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720 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 58

Trata-se de procurar instituir entre nós o processo de controle parlamentar do Governo conhecido por «perguntas orais», de que esta Câmara teve já ocasião de se ocupar a propósito do projecto de lei n.º 20. A diferença está em que o sistema, lá fora, não necessita, para funcionar, de um tal número de Deputados a pedir a comparência do Ministro no Parlamento, para efeitos de responder sobre o assunto de que antes lhe foi dado conhecimento; e em que a resposta do Ministro iria ter lugar, não no período antes da ordem do dia, mas em plena ardem do dia, «que constará da comunicação à Assembleia Nacional que o Governo sobre o assunto entenda fazer», circunstância que não é, compreensivelmente, sem relevo, uma vez que concorreria pura dar à resposta ministerial uma ressonância muito maior do que se tivesse lugar no período antes da ordem do dia.
Julga-se puder evitar que o sistema das perguntas orais, que se pretende ver consagrado, degenere em um verdadeiro sistema de «interpelações», na medida em que se prescreve que «sobre a comunicação governamental não poderá incidir qualquer votação da Assembleia». Mas o que se não impede é que sobre essa comunicação incida um debate espectacular, através da réplica dos autores do «requerimento» e do comentário crítico dos demais Deputados que queiram contradizer o Ministro ouvido. Ao fim e ao cabo, mesmo sem votação expressa, não seria normalmente difícil saber que posição assumira a Assembleia Nacional perante o Ministro convocado ou até perante o Governo no seu conjunto. Com o inconveniente, aliás, de se não prever o direito de o Ministro se defender, no final, da crítica que na Assembleia se fizesse aos seus actos.
O ponto até onde a Câmara julga que se pode ir, sem se atraiçoar a concepção consagrada no nosso regime constitucional, foi já exposto no seu parecer sobre o projecto de lei n.º 20 e traduz-se em admitir o processo menos enérgico, sem deixar de ser eficaz, das perguntas escritas. Admitir o sistema proposto no projecto agora em exame seria contradizer francamente, frontal mente, as ideias básicas e fundamentais do regime instituído em 1933 - seria admitir hoje, embora sob uma forma desviada ou indirecta, a responsabilidade política do Governo perante a Assembleia, quando originariamente se julgara dever preservar a autoridade do Executivo, como condição da sua indispensável eficácia, através justamente da sua separação do Legislativo. Era vez, pois, de parlamentarismo, seguiu-se, neste ponto, à letra, a concepção presidencialista da organização constitucional, segundo a qual, por um lado, os membros do Executivo não têm acesso às assembleias legislativas, uma vez que não são membros delas, e, por outro, estas assembleias não podem censurar formalmente os Ministros, cuja autoridade lhes advém de outro órgão, do Presidente da República, por sua vez também eleito pela Nação.
Não se ignora que este esquema recebeu, com o tempo, temperamentos, de tal modo que, hoje, na prática americana, existe uma certa cooperação ou ligação do Executivo com o Congresso, ou, melhor, do Executivo com as comissões permanentes, em que ele concentra na actualidade a verdadeira actividade do Parlamento americano, perante as quais, os ministros comparecem, como cidadãos, para efeito de serem interrogados a porta fechada. Em caso de desacordo, porém, o Executivo prevalece, sem que a sua acção seja verdadeiramente paralisada. De qualquer modo, não vigora na América nada que corresponda ao espectacular sistema que no presente projecto se advoga.
A Câmara Corporativa, tudo ponderado, não dá o seu apoio à projectada redacção do § único do artigo 113.º, aliás formalmente defeituosa, em especial enquanto
alude a um «representante do Governo» e a um requerimento do que constará obrigatoriamente a matéria sobre a qual a Assembleia Nacional «deseja ser ouvida».

ABTIGO 6.º

1. O alcance da modificação de redacção agora projectada é conferir aos Deputados iniciativa legislativa nas matérias que, nos termos do artigo 93.º e do artigo 150.º, n.º 1.º, são da exclusiva competência da Assembleia Nacional em relação ao ultramar. Como se depreende da leitura do actual n.º 1.º deste artigo, a Assembleia Nacional tem, sim, competência reservada em certas matérias consideradas particularmente importantes, mas essa competência só pode ser exercida «mediante propostas do Ministro do Ultramar».

2. Com o advento da Monarquia liberal e a instauração do sistema de assimilação na administração ultramarina portuguesa, a orientação que passou a dominar a nossa legislação constitucional foi a de confiar às Cortes competência para elaborar a generalidade das leis a aplicar no ultramar, com paridade de iniciativa para a Administração e para os Deputados, só a título muito excepcional se atribuindo competência legislativa ao Executivo. As necessidades, porém, impuseram que dessa faculdade excepcional o Executivo usasse com largueza, sem que o Parlamento reagisse, dado o sen clássico desinteresse pelas coisas do ultramar.
A Constituição de 1911, descurando estas necessidades, reforçou a orientação de se confiar exclusivamente ao Congresso a competência para legislar para o ultramar, como, aliás, para o resto do território português, não havendo qualquer discriminação entre o Executivo e os membros do Parlamento em matéria de iniciativa.
Em 1920, a Lei n.º 1005 introduziu uma reforma importante nesta matéria: de legislador colonial normal, o Congresso passou a ser legislador de excepção para o ultramar. Dai em diante dispôs de uma competência reservada ou exclusiva, ficando o Executivo a ser competente para as restantes providências extensivas a mais o uma colónia. Mas, em matéria de iniciativa legislativa, as coisas continuaram como anteriormente.
Em 1926, porém, nas suas «Bases orgânicas da administração colonial», João Belo introduziu neste último ponto uma alteração significativa, que foi a seguinte: a competência exclusiva do Congresso só poderia ser exercida por este mediante propostas do Ministro das Colónias. Os membros do Congresso não poderiam ter a iniciativa da generalidade das leis coloniais propriamente ditas.
O Acto Colonial e a Carta Orgânica do Império Colonial Português conservaram esta orientação. Mantiveram-na também a Lei n.º 2048 e a Lei Orgânica do Ultramar Português.
Que levou João Belo a perfilhar este ponto de vista e que levou os legisladores posteriores a conservarem-se-lhe fiéis? A razão foi que se considerou encontrar-se a generalidade dos membros do Parlamento insuficientemente informada sobre os problemas ultramarinos e, por essa época, pouco atenta e pouco interessada por tais problemas. O Executivo e, dentro dele, um Ministro, muito particularmente, têm. outra informação e outro contacto com esses problemas. O Ministério do Ultramar está naturalmente especializado nos assuntos da administração ultramarina.
Daí que, sem deixar de atribuir ao Legislativo a última decisão, convenha associar à elaboração das mais importantes e melindrosas leis respeitantes ao ultramar português justamente o Ministro do Ultramar, a entidade em último termo responsável pelas grandes linhas de orientação político-administrativa das províncias ul-