26 DE ABRIL DE 1960 1055
§8.º
A exploração agrícola familiar
1. Dados gerais sobra o problema
65. Aflorou-se j ti em diversos momentos uma questão que hoje, par toda a parte, está na ordem do dia. - a da criação cie explorações agrícolas capazes de assegurar à família que as explore em conformidade com as regras de uma boa técnica agrária um nível de vida satisfatório.
Em todos os países de forte densidade de população, em que a falta de uma indústria suficientemente desenvolvida não permitiu a absorção da mão-de-obra agrícola excedentária, o fenómeno da pulverização da propriedade atingiu proporções inquietantes. Era esta, de resto, a situação existente, em determinada época não muito distante, em quase todos os países da Europa Ocidental. O progresso económico, expresso numa intenso industrialização que se verificou nas últimos décadas em alguns desses países, permitiu o emigração para os centros industriais dos braços que o cultivo da terra já não podia ocupar rendosamente - e assim a viciosa divisão da terra em parcelas insuficientes foi sustada e começou mesmo a observar-se a formação espontânea de unidades agrícolas mais viáveis, mediante operações isoladas de concentração predial.
Este esforço foi largamente coadjuvado pela acção estadual, e ao longo dos últimos cinquenta anos, graças a uma persistente e bem orientada acção, facilitada por uma evolução económica favorável, operaram-se grandes transformações, em diversos países europeus, no que respeita ao número e à dimensão das parcelas de terra e das próprias explorações agrícolas. Nesses países a tendência é para a diminuição do número dos grandes domínios e para a absorção das parcelas exíguas pela média exploração. Assim, na Europa Ocidental, n número de explorações de dimensão compreendida entre os 10 ha e os 50 ha tem aumentado, enquanto que as propriedades mais vastas ou mais exíguas revelam nítida tendência para diminuir.
No entanto, a estrutura da exploração agrícola continua a não corresponder, de um modo geral, às possibilidades das modernas técnicas culturais (1).
Consequentemente, o rendimento das explorações e o nível de vida dos proprietários e dos trabalhadores rurais podem considerar-se insuficientes, na medida em que a população agrícola não goza, normalmente, dos benefícios decorrentes do progresso económico e social em pé de igualdade com o resto da população.
O êxodo que de tal estado de coisas resulta e a terra que, em proporções consideráveis, inevitável e aceleradamente se tem libertado, vão tornando possível a formação progressiva de propriedades de dimensões compatíveis com o pleno emprego do moderno arsenal de maquinaria agrícola e com o custo de apuradas técnicas culturais, de que resulta uma produção de alto nível qualitativo e quantitativo. Esta evolução da estrutura agrária revela tendência para se processar através da constituição de empresas agrícolas de dimensões correspondentes à plena capacidade de trabalho de uma família de agricultores que, possuidores de uma boa formação profissional e utilizando os meios postos à disposição de uma técnica cultural evoluída, logre obter um rendimento que permita a remuneração do capital, do trabalho e da gerência da exploração a nível correspondente ao que se alcança para os mesmos factores noutros ramos de actividade equiparáveis (3).
(1) Remembrement en Europa, p. 14.
(2) V. A criação de unidade» agrícolas economicamente viáveis pelo emparcelamento das terra» e aperfeiçoamento na estrutura agrária, minucioso relatório feito para a Junta de Colonização.
Tanto basta para afirmar que a dimensão da exploração agrícola familiar varia consideravelmente em função da preparação profissional dos que nela trabalham e do grau de mecanização e motorização alcançado.
2. O emparcelamento ao serviço da constituição de empresas agrícolas familiares
66. Tendo um couta a noção apresentada, não podem, evidentemente, ser consideradas explorações agrícolas familiares aquelas cujo rendimento não basta para a satisfação das necessidades da família, cujos membros se vêm forçados a ir procurar noutras actividades a necessária cobertura para as despesas totais; nem sequer como tais podem qualificar-se as empresas agrícolas exploradas por uma família que vive exclusivamente do trabalho agrícola mas em situação económica precária.
A noção de exploração agrícola familiar corresponde, assim, a um ideal a prosseguir e já efectivamente realizado em escala limitada nalguns países europeus.
É com efeito grande, por essa Europa fora, o esforço que se tem feito com vista à constituição de tais empresas familiares rurais, o que está em perfeita conformidade com o lema que norteia a política dos responsáveis pela orientação da actividade agrícola, ou seja o de «assegurar a todos os que nela trabalham as vantagens materiais e morais que lhes permitam permanecer na sua profissão e no seu meio» (1).
Dado que a inviabilidade económica dos explorações, assentava, fundamentalmente, na insuficiência das respectivas dimensões, a preocupação estadual, nos países europeus que mais se interessaram pelo problema, foi exactamente a de aumentar a área das unidades agrícolas, quer através da concessão de créditos aos agricultores para a compra de parcelas provenientes de outras explorações (2), quer através da venda de terrenos do domínio público recuperados paia a exploração agrícola, ou de terrenos adquiridos pelo Estado por compra ou expropriação aquando da execução de planos de emparcelamento.
Foi, sobretudo, através do emparcelamento que os governos do Ocidente Europeu procuraram enfrentar o problema da melhoria da produtividade agrícola, condição indispensável da promoção económico-social dos trabalhadores do campo.
Com efeito, em países cuja mão-de-obra rural tendia a diminuir vertiginosamente e em que se impunha fazer subir constantemente o nível quantitativo e qualitativo da produção, a preocupação dominante era a de melhorar as condições de utilização da mão-de-obra disponível e, portanto, o rendimento do trabalho. Ora já foram referidas, e são geralmente conhecidas, as vantagens em que se traduz, sob tal ponto de vista, o reagrupamento predial, sobretudo quando acompanhado, como geralmente se pratica, da realização de melhoramentos fundiários que muito favorecem as condições de prestação do trabalho e o aumento da produtividade do solo.
A realização dos projectos de emparcelamento foi, porém, aproveitada para a revisão do regime de repar-
Interna pela delegarão portuguesa ao Seminário de Zurique, constituída pelos engenheiros agrónomos ARMANDO OSCAR CÂNDIDO FERREIRA e HENRIQUE A. P. MASCARENHAS, 1958.
(1) Suo bem conhecidas, do resto, as vantagens sociais e políticas da instituição de sólidas empresas rústicas, que, segundo Disraeli, «desafiam simultaneamento os demagogos e os déspotas».
(2) Explorações insuficientes (normalmente negligenciadas pelos seus proprietários ou cedidas pelos que, seduzidos por outras natividades, só retiraram da agricultura), ou propriedades latifundiárias cujos titulares, privados de mão-de-obra abundante e barata, se viram coagidos a parcelá-las.