortinar-se razões que justifiquem essa orientação. Designadamente, terá estado presente na consagração desse regime a ideia de evitar penosos conflitos entre a generalidade dos tribunais das províncias ultramarinas e as autoridades desses territórios, munidas de competência normativa, a propósito da regularidade constitucional dos diplomas por elas editados. Na administração ultramarina deve evitar-se tudo o que possa ser origem de atritos entre as autoridades de todas as ordens, preservar-se o seu prestígio e assegurar-se a necessária unidade de acção. O, Conselho Ultramarino ocupa justamente posição de reconhecida e eminente autoridade e é venerado pelos serviços prestados em mais de um século de governação ultramarina, fruindo do respeito, da independência e da imparcialidade indispensáveis ao exercício das funções de fiscal da constitucionalidade da legislação ultramarina. Na metrópole as circunstâncias são diferentes: aqui pode bem confiar-se aos tribunais em geral competência para a apreciação da constitucionalidade das leis. Para que não acabem por assumir um papel de relevo político indesejável, nega-se-lhes a faculdade de anular as leis, ficando apenas com a de, na contradição entre a lei ordinária e a lei constitucional, dar incidentalmente preferência a esta. Por outro lado, a dispersão das faculdades de controle da constitucionalidade das leis pelo conjunto dos tribunais não deixará de concorrer para despersonalizar e, portanto, para atenuar a supremacia política que esse controle acarreta consigo 1.
Pode ainda alegar-se, contra o sistema actualmente em vigor na metrópole, e em favor do instituído para o ultramar, que o primeiro é um sistema praticamente ineficiente, enquanto o segundo tem conduzido a resultados apreciáveis, havendo subido ao Conselho Ultramarino vários incidentes de inconstitucionalidade sobre os quais recaíram acórdãos largamente fundamentados e em geral aceites sem discrepância pela crítica 2. Simplesmente, a razão do facto está em que se tem entendido que o Conselho Ultramarino fiscaliza não apenas a inconstitucionalidade material, mas também a inconstitucionalidade orgânica ou formal, e os incidentes desta última espécie são no ultramar particularmente frequentes.

III

Conclusões

A Câmara Corporativa, tendo em mente a apreciação que do projecto fez na especialidade, pronuncia-se pela não aprovação de qualquer dos seus preceitos.

Palácio de S. Bento, 11 de Maio de 1959.

Afonso de Melo Pinto Veloso.
Augusto Cancella de Abreu.
Fernando Andrade Pires de Lima.
Guilherme Braga da Cruz.
José Vires Cardoso.
Adriano Moreira.
Albano Rodrigues de Oliveira.
António Trigo de Morais.
Joaquim Moreira da Silva Cunha.
António Júlio de Castro Fernandes.
Carlos Barata Gagliardini Graça.
Domingos da Costa e Silva.
José Augusto Correia de Sarros.
José Gabriel Pinto Coelho.
Afonso Rodrigues Queiró, relator.

1 Como propõe o Prof. Doutor Marcelo Caetano, ob. cit., p. 154.
2 Este Tribunal era constituído por três elementos parlamentares escolhidos pelo Presidente da Republica e por quatro juízes, dois designados pela Corte Administrativo Suprema e dois pela Corte de Cassação. Tribunais constitucionais mistos deste modelo ou semelhantes foram depois criados na Áustria (1920), na Espanha (1931), na Itália (1948), na Alemanha (1949), etc. A ideia de um tribunal político-judiciário remonta a Sieyès, que na Convenção proclamou a necessidade de um jury constitutionaire. Na Constituição de 1799 previa-se um Sénat conservateur, com competência para anular sa leis inconstitucionais.
Em França foram em 1903 apresentadas às Câmaras duas propostas oeste sentido, uma, de Charles Benoist, tendente à criação de um Tribunal Supremo especial, composto de membros nomeados pelo Presidente da Republica, sob proposta das corporações representativos da ciência e da prática do direito, e outra, de Jules Roche, que visava confiar no Tribunal do Cassação em pleno a função de vigiar pela salvaguarda do Acto fundamental do Estado (cf. Biscaretti di Ruffia, Lo Stato Democrático Moderno, Milão, 1946, pp. 841 e seguintes).

1 Cf. o estudo do relator do presente parecer no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. XXVI, intitulado «O Contróle da Constitucionalidade das Leis».

2 Cf. Prof. Doutor Marcelo Caetano, ob. cit., p. 154.