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26 DE ABRIL DE 1960 1053

b) Concessão de direitos de preferência

55. Admite a nossa lei, em diversas disposições, direitos de preferência instituídos para pôr termo a certas situações jurídicas que sujeitam o domínio e fruição da terra a formas pouco adequadas a uma conveniente exploração. É o que acontece uns hipóteses previstas nos artigos 1678.º a 1681.º e 1703.º do Código Civil, que prevêem a extinção do emprazamento e do subemprazamento; no artigo 2195.º, que visa pôr termo ao quinhão; nos artigos 1566.º e 1854.º, que permitem dissolver a compropriedade; no § 1.º do artigo 2309.º, que faculta a aquisição de prédios encravados ou onerados com a respectiva servidão, etc. Esta última disposição citada é, no entanto, a única que de certo modo se pode entender como conducente à realização de fins de emparcelamento. Só de certo modo, porque o prédio adquirido mediante o exercício do direito de preferência pode não confinar com o prédio já pertencente ao preferente e ainda porque o emparcelamento assenta numa operação de troca que não afecta as dimensões reais da propriedade, enquanto que o exercício do direito de preferência aludido conduz à ampliação de uma propriedade à custa de outra.

56. Mas não há dúvida de que o direito de preferência que no § 1.º do artigo 2309.º se prevê alcança ã realização de certos fins também visados pelo emparcelamento da propriedade.
No entanto, os resultados alcançados através do funcionamento dessa disposição são manifestamente insatisfatórios, porque o exercício efectivo do direito aí consagrado depende da verificação de um conjunto de circunstâncias que na prática não é difícil neutralizar.
Com efeito, o texto legal só permite o exercício da preferência em certas hipóteses em que o objecto de um negócio jurídico é um prédio encravado ou onerado com a respectiva servidão - entendendo-se geralmente que para fazer vingar a opção é necessário demonstrar, num ou noutro caso, a existência jurídica da servidão de trânsito (1). Quer dizer: não basta provar a situação material dó encrave de um prédio ou o facto da passagem através de prédio vizinho: é necessário que esta situação esteja juridicamente consagrada, isto é, que o direito a servidão tenha sido adquirido por qualquer dos meios que a lei considera legítimos.
Ora, sabido que raras são as servidões de trânsito constituídas por título que não assente na mera posse; que só em casos excepcionais pode, ainda hoje, a posse conduzir à prescrição; que sempre a existência de uma servidão com base neste título estará sujeita a larga controvérsia, e que através da simulação do negócio jurídico realizado ou do preço acordado não é difícil prejudicar o funcionamento da opção - bem se comprenderá, sabido tudo isso, como o direito de preferência, ao abrigo do § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil, é frequentemente posto em dúvida, constantemente frustrado e raras vezes efectivamente exercido.
Acresce, além do mais, que o sistema legal de atribuição do direito, no coso de serem vários os proprietários a poder em princípio exercê-lo, assenta numa licitação aberta entre os que se propõem optar, o que não só determina um aumento do preço primitivamente ajustado (e, consequentemente, uma sobrevalorização artificial da terra, económica e socialmente nociva),

(1) É neste sentido a jurisprudência dominante. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 31 de Maio de 1055, que dela se desviou, foi objecto de vivas críticas que de todos os lados lhe foram dirigidas.

como, sobretudo, pode conduzir à adjudicação do terreno a proprietário diferente daquele que melhor realizaria um fim de emparcelamento.
Impor-se-ia, assim, uma revisão do direito de preferência previsto no § 1.º do artigo 2309.º à luz das muitas críticas que justamente lhe têm sido dirigidas. Não é, porém, aqui, e sobretudo no momento em que se trabalha na reforma do Código Civil, que tal revisão se deve operar.
Isto não significa, porém, que não se admita a possibilidade de instituir um novo direito de preferência mais directamente dirigido à realização dos objectivos que pelo emparcelamento se pretende alcançar.
É do que seguidamente se vai tratar.

57. O emparcelamento visa, como melhor se disse noutro momento, a substituição de vários parcelas dispersas por uma só ou por um número mínimo de parcelas. Esta operação de concentração parcelaria pode ser realizada por vigor de uma intervenção do Poder Público (destinada a impô-la ou, pelo menos, a efectivá-la) ou espontaneamente, através do recurso pelos particulares interessados às diversas formas legais previstas na lei (contratos de troca, compra e venda, etc.).
Tendo em conta os interesses agrários a acautelar, conviria que a transmissão de qualquer terreno implicasse a sua aquisição por um proprietário confinante, e, havendo vários, por aquele que mais benefícios alcançasse e mu is vantagens oferecesse, sob o ponto de vista da estrutura agrária local, com a ampliação da sua propriedade.
O expediente prático a adoptar com vista a promover o reagrupamento espontâneo consistirá na concessão de um direito de preferência aos proprietários confinantes com a parcela alienada.
Qual desses proprietários?
Sabido que um dos objectivos fundamentais visados pelos projectos de recomposição agrária é o de promover o desaparecimento de prédios com área inferior à unidade de cultura, desde já se deverá assentar na conveniência em que o direito de opção seja atribuído àquele dos proprietários preferentes que, exercendo-o, melhor realize o apontado fim, obtendo através da aquisição e subsequente anexação de parcelas um novo prédio cuja área se aproxime o mais possível da referida unidade de cultura.
Este novo direito de preferência deverá ser confrontado com o previsto no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil, para se assentar em qual dos dois deve prevalecer a hipótese de alienação de um prédio encravado ou onerado com a respectiva servidão que, simultaneamente, confine com parcelas de outros proprietários.
Ora já se referiu que nem sempre o prédio encravado confronta com aquele que lhe dá passagem, como acontecerá normalmente na hipótese de serem vários os prédios onerados com a servidão de trânsito. E não há duvida de que a atribuição efectiva do direito de preferência a um proprietário não confinante não realiza o pretendido objectivo de reagrupamento predial.
Nestas condições, o direito de opção conferido no § 1.º do artigo 2309.º do Código Civil só deverá prevalecer sobre o novo direito de preferência quando o titular daquele direito for simultaneamente proprietário confinante - porque o exercício do direito de preferência garante nesta hipótese, seja qual for a área das parcelas que se pretende anexar, a produção de dois desejáveis resultados: a eliminação de um encrave e a concentração de duas parcelas.

58. Referiu-se acima que na prática é fácil frustrar o exercício do direito de preferência através da simulação do negócio jurídico ou do preço da transacção.