O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 128 1258

4. Não se estranhe ter a proposta sido precedida de tão dilatada preparação.
A previdência constitui, sem dúvida, o sector mais melindroso e complexo de toda a legislação social. As suas técnicas não têm longas tradições em nenhum país e continuam, hoje ainda, a alimentar divergências e dúvidas entre os especialistas.
E, para além das técnicas, põem-se graves problemas de natureza ética, política, económica e social, que o ordenamento da previdência sobretudo quando visto à luz das modernas concepções de segurança social - necessariamente suscita.
Compreende-se assim que a revisão de um sistema de seguro social seja, em nossos dias e em qualquer país, tarefa de extrema complexidade e, por isso mesmo, de longa gestação. Haja em vista, por exemplo, os casos da Inglaterra e da Suécia. Naquela, as propostas apresentadas em 1942 no relatório Beveridge somente em 1945 começaram a converter-se, com diversos modificações, em diplomas legislativos, cuja publicação se escalonou até 1948. Na Suécia, a recente reforma do sistema nacional de pensões (portanto de âmbito restrito) levou nada menos de onze anos a estudar e a submeter ao referendo5.
A demorada elaboração da proposta de lei sujeita ao exame da Câmara Corporativa revela, pois, além do mais, o cuidado e a ponderação que o Governo pôs na sua feitura.
Já, todavia, pode parecer susceptível de reparo que, muito embora o Governo tenha dado ampla divulgação à proposta6 e haja decorrido longo tempo sobre a data da sua apresentação, poucas ou nenhumas observações ou alvitres, dignos desse nome, chegassem, entretanto, a esta Câmara ou viessem à luz da publicidade.
Também esta atitude não deve causar admiração. Afirmou-se, com inegável procedência, que se «toda a gente fala da previdência social com a mesma desenvoltura com que trata de outros graves problemas da vida social, . .º. poucos são ainda os que se debruçaram sobre ela para poderem equacionar os problemas ... Quando se procura a razão da queixa e o processo de resolução ficam silenciosos ou tentam uma vaga explicação»7.
Acrescente-se não ser o facto privativo do nosso país. O carácter acentuadamente técnico de que em regra se revestem os estudos sobre seguro social, não obstante as suas incidências profundamente «humanas», explica que, cada vez mais, em toda a parte, semelhantes estudos tendam a ficar relegados aos especialistas.
Nota, com razão, Lucas Beltrán que só excepcional, mente algum autor, como Beveridge, consegue fazer vibrar a opinião pública com os seus trabalhos nessa matéria8.
§ 3.º

Método a seguir na apreciação da proposta

5. A necessidade e oportunidade das reformas preconizadas na proposta vêm amplamente justificadas no relatório ministerial.
Aí se põem em foco, com base em abundantes elementos de facto revelados pela experiência, os inconvenientes do sistema actual, seja no aspecto das limitações do esquema de eventualidades e benefícios, seja no tocante à complexidade da orgânica administrativa, seja ainda na rigidez dos métodos de financiamento, impeditivos de melhorias nas prestações, sobretudo nos seguros a longo prazo.
Poderia a Câmara Corporativa limitar-se a apreciar a proposta em idêntico plano - verificando a procedência dos inconvenientes apontados e examinando depois a aptidão e suficiência das medidas propostas para ocorrer a tais inconvenientes.
Em suma, poderia a Câmara efectuar o seu estudo exclusivamente à luz da experiência nacional do funcionamento do sistema, isto é, das circunstâncias de ordem interna que; ao cabo de 25 anos, tornam necessária uma reforma da previdência social.
Sucede, porém, que este quarto de século não foi um período qualquer da existência dos povos. Durante ele, assistiu a humanidade a um dos maiores cataclismos da história, gerador de extensas e profundas transformações em todos os sectores da vida.
Nos domínios económico e social, as estruturas nacionais - não apenas dos países que intervieram no conflito, mas, por inevitável contágio, de todos os mais - sofreram o impacto da humana reacção contra as misérias e sofrimentos causados pela guerra.
O traço mais saliente dessa reacção, no aspecto económico, foi, sem dúvida, a tendência generalizada para a intensificação dos ritmos de crescimento. Semelhante política mostrou-se decisivamente favorecida pelos progressos espectaculares das técnicas da produção e dos transportes, e pela descoberta de uma nova fonte de energia - a energia nuclear.
Por seu turno, no terreno social, ao acréscimo da produtividade e das riquezas e à recordação das privações e angústias do tempo da guerra, correspondeu uma fortíssima aspiração de melhoria do nível de vida das populações, essencialmente através de duas ordens de medidas:

a) A distribuição equitativa dos resultados da produção, de modo a fazer deles participar, em maior proporção, as camadas sociais mais desfavorecidas;
b) A protecção eficaz contra as eventualidades susceptíveis de pôr em risco a vida e a conservação dos meios de existência.

Os progressos da industrialização e o fenómeno da concentração das instalações fabris perto dos grandes centros, provocando a criação de um crescente proletariado urbano e a dispersão das famílias, contribuíram para tornar particularmente sentida por essas camadas sociais a necessidade de protecção económica contra as contingências da vida. A relativa estabilidade oferecida pelo meio familiar e pelas comunidades rurais substitui-se a insegurança do meio industrial, em que o operário para viver depende exclusivamente do seu braço e do seu salário.
Mas o problema da insegurança da vida e dos meios de existência, no mundo de hoje, não é de modo nenhum privativo do trabalhador subordinado. O pequeno proprietário ou explorador rural, o artífice, o modesto capitalista, comerciante ou industrial, o profissional livre, o artista - e até as pessoas que conseguiram alcançar fortuna - estão igualmente sob a ameaça da instabilidade dos condições económicas, gerais, da incerteza sobre o futuro valor das suas poupanças, dos próprios riscos que para a vida humana representam certas formas do progresso técnico. Ninguém
5 Ver, a este respeito, Bureau International du Travail, Informations sociales, 15 de Março de 1958, pp. 250 e 251.
6 Recorda-se que na altura da publicação da proposta o Ministro das Corporações tomou a iniciativa, da promover várias reuniões com dirigentes comparativos e representantes da imprensa e da rádio, durante os quais foi lido e apreciado o (relatório da proposta (ver Ministério dos Comparações e Previdência Social, Reforma da Previdência Social, edição da Junta da Acção Social, p.p. 21 e seguintes).
7 Discurso do Ministro das Corporações e Previdência Social, no Diário das Sessões, citado, p. 997, col. 2.º
8 Lucas Beltrán, in Moneda y crédito, Madrid, Março de 1959, p. 122.